Artigo: “Tecnólogo em Direito: o mundo onírico do MEC”, por Andrey Cavalcante

A mudança de governo não foi suficiente para afastar a contumácia de antigas práticas de favorecimento e compadrio, invariavelmente destinadas ao prejuízo do cidadão.

Andrey Cavalcante, presidente da OAB/RO
Publicada em 24 de abril de 2017 às 13:02
Artigo: “Tecnólogo em Direito: o mundo onírico do MEC”, por Andrey Cavalcante

A mudança de governo não foi suficiente para afastar a contumácia de antigas práticas de favorecimento e compadrio, invariavelmente destinadas ao prejuízo do cidadão. Pelo menos é o que ficou demonstrado com a recente decisão do Ministério da Educação ao estabelecer o que o presidente nacional da OAB, Cláudio Lamachia, classificou de “estelionato educacional”, ao patrocinar a criação dos cursos de tecnólogo e técnico em serviços jurídicos. Trata-se de uma aberração destinada a vender uma formação ilusória aos incautos que receberão o diploma apenas para constatar a dramática realidade do mercado de trabalho e perceber tardiamente que caíram em um verdadeiro conto do vigário chancelado pelo governo. É decepcionante verificar, após quase um ano de um governo sobre o qual foram depositadas as esperanças de toda a população, que o excremento continua o mesmo.

“O MEC mais que se distancia de sua função de zelar pelo rigoroso padrão de qualidade do ensino ao abrir caminho para a criação de uma classe indefinida de profissionais e criar problemas ainda mais sérios às centenas de milhares de bacharéis em Direito que hoje se formam e não encontram posição favorável no mercado de trabalho” – disse Lamachia na abertura do XXXIX Encontro Nacional de Presidentes de Caixas de Assistência do Brasil (Concad), em Recife (PE). Ele destacou que a OAB já manifestou ao presidente da República sua total contrariedade com a medida, para anunciar que irá judicializar o tema, caso o MEC não reavalie sua posição. O presidente da Ordem disse ainda ser necessário garantir a qualidade da formação acadêmica dos bacharéis em direito e os cursos técnicos e tecnólogos não são habilitados a formar bacharéis em direito, como já ficou claro em tentativas anteriores de autorizar esse tipo de curso. Ele situou apropriadamente a decisão do MEC ao classificá-la de mera “mercantilização do sistema educacional” – princípio que tem orientado sua desastrosa atuação nas duas últimas décadas – ao colocar o padrão de qualidade de ensino e de reconhecimento aos professores em patamar secundário.

E foi contundente ao manifestar sua indignação: “A educação, especialmente no ramo jurídico, não pode ser tratada pelo Estado como uma simples moeda de troca. Trata-se de direito de cada brasileiro de receber ensino de qualidade, com respeito a critérios técnicos coerentes com a responsabilidade de sua futura atuação para a defesa dos interesses da sociedade. É preciso evitar que sejam, mais uma vez, vítimas de um embuste cruelmente aplicado justamente por quem deveria pugnar pelas boas práticas na educação brasileira”. O verdadeiro engodo é chancelado pelo relator do projeto no Conselho Nacional de Educação, conselheiro Joaquim José Soares Neto, que justifica a medida com a desculpa de “encaminhar ao mercado de trabalho pessoas aptas a auxiliar advogados, promotores e juízes, por exemplo”. Ele anuncia com clara satisfação que o tecnólogo pode se formar em dois anos e receber diploma considerado de nível superior. E demonstra claramente seu desprezo pela valorização do aprendizado, como se isso não tivesse qualquer relação com o ensino de qualidade.

Embaladas pelo claro compadrio do MEC, pelo menos três instituições de ensino do país já oferecem cursos de tecnologia em Serviços Jurídicos, pelo sistema de ensino à distância. O Centro Universitário Internacional (Uninter), por exemplo, oferece aulas de Gestão de Serviços Jurídicos e Notariais: a grade curricular inclui legislação trabalhista, mediação e arbitragem, registro de imóveis e competências do oficial de Justiça (1.800 horas). E anuncia na internet que “O curso prepara você para um excelente desempenho nas carreiras parajurídicas do poder judiciário, cartórios judiciais e extrajudiciais, tabelionatos, escritórios de advocacia, esfera policial, departamentos jurídicos e de recursos humanos de empresas, assessoria parlamentar, ou como profissional autônomo. Bela carreira, com belas possibilidades de ganhos”.

É, sem dúvida alguma, uma propaganda enganosa, pois a tal “bela carreira, com, belas possibilidades de ganhos simplesmente não existe. O site Migalhas publicou um estudo feito pelos professores Claudio de Souza Miranda e Marco Aurélio Gumieri Valério, da USP, sobre a percepção dos advogados regularmente formados e aprovados em exames da Ordem quanto aos seus próprios salários. Dos entrevistados, 32,9% disseram estar insatisfeitos, total ou parcialmente, com a renda derivada da atuação profissional. As diferenças na satisfação acentuam-se com a mudança de gênero. Entre as mulheres, a insatisfação com a renda aumenta: – 44,6%. A pesquisa foi feita com advogados de todos os Estados e do DF e os dados integram o ICAJ – Índice de Confiança dos Advogados na Justiça – criado em 2010 e refletem especialmente as angústias dos profissionais em início de carreira, cujos ganhos variam entre R$ 1 e R$ 1,5 mil mensais, quando conseguem vagas em escritórios. Aonde então os tais “tecnólogos” haverão de encontrar os tais ganhos milagrosos? Talvez apenas no mundo onírico do MEC e do CNE.

Comentários

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    Diemerson Junior 24/04/2017

    Primeiro o curso técnico ou tecnólogo, são curso voltados específicamente para imediata atuação, logo, seria o fim dos advogados formadores de teses e pensamentos jurídicos, vez que, o formato de educação proposto pelo atual governo não pretende, tanto nesse tecnólogo ou no ensino médio profissional, formar seres pensantes e sim meros executores... Infelizmente é esse caminho, sem falar na banalização do Direito como curso de maior duração, quantos bacharéis existem sendo eternos estagiários, por assim dizer, se quer conseguiram passar no exame de ordem, pela precariedade do ensino superior a que se submeteram... Retrocesso seria a palavra certa! Sim pelo ensino de qualidade seja ele qual for, fundamental, médio, tecnólogo ou de maior duração...O povo quer ser respeitado em sua profissão...

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    Efraim Rodrigues 24/04/2017

    O Texto reflete a necessidade de uma reforma no Sistema Educacional. Hoje milhares de Tecnólogos de diversas áreas estão com dificuldades de inserção no Mercado de Trabalho, um dos motivos é a Ausência da Regulamentação da Profissão de Tecnólogos (PL 2245/2007). Com certeza os Tecnólogos em Serviços Jurídico terão dificuldades para exercer a Profissão e precisarão de um Advogado para ingressarem com ação contra a Instituição de Ensino por propaganda enganosa. É inadmissível um profissional de Nível Superior (Tecnólogo) ser Office-boy de outro profissional de Nível Superior (Advogado). Esse vai ser o destino dos Tecnólogos em Serviços Jurídicos.

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    Nilton 24/04/2017

    Isso me parece corporativismo.

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    Roberto Andrade Santos 24/04/2017

    Tá com medo do que ilustre "doutor"? Concorrência? Sou tecnólogo e concorro com qualquer bacharel em minha área. Cuidado como que fala juizeco mequetrefe.

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    Maria da Paz 24/04/2017

    Será que ilustre doutor está preocupado mesmo com a qualidade do ensino? Faça uma pesquisa sobre os índices da educação básica doutor que Vossa Excelência vai poder constatar aonde está o problema da qualidade na Educação brasileira.Se o curso de tecnólogo não prepara profissionais, creio que qualquer outro curso também está no mesmo patamar,pois o problema está na formação básica do aluno. Muitos concluem um curso superior, inclusive em Direito e não dominam nem o básico da norma culta da Língua Portuguesa. Creio que a sua preocupação deve ser em todas as áreas. Devemos lutar por uma educação básica de qualidade que as demais se beneficiarão com a melhor qualidade.

  • 6
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    Júlio Cesar da Silva 24/04/2017

    Me causa estranheza esta posição so agora da OAB. Vários cursos de tecnólogo foram criadas no País.

  • 7
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    DR DILNEY BARRIONUEVO 24/04/2017

    Mui inteligente o texto escrito pelo  DR.

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