Entrevista da Semana - A história de uma existência dedicada a ajudar a devolver vida a quem perdeu para as drogas

Antes do crack, o índice de recuperação dos internos era de até 30%. Mas, depois do advento dessa droga, baixou para uns 13%, revela dona Francisca Magalhães, presidente da Apatox. (CONCEDIDA A CARLOS ARAÚJO)

Publicada em 20 de April de 2014 às 14:49:00

Por Carlos Araújo

Quando a alta sociedade soube que meus filhos estavam nas droogas, me virou as costas

Para Dona Francisca Magalhães da Silva, uma mulher de 72 anos, muito ativa, antenada com o presente sem esquecer nem renegar o passado, não é demérito nem vergonhoso admitir que foi o próprio flagelo de ter um marido alcóolatra e os filhos imersos no mundo das drogas pesadas que a levou a lutar - com todas as forças-  para criar e manter uma casa terapêutica com objetivo de aliviar o sofrimento de outras famílias que passaram ou passam pela mesma situação.

"Não seja co-dependente de seu familiar drogado, não viva a vida dele, mas nunca o abandone”, ensina dona Quinha, fundadora e presidente da Associação dos Pais e Amigos dos Toxicômanos, a Apatox, do alto de seus mais de vinte anos de experiência e luta para manter de pé essa entidade.

Essa Entrevista da Semana do TUDORONDONIA  mostra um retrato dessa idealista e lutadora, mais conhecida como  Dona Quinha da Apatox, que, assolada pelos problemas ocasionados pela vivência com usuários  dentro da própria casa, resolveu dedicar  sua vida, quase que integralmente, a ajudar os dependentes químicos e as suas famílias.

É um relato tão sincero e chocante que emociona os mais endurecidos pela vida. Durante a montagem da entrevista, depois da degravação feita pela equipe, o jornalista Carlos Araújo se emociona em vários momentos, necessitando de alguns intervalos para retomar o fôlego. “Tendo como música de fundo um dos melhores trabalhos do Grupo Detonautas (O Retorno de Saturno, como em ‘Enquanto houver’), às vezes fui às lágrimas, enquanto organizava a entrevista”, admite.

Dona Quinha relata, nesta longa entrevista,  as dificuldades, desde o início,  para colocar a idéia da Apatox de pé, a discriminação que sofreu da alta sociedade, quando os problemas dos filhos com as drogas começaram a vir à tona , e a falta de sensibilidade do Poder Público para uma causa tão nobre quanto necessária para esses tempos de cracolândias.

“Venho de uma família de modista (como ela define quem  vive de ateliê de costura), que atendia a alta sociedade, sobretudo, as primeiras damas dos anos 1960 e 70, mas quando as drogas assolaram a minha família, muita gente virou as costas”, afirma , resignada, acrescentando que hoje esse é o mal do século e que não está restrito apenas aos mais pobres. Faz vítimas em todas as camadas sociais.

Banner com mensagem-instrução aos internos no auditório, onde acontece a terapia de grupo

Confira, a seguir, a entrevista:


Carlos Araújo - Quem é a dona Quinha, de onde a senhora veio? Qual é a sua origem?

Dona Quinha - Sou Francisca Magalhães da Silva, cearense de Viçosa, sertão do Ceará, com muito orgulho. Saímos de lá em 1957, por uma seca muito grande que assolou aquela região. Meu pai, um pequeno fazendeiro,  teve dificuldades. Vim como migrante, nós migramos, passamos mais de seis meses, conforme as datas que eu vou passar. Nós saímos de lá em 26 de junho de 1958 e chegamos aqui ( em Porto Velho) em 04 de janeiro de 1959. Chegamos sem roupa, sem condição... Eu tinha 15 anos de idade, minha irmã tinha 17 anos, a outra 20. Meu irmão mais velho já morava aqui, era soldado do Exército. Chegamos aqui vestindo sacos de açúcar tingidos. Minha mãe fazia os vestidos. Minha mãe era modista. Como eu também sou, graças a Deus. Para chegarmos aqui, foi muita dificuldade. Meu pai nunca tinha trabalhado em construção civil. Ele foi trabalhar fazendo essas casas do Exército, que até hoje existem, ali na Rua José de Alencar, na antiga Vila Caiary. Ele ajudou fazendo massa. Então, ele pegou uma doença muito grave. Ele morreu em 1971 devido a essa doença, um tipo raro de demência para a Medicina daquela época. Mas nós conseguimos encontrar um anjo três meses depois. Foi dona Nazaré, cabeça branca, que todo mundo também conhece aqui na região, ali da Afonso Pena. Ela era de Jacy Paraná, mas morava aqui na cidade, era uma guerreira e nos apresentou a dona Talita Leal, que tinha recém -chegado. O Coronel Paulo Nunes Leal chegou no mesmo ano que nós. A dona Talita era esposa do Coronel Paulo Leal, e então nós fomos trabalhar com ela. Como já disse, somos modistas, somos de família de modistas, graças a Deus...

Carlos Araújo - O Coronel Paulo Leal já era Governador quando ele chegou aqui?

Dona Quinha - Já tinha assumido, tinha vindo de Brasília nomeado. Então, naquele tempo, eles trocavam todo o enxoval do outro governo. Não ficava um guardanapo, era tudo feito com as iniciais do novo Governo, era muito interessante. E nós fomos fazer esse enxoval, tudo de linho bordado. Uma bordava, outra costurava, outra engomava, outra era babá dos filhos. Eu trabalhei muito com o Rodrigo e o Fernando, que são os dois filhos que eles tiveram. Então, nós fomos crescendo. Com um ano, nós já tínhamos refeito a nossa casa que era toda de palha e muito velha. Quando chovia, a gente pisava num tapete de palha que caía.

Carlos Araújo - A sua residência era ali no Caiary?

Dona Quinha - Não, era na Afonso Pena. Que até hoje é a casa dos meus pais, ali entre a Brasília e a Joaquim Nabuco. Só havia um caminho que meu pai fez com tijolo no meio da lama. A gente pisava num tijolo e noutro e salsaparrilha e lama. Aquela Afonso Pena era só prostituição, era cheio de cabaré. Tinha o Tambaqui de Ouro, tinha a Dona Gorda, tinha um monte de coisas terríveis. Nessa época, nós não conseguíamos nem estudar à noite. E fomos estudar com a Floriza, que era filha da dona Nazaré. A Floriza Santos que foi até secretária da Prefeitura, no governo do José Guedes. E nós conseguimos dar a volta por cima, graças a Deus. Eu me casei em 1962. Aos vinte anos, conheci o meu esposo aqui em Porto Velho, ele era baiano. Casamos todas. Infelizmente, perdemos o nosso irmão mais velho, esse que foi nos buscar no Ceará. Foi o primeiro acidente de carro que teve aqui em Porto Velho, ali na Avenida Brasília, onde hoje é o Shelton Hotel. Ele foi morto por um (gosto nem de falar)  maconheiro... Filho da família da então Camisaria Paulista. E isso ficou muito gravado na nossa mente. Depois morreu o nosso outro irmão,  de câncer na garganta. Depois morreu o nosso outro irmão, de febre tifóide, Com isso, meu pai foi ficando desmotivado e, já com a doença, faleceu em 1971.

Carlos Araújo - Como era o nome do seu esposo?

Dona Quinha - Fernando. Era o conhecido ‘Baiano’. Fernando Moreira da Silva. Me casei aos 20, ele tinha 33 anos. Eu só tive um amor e uma paixão, mas o único homem que eu conheci foi Fernando Moreira da Silva.

Carlos Araújo - Foi ele o amor e, ao mesmo tempo , a paixão?

Dona Quinha - Não. Eu tive uma paixão antes, por uma pessoa, mas, graças a Deus que curou. Isso é uma doença grave, e se eu tivesse me casado com ele eu não seria a pessoa que sou hoje. Já Fernando foi um amor. Amor platônico maravilhoso. Deu-me cinco filhos, mas também muitos problemas, porque a vida a dois é difícil. Quem achar que é fácil tá redondamente enganada. Mas vivemos 38 anos juntos. Ele bebia e fumava muito e morreu de câncer. Então, desde que me casei ,já tive um repúdio muito grande pelo alcoolismo, e foi isso que eu acho que me motivou a ser quem sou.

Carlos Araújo - E o que a dona Francisca fez nesse período? A senhora foi professora ou continuou trabalhando como modista?

Dona Quinha - Meu marido não me deixou trabalhar até 1970, quando tive meu último filho , que é o Francisco Gaston. Mas eu teimei, implorei e ele deixou que eu montasse um ateliê de costura. Aí eu botei uma placa e a coisa foi de vento em popa. Eu fui a melhor modista do estado, graças a Deus. Eu fui tesoura e ouro da Racam em São Paulo. Eu mandava pelos Correios os modelos que eu fazia e os retratos.

Carlos Araújo - O que era Racam?

Dona Quinha - Era uma grande loja de tecidos de São Paulo. Eu mandava telegrama, que naquela época era tudo telegrama, eles mandavam o endereço. Então, em enviava pelos Correios a folha do manequim que eu queria. Naquele tempo era manequins dos grandes..., hoje já não tem mais essa qualidade que tinha o Dener, um dos grandes costureiros da época. Aí eu mandava a folha de papel, o manequim da cliente, e ele mandava o tecido e todos os aviamentos pelos Correios. Quando chegava era só talhar e aplicar. Tudo isso vinha de avião ou Correios, porque era tudo muito difícil naquele tempo. Não dispunha nem de telefone.

Carlos Araújo - Essa fase do seu ateliê durou até quando?

Dona Quinha - Até em 1990. Porque em 1986 meus filhos entraram no mundo das drogas e eu tentei conciliar as duas coisas, mas não deu. As minhas clientes eram todas da sociedade, eu costurava para as 10 mais do Estado. Naquele tempo não tinha Boto de Ouro não, eram as 10 mais mesmo. Mulher do diretor, mulher do governo, mulher do prefeito, do secretário. Então, eu costurava para todas elas. Meus filhos estudavam no Dom Bosco, no Auxiliadora e, devido aos problemas que todos ficaram sabendo, a gente foi banido de uma sociedade, que até hoje continua uma sociedade mesquinha. Fomos excluídos. Então, eu fiquei com pouquíssimas clientes, aí comecei a fazer roupa pra vender, eu tinha alta costura que ia do tecido até o sapato. Cliente entrava, escolhia o que queria. Bijouteria e tudo.

Carlos Araújo - E isso lhe proporcionava uma boa vida, pagar colégio particular aos filhos?

Dona Quinha - Eu pagava  o Auxiliadora, o Laura Vicuña, eu tinha carro do ano, nós éramos classe média. Meu marido tinha uma bicicletaria, que também foi a primeira de Porto Velho. Cuidava da bicicletaria com muita facilidade financeira também, porque naquele tempo era a única. A família estava, assim, de vento em popa.

Carlos Araújo - Mas esse era seu segundo esposo?

Dona Quinha - Não, meu primeiro. Ele foi meu único marido. Quando nós casamos, em 1962, fomos morar ali na Brasília, ao lado do Bradesco, onde estou até hoje. Então, depois começou o desequilíbrio emocional. As desavenças nas boates, as confusões com fulano que não foi à aula, e em 1988, meu filho mais velho, Fernando, terminou o segundo grau e fez vestibular e foi para Taubaté (SP). Foi ele e a Fernanda, minha filha. Ela fazia arquitetura e ele foi fazer engenharia civil, só que chegando lá a aptidão dele foi para Direito. O Fernando conseguiu terminar a faculdade.

Carlos Araújo - De Direito?

Dona Quinha - De direito. Em 1990 ele terminou. E a Fernanda formou-se arquiteta. De lá, Fernando, que já estava noivo de uma amiga, foi direto casar na Bahia. O meu marido é lá de são Gonçalo dos Campos (BA), então, os dois casaram com moças de lá. Filhas de amigos de infância do pai deles. Fernando conseguiu casar, mas continuou tendo recaídas nas drogas. Nisso Gaston também já estava envolvido.

Carlos Araújo - Gastor é o seu filho mais novo?

Dona Quinha - É. Gaston também já tinha se envolvido com as drogas. Depois de muita luta, de muitas idas e vindas ao vício, ele até passou na faculdade e se formou em Direito pela Uniron. Ele não se envergonha nem um pouco de alguém saber que ele foi um dependente de droga. Ele se preocupa de dizerem assim: ‘tu recaiu!’. Isso é a meta de um cidadão que faz um tratamento de verdade: é não querer mais ter recaídas. E para isso, ele tem que temer essa recaída. Em 1998 meu esposo faleceu, em 05 de outubro, depois de passar oito meses com ele dentro do Prontocor. O pai tinha um certo medo. Ele não queria ver os filhos dependentes de drogas. Ele queria ver os filhos saudáveis. Então, ele fez, como diz o médico mesmo, criou uma proteção, foi uma negação dele mesmo e isso o ajudou. A negação de ver os filhos dependentes.

Dona Quinha com a Kombi da Apatox, utilizada na ajuda ao transporte dos internos

Carlos Araújo - Qual foi a causa da morte de seu esposo, dona Quinha?

Dona Quinha - Câncer. Além da bebida, ele era tabagista, tinha enfisema pulmonar.

Carlos Araújo - A senhora disse que ele bebia e fumava muito...

Dona Quinha - Muito. Ele já vinha sendo alertado pelos médicos. Então, quando Fernando faleceu, o desejo dele era ser enterrado na Bahia, já tinha até um mausoléu. Nós casamos em 1962 e a primeira viagem que nós fizemos com a família foi para ele apresentar eu e os filhos para à família dele, que é uma família enorme lá em São Gonçalo dos Campos. Isso foi em 1970. E de lá para cá, todos os anos nós íamos. Então, nós éramos bem conhecidos na cidade. Mesmo quando as crianças deixaram de ir e cada um tomou o seu rumo, quando cada um ficou adulto, cada um toma seu rumo, eu e ele íamos. E lá, a gente fazia festa para as crianças, para os idosos. Ele era uma pessoa que ajudava muito as pessoas, os conhecidos. Então, quando Fernando morreu, levei seu corpo para a Bahia. Quando eu cheguei a Bahia, era cinco da tarde. Na hora do enterro, a cidade estava repleta de faixas. Meu irmão havia mandado o Gaston de avião para me encontrar em Brasília. Você não imagina o que foi esse sentimento, que hoje m e impulsiona no trabalho que eu faço. Quando eu vi o meu filho em situação muito difícil e meu marido em uma urna funerária foi um sentimento devastador. Meu marido e minha família era como uma grande árvore na minha vida.

Carlos Araújo - É um legado que ele deixou para a senhora?

Dona Quinha - É. É um legado que não gostaria de ter deixado, mas deixou e eu tenho que me sustentar, até mesmo para dar exemplos para outras pessoas desse legado mau, mas que pode representar um exemplo para outras pessoas. Então, quando eu cheguei em Brasília, naquele aeroporto, que todo ano eu ia com ele, comprando livros para ler, presentes para a família dele, correndo, descendo escada, porque nós éramos... Fernando era assim, uma pessoa quando ele estava sem o álcool, ele era o melhor marido do mundo, agora, quando ele estava na fase do álcool era afastado da família. Ele vivia dentro de casa, mas nós não tínhamos comunicação. Porque era só para manusear problemas, puxava assuntos que não devia, então, como o alcóolatra de hoje, era assim que ele se comportava na época. Quando nós viajávamos ele não bebia, fosse 30 dias, eram 30 dias de paz. Sabe um pai amoroso, maravilhoso, cavalheiro, tudo de bom, quando estava sem o álcool. Quando eu cheguei naquele aeroporto, que eu me lembrava que meu esposo estava dentro de uma carga, num caixão, não sei qual era a dor maior. Mas, quando eu cheguei na Bahia, em Feira de Santana, o serviço da funerária nos levou do aeroporto para lá, que eu encontrei Fernando...

Carlos Araújo - Seu filho né?
Dona Quinha - É. O Gaston não estava tão visível, porque ele tinha seus momentos de lucidez. Mas, Fernando estava tão mal, quando eu vi o meu filho, que eu o abracei, eu não abracei meu filho, eu abracei só osso. Aí, a dor me dilacerou. Não sei qual foi maior, a de estar enterrando meu marido ou ver meus filhos morrendo pelas drogas.

Carlos Araújo – E a perda do marido...

Dona Quinha - A perda do marido, ou ver o meu filho daquele jeito. Mas aí a gente passou por cima de tudo isso, fiz o enterro no mausoléu, do jeito que ele desejava, passei 20 dias na Bahia. Hoje está lá há 17 anos, e todo os anos eu vou lá. Então, Fernando, meu filho, me trouxe para Manaus, e um mês depois ele voltou pra Bahia. Trabalhava três meses no escritório que ele tinha e sofria uma recaída, aquelas coisas que nós sabemos de dependente químico que não faz o tratamento. Aí ele me disse: ´’mamãe a gente quer ir para Porto Velho. E eu retruquei: só vem para cá sem drogas’. Eu não vou mais me dar o direito, vocês não vão fazer comigo o que fizeram com o pai de vocês. Eu não vou morrer deixando vocês drogados no mundo. Eu vou lutar por vocês.

Carlos Araújo – Foi daí que nasceu a ideia de implantar a Apatox?

Dona Quinha - Não, a Apatox nasceu em 1990, quando Fernando foi para faculdade. Quando no primeiro ano que ele veio de férias, eu vi que ele se segurava por lá, mas quando chegava aqui, o mês de férias era de terror. Ele e essa cambada aí da sociedade, que você sabe que não é fácil. Então, eu e outras mães, com o propósito também de aliviar o sofrimento que tínhamos, fundamos a Apatox.

Carlos Araújo – Ela funcionou inicialmente aonde?

Dona Quinha - Lá na Rua Jamari, na casa do Gurgel, ali na Jamari, próximo do Ana Adelaide.

Carlos Araújo – Família Gurgel do Amaral?

Dona Quinha - Família Gurgel do Amaral, que Deus o tenha, que tenha dado a ele o reino da glória porque ele foi maravilhoso. Estávamos lá, quando o Chiquilito entrou na prefeitura. Então, nós já entramos pedindo ajuda financeira dele. Nós já estávamos lá com casa alugada, o aluguel para pagar, com diretor da casa, porque não tínhamos discernimento de como dirigir uma clínica, entendeu? Foi quando eu fui para São Paulo, passei 15 dias no Américo, que era a única clínica que eu conhecia, um centro espírita na serra em Itapira, e lá eu peguei todos os detalhes de como funcionava uma comunidade terapêutica. O doutor Zago, que era o diretor, um japonês maravilhoso, me deu, assim, bastante subsídios de como montar e fazer funcionar. E, também o direito de lidar com minhas próprias dúvidas. Quando retornei, com a Apatox inaugurada, lá naquela casa da Rua Jamary, em 03 de março de 1991, já com estatuto, ata, tudo, tudo já montado. Aí, amigo, foi quando o Gurgel, infelizmente faleceu. Ele caiu do cavalo na chácara e morreu.

Carlos Araújo – Qual era o Gurgel?

Dona Quinha - Era o Antônio. Marido da Íris. Antônio Gurgel do Amaral.

Carlos Araújo – Irmão do Orlandinho, do Alan?

Dona Quinha - Irmão do Orlandinho, é, irmão deles. Marido da Íris Gurgel. Aí eles pediram a casa né. Como é que nós íamos sair de lá se não tínhamos para onde ir? Esse terreno aqui era vazio, só tinha uma quitinete.

Carlos Araújo – E esse quintal...

Dona Quinha - Esse terreno já era da minha família. É nosso até hoje, é da minha família, da esquina da Rafael Vaz e Silva com a Pinheira Machado até aqui na ‘Favo de Mel’. Só tinha a esquina, o resto era tudo vazio, então o pessoal jogava lixo, derrubava o muro e agente levantava de novo. Quando meu marido ainda estava vivo, minha filha dizia: mamãe peça do papai aquele terreno pra senhora montar a clínica e eu dizia: o seu pai sabe muito bem da minha luta, e se ele quisesse, ele me ofereceria. Porque eu me casei para ser mulher, para ser esposa. Eu ganhava dinheiro igual a ele ou mais. Mas, ele era o meu grande referencial, e é até hoje. Eu digo para minhas noras e digo para todo mundo, o esposo vai ser sempre o esposo, ai daquele que não cultivar, não vai dar certo. Aí foi quando o coronel Sampaio que era da Polícia e eu era modista da esposa dele e dele. Eles não me desamparam. Teve umas duas dúzias da sociedade que não me abandonaram.

Carlos Araújo – Não viraram as costas?

Dona Quinha - Que não viraram as costas. O resto tudo virou. Ela não me deixou, continuei costurando para ela, o filho dela, um rapazinho já, continuou indo lá pra casa estudar com a Fernanda. A Fernanda já estava se formando e dava aula de reforço. Algumas famílias da alta sociedade viraram as costas para a gente, mas, eles não. Foi aquele negócio assim, tipo, ali tem um leproso vamos deixar até de passar na porta né. Ninguém sabia que essa doença iria assolar a todos, né.

Carlos Araújo – Não escolhe mais classe social...

Dona Quinha - Nenhuma, nem financeira. Ela é um trator de esteira. O milionário pode até usar droga no tapete vermelho, mas é a mesma droga, e rouba do mesmo jeito, e faz as mesmas malícias que os outros. O coronel Sampaio falou: eu vou lhe dar uma casa que temos no conjunto Santo Antônio e está desocupada, e a senhora vai lá com a Andréa, que era a esposa dele. Se der certo, a senhora pode tomar posse por quatro anos, porque daqui quatro anos eu vou vender. Você não imagina, foi como uma luva. A casa toda encarpetada, quatro quartos, foi maravilhoso... Nos mudamos, mas o povo de lá não nos aceitou, foi feito abaixo-assinado, foi repórter, foi televisão, foi um escândalo.

Carlos Araújo – Queriam tirar vocês de lá?

Dona Quinha – Não queriam deixar nem agente entrar no conjunto. O pessoal não deixava a gente entrar.

Carlos Araújo – Eles temiam ter como vizinho uma casa de recuperação de drogados?

Dona Quinha – Não queriam drogados lá não. Mas nós entramos assim mesmo, eu assinei um documento para fechar o muro, com chapa de ferro e fechamos. Entramos e antes de cinco meses nós já tínhamos conquistado o coração de todos eles, os moradores. Às sete da manhã, uma bela oração musical com violão, todo mundo cantando. A gente via todo mundo parado para ouvir. Seis da tarde já atravessavam a rua e ficavam no muro, ficavam no portão.
Carlos Araújo – Nessa época, havia quantos internos?

Dona Quinha – Lá nós tínhamos até 28. Tínhamos espaço para 28, aqui nós temos para 24. E foi quando nós conquistamos as famílias, plantávamos árvores, limpávamos a rua de uma esquina a outra, todos os dias de manhã cedo, eu e os internos. Eles começaram a colocar saco de lixo, vassoura, uma conquista...

Carlos Araújo – Isso já era uma parte da terapia?

Dona Quinha – Terapia ocupacional. Era. Mas nós sempre tivemos psicólogos, terapeutas, psiquiatra, foi sempre na mesma base. Só melhorou, mas sempre foi na mesma filosofia, a mesma metodologia. A Apatox já foi montada numa metodologia de clínica terapêutica. E não centro de recuperação. Que tem muitas diferenças de metodologia. Conclusão, quando faltavam cinco meses para completar os quatro anos, eu comecei a ficar aperreada. E agora? E a Fernanda disse: mamãe, hoje o papai vai conversar com a senhora. Aí ele me chamou à noite e me disse: minha filha (era assim que ele me chamava, de minha filha), ‘você não quer fazer um chiqueiro para os seus porcos lá na Rafael Vaz e Silva?’.

Carlos Araújo – E isso ofendia a senhora?

Dona Quinha – Demais. Porque a Apatox, quando eu a fundei com as minhas amigas nosso objetivo era e é ajudar dependentes químicos e aliviar o sofrimento das famílias. Inauguramos em 23 março de 1991, mas, em 18 de agosto de 1991, minhas amigas desistiram.

Carlos Araújo – Por que elas desistiram?

Dona Quinha – Porque nós todas tínhamos que ir tirar plantão. Todas tínhamos que ter um carnê para arrecadar fundos e pagar o diretor, o aluguel, enfim, a manutenção.

Carlos Araújo – Eram mães que tinham também problemas com filhos dependentes químicos?

Dona Quinha – Mães que tinham problemas com os filhos drogados. A maioria. Teve uns que já morreram, outros estão vivos, graças a Deus, como o meu filho.

Carlos Araújo – E eles se recuperaram?

Dona Quinha – Tem sempre recaídas.

Carlos Araújo – Mesmo se sentindo um pouco ofendida com a forma como seu esposo lhe ofereceu...

Dona Quinha – É porque ele ofendia o meu lado mãe, mas o meu lado mulher, o social, não era ofendido.

Carlos Araújo – Bom, aí, a partir dessa aquiescência dele para senhora usar o terreno, que foi no ano de?

Dona Quinha – Isso foi mais ou menos em fevereiro de 1996. Aí, meu filho, foi um pulo. Nós começamos a trazer os internos, tudo feito por eles, nós fizemos pouca coisa, na época. Já tinha uma quitinete, bem feita, que meu marido havia construído para quando recebia visita de parentes. Vinha muita gente de fora ele as acomodava por aqui. E nós fomos só puxando. A quitinete já ficou como dormitório, com banheiro grande. Aí nós fomos fazendo conforme nossas possibilidades. Eu passava a semana todinha trabalhando aqui, não tinha mais carro, já tinha vendido meu carro para pagar a clínica aos meus filhos. Estávamos com o financeiro bem baixo, tínhamos passado de classe média para pobre. Aí, o que eu fiz? Pedia durante a semana toda nas casas. Eu ia de casa em casa, a senhora não tem telha?, não tem tijolo?, o que a senhora tiver agente aceita, sempre explicando o nosso objetivo. Ganhamos um carro acautelado pelo Tribunal de Justiça, uma doação. Eles me deram caucionado. Todo mês eu prestava contas de como estava o carro. Este chevete foi, assim, o início de tudo. Eu mesma que dirigia. Houve uma época que ele não tinha o pisca pra esquerda e pra direita e eu sinalizava com a mão. Todo mundo me conhecia, não tinha essa burocracia que tem hoje, que é verdadeiramente financeira né, você não pode nem encostar o carro. Encostei o carro esses dias aqui na floricultura para pegar um vaso, o cara me multou. Conclusão, fomos fazendo. Quando foi em julho de 1996 nos mudamos. Mudamos para esse local, na Rafael Vaz e Silva, 2199, bairro São Cristóvão, subesquina com Pinheiro Machado. Cada grupo que entrava ajudava com o que tinha habilidade. Quem tinha conhecimento na parte elétrica, fazia parte elétrica, nós precisamos de uma sala de terapia, fazia. Nós precisamos de um auditório, vamos fazer.

Carlos Araújo – Os próprios internos?

Dona Quinha – Os próprios internos. Eles são profissionais, todos eles.

Carlos Araújo – O que a senhora acha que leva pessoas, mesmo já uma profissão, com família, a entrar no mundo das drogas?

Dona Quinha – Olha, nós temos a ciência que nos diz o seguinte: ou ele já nasce com a pré-disposição que pode vir dos pais, pode ser dos avós, pois a genética é inconfundível, ou ele cria trauma na infância. Um pai que chega bêbado à noite, quebrando as coisas dentro de casa, querendo bater na mulher, que exemplo passa para os filhos. As histórias são todas iguais, só mudam os personagens. O próprio Freud nos esclarece, porque é o grande conhecedor de tudo isso,

Carlos Araújo – Só muda o endereço não é?!

Dona Quinha – Olha, desde quando eu conheci o mundo, que foi quando eu cheguei aqui em Porto Velho, em 1959, foi que eu fui conhecer o mundo, o que era a vida, porque lá no nordeste era tudo paz, um cavalo para montar, montava de cela, sem cela, sem esteira, não tem problema. Era a vida no campo né. E de repente você se ver tirada de lá, e ser jogada nesse mundo louco. Eu vim conhecer a luz elétrica, a água gelada, quando sair do sertão do Ceará.

Carlos Araújo – Já aqui em Rondônia?

Dona Quinha – Não, logo quando nós saímos da nossa terra e fomos pra Fortaleza, onde ficamos aguardando uns dias, antes de conseguir embarcar no navio para Belém.

Carlos Araújo – Nesse tempo a senhora estava com quantos anos?

Dona Quinha – 15 anos. Eu não sabia nem quando era aniversário. Minha mãe dizia: ‘ah fulana vai fazer 15 anos tal dia’. Essa coisa de presente, de cantar parabéns, avião, essas coisas, nem pensava que existisse, Então foi assim muito difícil. Por isso que eu às vezes comento que essa cheia que estamos vendo não é assim esse pavor todo. Pavor é o que o povo passou naquele tempo, sobreviveu, tem histórias e experiências para contar. Quando nós viemos para esse local, muita gente nos ajudou. A Romilda, que era da drogaria, que também tinha um problema com dependentes na família, me ajudou muito. Tudo na parte de elétrica e fios, parte de água, torneiras, pias, tudo que você olhar aqui foi Romilda que ajudou a conseguir.

Dona Quinha mostra recorte com a propaganda que o Governador fez de uma visita. Foi só isso e nem uma ajuda

Carlos Araújo – Hoje a Apatox tem quantos internos?

Dona Quinha – Hoje nós temos 14, mas temos vagas para 24.

Carlos Araújo – E como é hoje dona Quinha, como a senhora consegue apoio hoje. O governo atual criou a Secretaria da Paz e um serviço de apoio às famílias de dependentes químicos. O governo dá alguma ajuda à Apatox?

Dona Quinha – Não, nada. O Governador esteve aqui, eu até tenho uma fotografia com ele. Esteve aqui, em julho de 2012, trouxe sua equipe, prometeu. Eu achei que o Governador estava falando sério.

Carlos Araújo – E o governador que é médico né...

Dona Quinha – Ele demonstrou um propósito muito bom, mas os seus assessores não cumpriram. O que eles fizeram foi trocar toda a fiação elétrica, que estava tudo pegando fogo, e colocaram duas portas de madeira, num local em que as portas estavam bem ruins. E foi só isso. Ele mandou trocar todo o forro, mas ninguém veio trocar. Foi só a parte elétrica e essas duas portas que ele trocou. Eu voltei lá várias vezes, e me prometeu um terreno, que corri muito com os assessores dele atrás desse terreno, mas infelizmente quando chega num terreno, já tem outro dono, não conhecem os próprios terrenos do Estado. Tipo assim: o outro governo já deu o terreno para outra pessoa ou entidade. Então, isso aí eu entendi, porque eu vou ficar brigando que esse terreno eu quero? Não. Eu quero se for dado uma coisa livre né. Agora, esses dias, um mês atrás ele nos enviou um anjo de Deus, que está no propósito de realmente nos dar esse terreno, e nos ajudar a construir uma nova sede, junto com a Marinha Raupp e o Raupp, e eu espero em Deus que isso dê certo. Não estou com esperança cem por cento, porque eu sou uma pessoa que nisso minha fé é pouca.

Carlos Araújo – É realista?

Dona Quinha – Mas eu entreguei na mão do Senhor. Se for da vontade dele, que essa Apatox se torne uma Apatox grande para 50 pessoas. Uma área feminina, que é o meu sonho, eu já tenho até um projeto.

Carlos Araújo – Por enquanto é só o masculino?

Dona Quinha – Só homens acima de 18 anos.

Carlos Araújo – Nesse papel (cópia de um release divulgado pela Assessoria de Imprensa do Governo) que a senhora me mostra aqui, diz que o governo doa fanfarra e presta homenagem à Apatox. Essa fanfarra foi doada para quê?

Dona Quinha – Não foi para doada para nós, mas para a escola de Nazaré, no Baixo Madeira. Inclusive teve uma apresentação muito bonita, fanfarra completa, foi muito bacana. Deve ter, se não cuidaram, deve ter descido nas águas. Porque é um absurdo o que aconteceu em Nazaré.

Pois é amigo, agora eu quero voltar uma coisa lá de 1990. Quando eu me senti totalmente perdida em 1990, eu não tinha mais condições de lidar com os problemas dos meus filhos. Quando eu procurava minhas amigas que também tinham problemas, elas estavam bem mais frágeis do que eu. Então o que nós fizemos? Montamos um escritório aqui na Avenida Nações Unidas, perto da Jorge Teixeira, e toda noite nós íamos pra lá, as mães e uma psicóloga. Lá nós chorávamos, desabafávamos, encontrávamos maneiras de mudar a nossa vida, mudar a vida dos nossos filhos, mas quando nós chegávamos em casa o problema estava lá. Era só ilusão. Era como se nós, tomássemos um banho, nos arrumássemos toda e fôssemos dormir na lama. Então, nós fomos vendo que não era assim, nós tínhamos que tentar mudar essa realidade. Tinha que ser uma coisa palpável. A conclusão, já que nossos filhos não querem tratamento, porque nós podíamos mandar para fora, vamos lidar com os filhos dos outros. Aí eles vão ver, essa foi a nossa proposta. Todo mundo foi na mesma meta. Vamos montar um lugar para tirarmos os drogados das ruas, e nossos filhos vão ver que nós vamos tratar dos filhos dos outros e vão querer se tratar também. E foi essa a ideia. Só que com seis meses elas acharam que não, que não ia dar certo, porque os filhos continuavam se drogando. Eu, como acredito no amanhã, acredito que depois da tempestade vem a bonança, eu acredito que o amanhã não é meu, é do Senhor, o amanhã a Deus pertence. Depois de uma noite de choro, vem o sorriso. Então, eu disse: olha gente eu não vou desistir da Apatox. Aí todo mundo já me colocou como presidente fundadora, já fizemos a ata, naquela mesma noite de 18 de agosto de 1991, e eu assumi a Apatox. Tenho passado muitas dificuldades, mas também tenho encontrado muitos bons parceiros, graças ao Senhor. É a sociedade que mantém o social, não só as autoridades, mas as famílias. Agora, não temos mais condições de fazer convênios, porque agora inventaram o terceiro setor. Terceiro setor você só faz convênio se você tiver cadastrado, uma imensidão de documentos, um oceano de burocracia.

Carlos Araújo – Muito burocrático?

Dona Quinha - Estou com uma imensa pasta de documentos e ainda falta um tanto, e não adianta levar se não estiver completo. Semana que vem eu vou levar o que eu tenho, e vou, em nome de Deus, conseguir nos cadastrar. Já estou perdendo uma emenda parlamentar do deputado Ribamar Araújo, porque ele não pode me ajudar, ele não pode fazer nada, porque morre tudo na burocracia da Seas (Secretaria de Estado de Assistência (?) Social).

Dona Quinha mostra as contas de água e luz e pede ajuda da sociedade para manter a entidade

Carlos Araújo – A senhora não se enquadra nem no conceito de Oscip, nem nessas instituições, essas nomenclaturas que o Governo costuma criar?

Dona Quinha - Não. A Apatox é cadastrada em todos os órgãos, mas o terceiro setor inventou coisas que nós não tínhamos e muitas entidades não as têm. Tem que mudar o estatuto, tem que mudar a ata, e tal. Para você ver, uma coisa que eu abomino porque sou cidadã e sei que não é com burocracia que se ajuda alguém. Drogado não sai das drogas com burocracia, nem com papel. Ele se recupera com a disposição e a fé de quem vai lá o pega, dá um banho, arruma, deixa o camarada se sentindo um ser humano, cortado as unhas, feito a barba, cortado o cabelo, pega três internos cuida dele, quando ele sai de lá parece um lord. Aí vai começar o tratamento. O camarada vai se olhar no espelho e vai dizer: ‘cadê eu? Cadê o dragado que estava na rua ontem?’

Carlos Araújo – A senhora acha que isso tem um efeito positivo para a aceitação do tratamento?

Dona Quinha – Muito positivo para a aceitação do tratamento. Isso é o ponto fundamental: acolher. A equidade foi criada para quê? Porque teve uma semana de plenária lá em Manaus, onde nossas conselheiras de saúde, foram aprender mais sobre a equidade. E o que é? Cuidar, zelar, amar o ser humano que está abandonado. Mas ninguém faz. Então, voltando lá para Sepaz. A Sepaz começou tudo muito bom, muito bonito, mas não tiveram ações. A fé sem obra é uma fé morta.

Carlos Araújo – Fé vazia?

Dona Quinha – Então, o que acontece? Hoje tem ali o Crepad. As pessoas passam aqui e me perguntam: dona Francisca me diga o que eu faço para conseguir uma vaga aqui na Apatox pelo Crepad? Eu digo, meu bem, eu desconheço essa possibilidade, mas vá lá. E elas não voltam nunca mais. Para que foi criada a Sepaz? Para comprar vagas, nas comunidades terapêuticas, para o governo doar para os carentes, mas isso nunca aconteceu na Apatox. Se tem alguma entidade que está recebendo isso eu desconheço. Eles montaram, fizeram, mandaram de Brasília, não foi nem daqui veio direto de Brasília, para gente fazer... como é que chama? Cadastramento, burocracia, coisas terríveis que você não tem pessoas especializadas para fazer. Agente tem que ter uma equipe técnica, vamos pagar uma equipe técnica como? Fui falar com um técnico, para o cara fazer um projeto. Ele cobrou 3 mil reais. Como que nós vamos pagar, rapaz? Se não temos fundos. A Apatox não tem recursos. Vivemos da ajuda das famílias, das que podem ajudar. Hoje nós temos 4 internos cujas famílias estão contribuindo. Se eles saírem hoje, amanhã já não tem mais, é só de pedir, pedir, pedir.

Carlos Araújo – A Maçonaria ajuda a Apatox?

Dona Quinha - A Maçonaria ajudou no ano passado com 3 mil reais para o forro de alguns setores. E eu agradeço a Deus por isso. E vou te mostrar essa área, menos o forro do auditório e o da entrada do auditório. O restante foi a Maçonaria que mandou fazer. Trouxe os caras e mandou fazer, deixando tudo prontinho. Eu tenho o documento aí, e ficou de voltar pra fazer o restante, mas não veio. Mas Deus sabe porque que eles não vieram, né? Outras ações eles devem terem feito. É. Lions nos ajudando. Igrejas dificilmente aparecem. Vem muita gente que pastor fulano mandou. Então, eu digo: não, querido, essa casa aqui não é do pastor. Pastor, eu nem conheço quem é o teu pastor. Agora, se você ficar lá na rodoviária, eu vou lá, te pego, eu mesma, e te trato. Agora, trazido pelo pastor e deixado aqui, eu não trato.

Carlos Araújo – Quais são as atividades que a Apatox desenvolve como forma de terapia para os seus internos?

Dona Quinha - Muito importante. Nós temos uma terapia que se copiado do Grupo Narcóticos Anônimos. Nosso trabalho é todo no projeto Mini Solto, que é tudo em cima dos 12 passos de Narcóticos Anônimos. Hoje (dia da entrevista) eles estão fazendo trabalhos de metas, que é toda sexta-feira. Como amanhã é feriado, e nós respeitamos, antecipamos para hoje. Nossos internos recebem toda segunda-feira uma meta: os 12 passinhos, 12 metas. O tratamento é em cima de 12 metas. Depois de 30 dias que eles se adequam na casa, eles escrevem as normas de moradia, ai a gente conhece as dificuldades deles, psíquica e emocional, e de saúde. Sabemos que eles estão aptos a escrever bastante e entrar nas metas, porque vai puxar pelo psicológico, né? O emocional vai ser balançado, essas coisas todas. Então, eles recebem uma meta. Primeira meta, ele passa a semana todinha, segunda a quinta. Quinta-feira ele entrega o caderno de metas dele. A meta dele vai dizer exatamente o que ele não deve fazer durante a semana. Então, a avaliação das metas é toda sexta-feira, que dura, às vezes, da manhã até as duas da tarde, e é em cima daquilo. Tem uma cadeira giratória que fica no meio do salão. Digamos que estamos aqui em 15 pessoas e eu vou ser a primeira avaliada, aí eu sento naquela cadeira, observada pela psicóloga que acompanha, o terapeuta, o conselheiro e o coordenador e o resto do grupo. Aí o coordenador pergunta: fulano, você se avalia? Aí ele vai rodando, e olhando para os companheiros, aí um faz isso (balançando com a cabeça, assentindo ou não) e outro faz aquilo, porque o camarada fez, conversou, revelou ao companheiro coisas que não estavam na meta, que ele não podia fazer. Cometeu atos que não poderia cometer, e o companheiro o alertou. Muitos dizem: não dá nada, não. Só que aqui dentro dá, sim. Não é juiz e cadeia, não, que leva droga e não dá nada. Aqui dá. Porque nós estamos trabalhando com o ser humano, mudando os defeitos de caráter dele. Quando eles se voltam ao conselheiro ou pra psicóloga, ele diz, eu me reprovo. Ele mesmo se auto-avalia. Eu me reprovo. Porque os outros já emitem um pequeno gesto, ninguém fala. Um pequeno gesto aí o grupo terapeuta pergunta de um por um porque que o fulano se reprova. Aí alguém vai dizer por que fez isso e isso. Ele já tá com a meta lá, vai só assinalando. Nós já sabemos, mas eles que têm que fazer isso, é um tratamento de grupo.

Carlos Araújo – Identificada essa falha, qual é a providência a ser adotada?

Dona Quinha - Fazer na próxima semana a mesma meta. Aí ele cumpre que é uma beleza. Por quê? Porque teve limite. Trabalhar com dependentes químicos é ter muito amor, mas é impor limites. Você não pode se privar, como um terapeuta, de dizer que ele está errado. Porque se não, você não vai ajudar. Tem gente que diz: ah, deixa o cara se ferrar! Tem clínica que deixa o cara. Não é assim, não. Nós estamos aqui para ajudá-los.

Carlos Araújo – Essa equipe de psicólogo e terapeuta que tem aqui, são voluntários ou eles são cedidos por alguma instituição?

Dona Quinha - Aqui, só quem é voluntário é o Francisco Gaston, que é o meu filho. Ele tem o escritório de advocacia dele, aqui do lado, e ele dá o feedback de tudo aqui dentro. E ele é formado em Direito pela Uniron e está ajudando como monitor o trabalho de tratamento em dependência química na Fatec. Ele é o coordenador do programa. Aí ele vai se formar também nessa área.

Carlos Araújo – E ele não teve mais problema de recaída?

Dona Quinha - Não, graças a Deus. Ele é presbítero de uma igreja. Ele ajuda a igreja dele. Agora, mesmo, eles vão para Cacoal, e ele vai ter 3 horas pra apresentar um trabalho sobre drogas para os jovens. Ele usa o próprio exemplo para ajudar os outros. Ele fez a monografia dele sobre o antes e o depois da vida dele como dependente químico.
Carlos Araújo – Eles têm liberdade para entrar e para sair. A senhora não tem problemas, por exemplo, deles tentarem trazer droga para cá?

Dona Quinha - Não.

Aqui nós temos dificuldades de todas as ordens. Só não nos falta coragem para lutar

Carlos Araújo – Quem está internado tem que seguir o regimento?

Dona Quinha – Tanto o interno, quanto a família vem. E temos também alguns moradores de rua, porque, quando tem vaga, nós temos sempre 5 carentes. Foi o meu propósito com Deus, no dia que eu fiz a proposta de manter essa casa. E eu cumpro até hoje... É, uma cota que eu tenho para o social.

Carlos Araújo – Como a senhora faz para obter ajuda para manter esses que são recolhidos das ruas?

Dona Quinha – O máximo que eu faço é ligar para ti, ligar para um amigo: fulano, tu podes me dá 6 sabonetes, tu podes me dá 3 cuecas, tu podes... Porque ele vai ficar aqui tão lindo, quanto o filho dos ricos, entendeu? Essa é a nossa proposta. Quando nós pegamos eles nas ruas, ele não tem documento, não sabe nem se lembra mais cadê a família, nem nada, a gente leva na Delegacia de Polícia, o delegado registra, nós trazemos o documento, se acontecer alguma coisa com o cara, nós vamos estar amparados de que ele era morador de rua. Está juridicamente amparado. À vezes ele vai se lembrando, e a gente descobre uma família maravilhosa, entendeu? E, às vezes, os internos que mais terminam o programa são os moradores de rua.

Carlos Araújo – A senhora consegue mensurar qual é o percentual da taxa de recuperação das pessoas que já passaram por aqui?

Dona Quinha – Olha, eram 30%. Mas depois desse ‘crack’ baixou para uns 13%.

Carlos Araújo – A senhora disse que a entidade foi fundada nos anos 90. Naquele tempo era mais normal maconha, mas aí, já nos anos 90, começou a questão da pasta de cocaína, da mela?

Dona Quinha – Olha, quando eu conheci o mundo das drogas, eu digo assim, porque eu me envolvi, eu ia nas bocas buscar os meus filhos, eu atirava de revólver 38 nas bocas, a pé, para resgatar os meus filhos, arrancar de lá, eu fui uma louca. E, continuo sendo uma louca pelos meus filhos, é claro. E, por todos que são meus filhos, porque nós não temos, não é porque eu pari que eu sou mãe, nós somos mães de todos e pai, não é verdade? Então, o que aconteceu. Naquele tempo já existia a mela. A mela era o ponto alvo daquele tempo, era a mela e a maconha. A cocaína que era mais cara...
Carlos Araújo – Coisa mais de rico, coisa mais refinada...

Dona Quinha – Mais refinada, hoje não tem muito... hoje é o crack.

Carlos Araújo – Hoje a maioria dos internos aqui chegam com problema de dependência do crack ou cocaína?

Dona Quinha – Olha, agora é dependência cruzada.

Carlos Araújo – O que é dependência cruzada?

Dona Quinha – Álcool, cocaína, mela, tudo...

Carlos Araújo – A senhora já teve aqui interno que teve problema só com maconha ou não?
Dona Quinha – Dificilmente. Um ou dois em milhões. Agora uma coisa eu vou te falar, eu estava lendo esses dias sobre a química da mela é bem parecida com a pedra. Ela já levava ao crack. O crack é muito parecido.

Carlos Araújo – Na verdade, ele leva ao vício mais rápido?

Dona Quinha – Ele vicia mais rápido. O crack tem o aditivo que apaixona. É a paixão, é a tal da química.

Carlos Araújo – A senhora já está a tanto tempo trabalhando nessa lida da recuperação de dependentes químicos, como é que a senhora vê, hoje em dia, essas discussões para liberação das drogas e até a liberação das drogas em alguns países como o Uruguai que liberou a maconha, alguns estados dos Estados Unidos que estão liberando a maconha de forma ampla e geral? Como é que vê isso? Qual a sua opinião?

Dona Quinha – Olha, ontem até estive conversando com uma amiga que foi num congresso lá fora. Eu me sinto um peixe fora d’água. Eu me sinto impotente e envergonhada de ser brasileira e de ser um ser humano. Quem aprova e prega isso não sabe o que é ter um filho drogado. As pessoas não pensam na dor de uma mãe, na dor de uma esposa. Porque, às vezes quando um homem casado cai nessa esparrela a esposa é quem sofre, E muitas vezes a esposa faz o que? Arruma a trouxa e vai embora. E o filho volta para onde? Para casa da mamãe. É bem assim em 70 ou 80% dos casos. Então, quem defende a liberação das drogas não têm nem noção do que é isso, eles estão tudo ‘viajando na maionese’. Eu diria que eles estão pior do que os dependentes de drogas. Essas autoridades não têm noção do que eles vão fazer. Liberar... gente o Brasil não tem cultura para liberação de droga. Vai virar um mundo de zumbi. Você vai fechar a porta porque você não aguenta ver passar um monte de zumbi na tua frente.

Carlos Araújo – Como acontece nas cracolândias hoje em dia?

Dona Quinha – Exatamente. Eu saio cinco e meia da manhã, agora depois dessa enchente para ver onde estão os dependentes de drogas. Você não imagina ali naquela ‘anaconda’, ali perto da Alfa, pela rua detrás, experimenta ir cinco da manhã. Meu irmão, é um filme de terror, sem televisão. Tu visualizas um filme de terror. São coisas assim que você não mensura na sua vida que possa existir. Agora as autoridades visitam?. Eu nunca recebi uma visita de autoridade aqui na Apatox em 23 anos, com exceção desta vez que veio aqui o governador Confúcio, como já relatei. Pergunte se o Ministério Público algum dia veio aqui.

Carlos Araújo – E só uma vez também? Depois não vieram mais assessores?

Dona Quinha – Só uma vez também. Depois não vaio mais ninguém. Eu mandei agradecer pelo o que eles fizeram. Agora, sobre legalização ou liberação das drogas, o que a sociedade vai ter de vantagem? Nada. Ela vai ter simplesmente uma desvantagem que é não ter vida própria. Nós não temos condições de aceitar a liberação das drogas.

Carlos Araújo – Nem da maconha?

Dona Quinha – Nem da maconha. A maconha é a porta de entrada. De cinco mil e tantos dependentes de drogas que já passaram aqui por essa casa, todos começaram pela maconha. A maconha e o álcool são as portas de entrada para qualquer dependente químico.

Carlos Araújo – A senhora está exatamente tocando nessa questão do álcool que muita gente não considera droga. A senhora acha que deveria ser dado ao álcool, ou às chamadas drogas lícitas, o mesmo tratamento que é dado para as outras drogas, as não lícitas?

Dona Quinha – Olha, trabalhar com dependente de álcool, é mais difícil do que com outras drogas.
Carlos Araújo – Mesmo as mais pesadas?

Dona Quinha – Mesmo as mais pesadas. Por quê? Porque eles acham que param quando quiser. Eles se enganam. E outra coisa: aqui, quando chega um interno alucinado, é do álcool.

Carlos Araújo – A senhora recebe também aqui dependente só de álcool?

Dona Quinha – Também, só de álcool muitos. E eles dão muito trabalho.

Carlos Araújo – Mais trabalho do que os dependentes de crack, por exemplo?

Dona Quinha – Mais trabalho. Porque o crack provoca o pavor. A alucinação do crack é dolorosa para o usuário. Você não imagina o que eles veem. O que eles são capazes de fazer, sem ter noção do que estão fazendo. Eles são capazes de derrubarem uma casa e não sentirem nenhum machucado. E o álcool, você sabe que o camarada bebe, vira a perna pra lá, cai em qualquer lugar, dorme e depois levanta, toma um banho, a família dá um caldo, uma coisa que todo mundo é como coitado, é social, não tem problema, e ele volta de novo. Gente, eu conheci o alcoolismo quando eu tinha 20 anos, quando eu me casei. Meu esposo era um alcóolatra, tenho certeza. Agora, ‘ah eu bebo social’, não existe isso, quando eu vejo aquelas mulheres no bar bebendo, e ao voltar para casa e falar com o filhinho, para dar um coice, para dar um puxão de orelha é amor zero. Porque é assim que elas se comportam, é assim que é o comportamento de um dependente de álcool. Meu irmão, onde é que estão as famílias? Cadê a nossa hierarquia familiar? Pare para pensar, cadê? Você vê algum valor familiar hoje em dia?

Carlos Araújo – É, a instituição família tem se deteriorado.

Dona Quinha – Muito, muito. Você vá ali na praça do Cláudio Coutinho à noite, aquelas meninas lindas, aqueles meninos com aqueles brincos horríveis, com o nariz enfiado um ferro. A língua cheia de piercing, aquelas meninas tudo bebendo, fumando. Todo mundo já numa cheiradinha. Gente, cadê os pais? Eu converso com esses pais. Às vezes me meto aonde não devo, até sou repreendida depois, mas eu preciso conhecer o que eu faço, eu tenho sede de conhecer mais e mais. Agora, ninguém procura a gente para conhecer, um colégio não chama a gente para fazer uma palestra, um colégio não chama a gente para dar uma aula sobre drogas. Não existe, isso não é visto. O mundo faz como o grande Rei fazia. É a história do Rei que meu pai contava. O reinado estava coberto de cinzas e saco. Todo mundo miseravelmente morrendo de fome, mas o rei que morava no sobrado, comia um bode, dois bodes, um carneiro. Depois que comia, saía na janela de barriga cheia e dizia: o meu reino está todo de barriga cheia. Assim nós estamos no mundo. Todo mundo majorado, as famílias todas sofrendo, 70% das famílias tem um problema, mas todo mundo está caladinho, prefere fazer de conta que está tudo bem.

Carlos Araújo – Hoje está muita na moda a palavra polícias pública para incentivar a liberação da homossexualidade, uma exacerbação da liberdade. A senhora acha que isso contribui para a desagregação familiar e para a criação desse quadro que a senhora citou ainda pouco da calçada da fama, por exemplo?

Dona Quinha - Isso já é o caminho. Ontem, a minha amiga que foi em desses Congressos, me ligou e disse: Francisca eu voltei do congresso muito desmotivada. Ela é católica, muito católica.

Carlos Araújo – A senhora é católica também?

Dona Quinha - Eu sou cristã. Conclusão, ela disse que lá saiu a palavras livres de que a partir do ano que vem não vai ter mais feminino nem masculino nos registros, porque a justiça vê que quem procura a sua genética é o ser humano. Ninguém tem o direito de, só porque o menino nasceu com o órgão masculino, botar lá masculino. Você algum dia ouviu falar disso? Pois estão fazendo esse projeto no Brasil.

Carlos Araújo – O que a senhora acha disso?

Dona Quinha - Isso é terrível, isso não existe. Quando nasce uma criança e o médico dá uma palmadinha - isso desde os tempos das parteiras - diz: é macho, é fêmea. Gente, que isso? Olha, uma coisa que eu digo e meus filhos não gostam muito que eu fale, mas eu falo porque eu sou cidadã, vacinada, com 72 anos de idade. Estou apavorada, eu tenho medo do amanhã, do que possa vir a acontecer com os meus bisnetos, porque meus netos já estão no mundo. Mas, a mídia está acabando com o Brasil, com o mundo. Se você vê o que uma criança de 12 anos puxa num celular, você não acredita. Um adolescente não pega um celular para procurar uma história de vida, uma rede de informação religiosa, como uma família saiu da crise, como eu consigo o meu primeiro emprego. Não, ela procura sexo, indecência. Brincadeiras de mau gosto. Subsídios alimentares que os deixem com peito grande, aonde é que eu vou tomar um hormônio para crescer isso ou crescer aquilo, é isso. Não existe fundamento. O mundo, a mídia não dá fundamento e nem maneira da pessoa sobrevive decente. Como é que a gente vai fazer, me responda? Se o mundo hoje é tudo na mídia?

Carlos Araújo – É o mundo virtual né?

Dona Quinha - Um mundo virtual. Isso me preocupa muito. E sobre a Apatox, meu querido, eu estou até também em nome das outras entidades como a Apae, a Pestalozi, a Família Roseta, Refúgio Canaã, que são pessoas que estão há vinte e tantos anos fazendo social e totalmente cadastrados em todos os órgãos que é possível. Nós estávamos há mais de dois anos sobrevivendo financeiramente pelas varas criminais, recebendo alvarás. Primeira Vara, Segunda Vara, Terceira Vara.

Carlos Araújo – Isso reflete em recurso financeiro?

Dona Quinha - Recurso financeiro, manutenção. Olha, no ano passado as varas foram tão maravilhosas com a Apatox. Em 2013 nós pagamos a luz e a água normais, quando foi em janeiro paguei a última conta de água e de luz. Aí não saiu mais nada pelas Varas Criminais, foi minguando. E agora recebemos a notícia, só em palavras não em documento, porque eu ligo todas as sextas-feiras para as Varas Criminais, eu me dou muito bem com todas as chefes dos Cartórios das Varas, são pessoas maravilhosas. Então, toda sexta eu ligo para Primeira, Segunda, Terceira para saber se tem algum recurso disponível e, de janeiro para cá não saiu mais nada. E agora elas nos deram agora a notícia de os recursos estão sendo destinados à Vepema. Foi suspensa a ajuda as entidades.

Carlos Araújo – A Vepema é a vara de execuções de penas alternativas?

Dona Quinha – É, comandada pelo doutor Sérgio William. Agora o que a gente vai fazer? Tem que fazer um pedido, tem que fazer um projeto pra poder receber ajuda.


Carlos Araújo – A senhora já chegou a conversar com o doutor Sérgio Wiliam, que é um juiz muito sensível a essas questões?

Dona Quinha – Ele é maravilhoso, mas está de licença, foi nessa mesma época que saiu a notícia, um mês atrás. Mas já falei com a Bianca, que é a secretária dele. Ela me ensinou como é que eu devo fazer, que até em 30 dias essa ajuda sai.

Carlos Araújo – Para seu sustento familiar, a senhora ainda tem um pouquinho do patrimônio de alguns imóveis alugados que a senhora tem?

Dona Quinha - Tudo o que eu e meu esposo construímos, com todas as dificuldades. Depois que ele morreu, eu só botei para frente. Não vendi nada, essa padaria da esquina é minha, o prédio é alugado, o rapaz é muito bacana.

Carlos Araújo – A senhora ainda tira um pouco do seu pessoal para ajudar a Apatox?

Dona Quinha - Muito. No mês passado foram oitocentos e vinte e cinco reais que eu comprei de fiado na padaria para manter a instituição.

Carlos Araújo – Qual é a sua despesa mensal aqui para pagar os terapeutas, psicólogos?

Dona Quinha - Olha, só com esses profissionais a despesa é de cinco mil... quase seis mil reais. Terapeuta, dois conselheiros, que é um das oito da manhã às seis da tarde e outro das seis da tarde às oito da manhã, uma psicóloga, e uma cozinheira.

Carlos Araújo – E aí tem a alimentação também né?

Dona Quinha - É. Nossa despesa daqui dá 17 mil.

Carlos Araújo – E as famílias dos internos contribuem muito?

Dona Quinha – Os que podem contribuem. Alguns contribuem até com um salário mínimo. Agora, nós temos quatro contribuindo com salário mínimo, e uns dez ajudam com trezentos, outros ajudam com duzentos. E ainda temos cinco carentes, para os quais não recebemos nenhuma ajuda.

Carlos Araújo – Esses aí não tem ajuda nenhuma? A Apatox banca?

Dona Quinha – Não. A apatox banca. Mas aí vem o problema. Por exemplo, hoje entram 300 reais do ‘Pedro’, digamos assim, aí vou ali no mercado, compro os 300 reais de coisas, acabou. A cozinha amanhã já acabou. Como é que eu vou juntar para pagar água e luz, me responda? Fica difícil, não fica? É isso que é o problema. O que a Apatox precisava? De um mantenedor, diário, mensal, de um valor X, que pudéssemos contar com aquele dinheiro para pagar água, luz. A nossa água e a nossa luz dá dois mil e poucos reais. Janeiro está pago, como eu lhe falei. Fevereiro, olha quanto dá nossa conta (mostrando o talão da conta de luz) e água, dois mil e tantos reais.

Carlos Araújo – Só de fevereiro?

Dona Quinha – Só de fevereiro, a luz e a água. A de março já veio menos, porque varia. Então, como é que nós fazemos? Nós temos o que? Amigos. Eu tenho aqui a minha agenda de primeiros socorros, como que eu a chamo. Que é o professor Elarrat, o Antônio Medeiros, o doutor Arsênio Ramalho, que quando pode ajuda com 300 reais, com 250, Elarrat sempre ajuda com 500. É isso que eu junto para pagar a luz e a água.

Carlos Araújo – Qual é a mensagem da senhora para as famílias de Rondônia?

Dona Quinha - Minha mensagem é que ninguém desista do seu filho, se ele for um drogado. Porque sem nós, a vida deles torna-se mais difícil. Que lutem. Que as famílias lutem. Essa é uma doença, o mal do século. Nós sabemos que é uma doença que assola a todos, e que só nós, com o nosso amor, com a nossa compreensão, não vamos ser facilitadores, porque muitas vezes nós somos facilitadores, procurem ajuda do ‘amores exigente’. Que as famílias procurem aqui no São Cristóvão o grupo terapêutico para famílias, chama-se ‘amor exigente’. Grupo maravilhoso, aonde nós aprendemos a sair da co-dependência. Porque nós somos co-dependentes dos nossos filhos, nos tornamos reféns. Os pais tornam-se reféns dos filhos. ‘Ah porque se eu não deixar o bichinho, o bichinho vai...’. Não deve ser assim. Vamos chamar por limite, é assim, assim e assim. Eu não vou te abandonar, mas não vou viver a tua vida. Eu preciso dormir a noite inteira. Então, você não fica tocando minha campainha, não fica quebrando porta, o que você quer? É isso? Então, tome, me deixe dormir a noite toda. Que amanhã eu vou trabalhar. Viva a sua vida e deixe eu viver a minha, porque assim você vai dando limites e ele vai sofrendo as conseqüências e vai chegar ao ponto: papai o senhor tem razão, eu to sendo um traste na vida de vocês, a minha irmã já não me olha mais, o meu irmão já não conversa comigo, eu já não como mais com vocês à mesa porque eu não chego nos horários. Na hora que eu chego vocês já estão acordando, eu to me sentindo inútil, eu quero mudar, o senhor me ajuda? Essa é a grande meta. Você tem que dar amor e limite para o seu filho drogado, mas não abandoná-lo. Que se abandonar, aí meu irmão, será muito mais grave.

Carlos Araújo – Obrigado pela entrevista...