Nem tudo que reluz é ouro

O que é a Justiça? Prêmio ao merecimento e castigo ao malfeito. Parece simples, mas não é.

Por Dante Ribeiro da Fonseca (*)
Publicada em 19 de junho de 2017 às 08:52
Nem tudo que reluz é ouro

Dante Ribeiro da Fonseca é colaborador do jornal eletrônico Gente de Opinião e do jornal Alto Madeira. É professor de História formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e reside em Porto Velho há 32 anos. Foi professor do Carmela Dutra e nos últimos 30 anos exerce o magistério no Departamento de História da UNIR. Possui o título de Doutor em Ciências: Desenvolvimento Sócioambiental pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). É sócio efetivo da Academia de Letras de Rondônia (ACLER), do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia (IHGR) e sócio correspondente do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA). Possui diversos trabalhos publicados entre livros, participação em obras, coautorias e artigos em revistas acadêmicas dos quais destaca: “Estudos de História da Amazônia”, volumes I e II e “Rondônia sua História e sua Gente”. CONTATO:[email protected]

A visão é um dos mais maravilhosos sentidos, pois permite a percepção das formas, cores e movimentos da natureza através do olho. Já a operação que torna a visão um fenômeno cognitivo necessita do uso da razão. Essa capacidade humana de ser racional produz abstrações, que não são objetos reais, mas produtos das relações do real.  Assim, dizemos: “a Justiça é cega”, introduzindo aqui uma abstração, a Justiça, cujas alegorias expressam as ideias que os homens dela fazem.

O que é a Justiça? Prêmio ao merecimento e castigo ao malfeito. Parece simples, mas não é. Poderíamos parafrasear Cecília Meireles, que em belo poema definiu (ou indefiniu) a liberdade. Justiça seria então: [...] essa palavra, que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique, e não há ninguém que não a entenda (Romanceiro da Inconfidência).

Utilizando uma linguagem analógica, os juízes e legisladores deveriam tornar concreto aquilo que é abstrato. Como “a beleza só está nos olhos de quem a vê”, o produto dessa ação cognitiva pode ser belo apenas se os olhos de quem a busca pretendam a beleza, nesse caso a Justiça. Do contrário, o resultado pode agredir nosso senso estético, epistemológico e cívico. Nem tudo que reluz é ouro, assim como nem todo veredito é a palavra da Justiça, pode ser antes um maledictum (maldição).

Não vemos a Justiça quando juízes e legisladores tornam-se despachantes de interesses particulares. Quando se vende uma lei ao seu interessado ou quando se paga uma nomeação com um maledictum. Quando antes mesmo do julgamento, sabemos não somente o seu resultado, mas o voto de cada um daqueles que julgam. Quando o “castigo” para uns é o “prêmio” para outros. Quando se fatia artigos da constituição para facilitar um pronunciamento favorável a esse ou aquele. Quando se impede a manifestação das provas para inocentar ou culpabilizar o réu. Sabemos que nesses casos o resultado foi o oposto da Justiça.

Propomos então nova alegoria, para representar esse leviatã. Arrojemos ao chão a balança e também a espada. Será o gládio sempre inútil quando ceder aos ilegítimos interesses daqueles com quem ela tenta conviver em secreto conúbio adúltero. Também a balança, já que com os olhos desmesuradamente abertos terá a possibilidade de colocar pesos desiguais segundo aquele que se julga ou sobre o qual se legisla. A alegoria da Injustiça, com os braços livres da espada e da balança, significa que poderá ao seu bel prazer utilizá-los. Poderá, com os braços livres, tapar os ouvidos às provas e dar nova serventia à desprezada venda, transformando a em mordaça quando as provas não quiserem calar. Poderá ainda utilizá-los para golpear com a espada tirânica do castigo àqueles que demandam contra seus amantes.

Sugiro que à porta das casas legislativas e dos tribunais sejam colocadas as alegorias da Justiça e da Injustiça lado a lado, como a lembrar constantemente a todos que naquelas casas os dois fenômenos podem ser produzidos, afinal de contas o preço da igualdade é a eterna vigilância.

Apesar de toda essa miséria, termino declarando minha certeza que a Justiça vencerá. Assim, a certeza da Impunidade, filha primogênita da Injustiça, já não devia ser tão forte entre os cultores dessa última. Afinal de contas, minha certeza dessa vitória encontra lastro no fato de que hoje no Brasil a espada da Justiça mantém-se erguida também sobre a cabeça daqueles poderosos que transgridam seus princípios. Quem sabe mais um pouco e ela terá os olhos vazados para não ver aquilo que a aliena deformando-a?

(*) Professor, Doutor, do Departamento de História da UNIR; escritor, historiador, membro da Academia de Letras de Rondônia

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