Câncer institucional - Governo de Rondônia descumpre lei federal e expõe servidores a risco de morte

Servidores são expostos à radiação ionizante além do recomendado e ficam suscetíveis a alterações genéticas e ao desenvolvimento de doenças como câncer, anemia, pneumonia...

Publicada em 21 de July de 2014 às 16:43:00

Brasília/DF – O governador de Rondônia, médico Confúcio Moura, está forçando os técnicos e tecnólogos em Radiologia que são servidores públicos a trabalharem de 40 a 44 horas semanais. Embora o Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER) já tenha alertado reiteradas vezes sobre o efeito nocivo da medida, o poder público ignora as recomendações e age à revelia da legislação federal, colocando em risco a vida dos profissionais ocupacionalmente expostos aos efeitos biológicos das radiações ionizantes.

De acordo com o Artigo 14º da Lei n.º 7.394/85 e com o Artigo 30º do Decreto n.º 92.790/86, esses profissionais só poderiam laborar 24 horas por semana. A carga horária especial decorre da altíssima insalubridade inerente ao exercício das técnicas radiológicas e, além de estar fundamentada legalmente, encontra ressonância na Portaria ANVISA n.º 453/98, na NR 32 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e na Convenção 115 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Segundo a presidenta do Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER) , Valdelice Teodoro, todas as medidas legais possíveis já foram tomadas para corrigir o problema. Contudo, ainda não há resolução de mérito e, enquanto isso, os gestores públicos rondonienses insistem em manter os profissionais das técnicas radiológicas em condições inaceitáveis de trabalho.

“Estou inconformada com a situação. Primeiro, tentamos dialogar. Como não houve abertura, entramos na justiça. Entretanto, o caso continua em aberto e os profissionais são obrigados a trabalhar dessa forma. São obrigados a aceitar a condição absurda de trabalho a que estão submetidos, pois dependem do emprego para sobreviver e sustentar suas famílias”, lamenta.

Para o assessor jurídico do CONTER, doutor Antônio Cesar Cavalcanti Junior, o governo estadual deveria atender à legislação federal e não poderia legislar sobre uma profissão regulamentada, pois essa prerrogativa é privativa da União e, consequentemente, cabe exclusivamente ao presidente da República.

“O poder executivo estadual, ao agir como bem entende e sem nenhum critério, atenta contra sua população e coloca em risco a saúde dos servidores, além de deixar de observar aspectos fundamentais do estado democrático de direito”, lamenta.

Entenda os riscos

Se, por um lado, a radiação ionizante é indispensável para a realização dos diagnósticos por imagem, por outro, pode causar danos ao organismo humano, caso a operação da tecnologia não seja feita dentro de estritos limites de segurança. Os raios X não têm cheiro, não tem cor ou gosto, mas têm a capacidade de atravessar o corpo e, em excesso, pode provocar alterações genéticas. Portanto, é necessário que haja um controle rigoroso das horas de trabalho, das doses absorvidas e o uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) adequados.

De acordo com a Portaria ANVISA n.º 453/98, os limites pessoais determinados pela legislação são de 50 milisieverts (mSv) de dose efetiva por ano, devendo possuir uma média de 20 mSv em 5 anos, além de valores intermediários durante os meses, que traduzem níveis sujeitos à investigação e/ou intervenção laboratorial (exames citogenéticos) e notificação às autoridades reguladoras.

Para monitorar essas doses, o profissional que lida diretamente com o equipamento deve usar um dispositivo chamado dosímetro. Os efeitos das radiações ionizantes são classificados em dois tipos: os estocásticos e os determinísticos. O primeiro ocorre em função de pequenas exposições por longos intervalos de tempo, não possuindo um limiar de dose e se manifesta, principalmente, por alterações genéticas malignas (câncer). Os efeitos determinísticos ocorrem em função de altas doses de radiação em curtos intervalos de tempo.

Um indivíduo que seja exposto a uma alta dose no cristalino, por exemplo, terá catarata; um indivíduo exposto na região das gônadas poderá ficar estéril temporariamente ou permanentemente, em função da dose que recebeu. Uma irradiação de corpo inteiro ou uma contaminação, como ocorreu em Goiânia com o Césio 137, pode gerar efeitos imediatos como náuseas, vômito, diarréia, dor de cabeça e até mesmo aborto espontâneo, colapso do sistema nervoso e a morte do indivíduo. A radiossensibilidade celular está diretamente relacionada com a taxa de reprodução do grupo celular. Quanto maior a taxa de reprodução, maior a radiossensibilidade. Então as células da pele, tireóide, gônadas e cristalino estão mais suscetíveis aos efeitos biológicos das radiações ionizantes.

Portanto, devem estar protegidas no momento da exposição. Contudo, atualmente, os operadores desses equipamentos na área de segurança trabalham sem nenhum cuidado ou acompanhamento à saúde. É recomendado que os operadores de escâneres façam exame de sangue com contagem de plaquetas a cada seis meses e, ao sinal de queda, o profissional seja afastado preventivamente até o reestabelecimento das taxas. Há riscos para qualquer indivíduo exposto ocupacionalmente, mesmo que o equipamento produza baixas taxas de dose, em função das características de ocorrência dos efeitos estocásticos.

Os riscos gerados por esse tipo de equipamento mudam em função das pré-disposições genéticas de cada indivíduo, podendo se agravar em crianças. A tese de que a radiação ionizante de baixa intensidade não é nociva à saúde humana já foi derrubada em diversos artigos científicos de renome internacional. É consenso no meio acadêmico que a exposição à radiação sem um rigoroso controle das doses absorvidas provoca alterações do material genético das células e pode causar problemas de saúde, como câncer, anemia, pneumonia, falência do sistema imunológico, problemas na pele, entre outras doenças não menos graves, que podem induzir ao infarto ou derrame. Entre os grupos de risco, o principal é o das gestantes. Uma grávida não pode ser exposta, principalmente, se estiver no primeiro trimestre da gravidez, período em que o feto tem maior nível de radiossensibilidade.

Dependendo da exposição, a radiação pode perdurar em uma contagem significativa, gerando risco de efeitos biológicos para a criança. Servidores tentaram resolver o problemaDepois de tentar dialogar e constrangidos pela falta de sensibilidade do Governo de Rondônia, os profissionais das técnicas radiológicas, com o apoio do Conselho Regional de Técnicos em Radiologia da 18ª Região (CRTR Acre/Rondônia) e do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Estado de Rondônia (Sindsaúde/RO), se articularam e conseguiram aprovar um projeto de lei estadual, com o objetivo de garantir a consecução dos direitos sociais previstos na legislação federal.

Em retaliação, o governador de Rondônia,Confúcio Moura, vetou a nova lei. Não obstante, a Assembleia Legislativa derrubou o veto e promulgou a norma, que deveria ter entrado em vigor. Mas isso não aconteceu, pois o governo entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ/RO), sob alegação de que houve vício no processo e que somente o poder executivo poderia elaborar uma norma deste gênero. Ou seja, a completa burla do necessário.

Para quem quiser conferir, o número do processo no TJ/RO é 0011622.39.2013.822.0000.

“Não é razoável, moral, legítimo, lícito, tampouco sanitário que os agentes públicos, em se tratando de trabalho, profissões e sobretudo, a saúde dos profissionais e pacientes, adotem práticas sem fundamento para prejudicar direitos que preservam à saúde dos profissionais ou editem normas sem nenhum cunho científico ou motivador, sob a falácia de economia ou gestão, causando danos irreparáveis à saúde de todos”, considera o assessor jurídico do CONTER, doutor Antônio Cesar Cavalcanti Jr.

Sobre o CONTER - O Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER) foi criado em 4 de junho de 1987 e tem a função de normatizar e manter o controle jurisdicional das técnicas radiológicas no Brasil. Nos Estados, o braço do CONTER são os Conselhos Regionais de Técnicos em Radiologia (CRTRs), que mantêm rotas sistemáticas de fiscalização para coibir o exercício ilegal da profissão. O Sistema CONTER/CRTRs é composto pela entidade nacional e mais 19 Regionais, que cobrem todos os Estados brasileiros. Atualmente, o Sistema CONTER/CRTRs mantém a inscrição de 93 mil técnicos e tecnólogos em Radiologia em todo o Brasil.

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