Um olhar sobre a depressão e o desejo na Psicanálise

Por CarlosTerceiro

Publicada em 06 de April de 2016 às 19:51:00

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo geral analisar e discutir em que princípio a depressão tem a ver com o desejo. Parte-se do pressuposto que por meio da psicanálise, mais precisamente do discurso do analista, pode-se resgatar algo da ordem do desejo, na medida em que, estando o objeto no lugar de agente, o sujeito é instigado a falar e a produzir diversos discursos significantes.

A pesquisa demonstra, ainda, que a articulação da psicanálise e desejo, bem como a contribuição do discurso do analista, são fatores preponderantes, que devem ser levados em consideração no processo de recuperação do sujeito deprimido na atualidade. O método de trabalho utilizado neste estudo foi uma revisão bibliográfica.

Pretende-se, com esta pesquisa, aprimorar os estudos sobre o tema e, consequentemente, enfatizar que a “medicalização” da depressão nem sempre é eficaz, no que diz respeito aos “sujeitos deprimidos”, na medida em que se trata de uma promessa ilusória de retorno a um estado de “felicidade absoluta”, ou seja, em que nada falta.

Palavras-Chaves: Psicanálise, Discurso, Analista, Depressão, Sujeito, Desejo, Recuperação.

 ABSTRACT

The present study aims to describe analyze and discuss in principle that depression has to do with desire. Breaks, the assumption that through psychoanalysis, specifically the discourse of the analyst, can redeem something on the order of desire, in that, being the object in place of agent, the subject is urged to speak and to produce several significant speeches.

The research also shows that linking psychoanalysis and desire as well as the contribution of the discourse of the analyst who is preponderant factors should be considered in the process of recovery of depressed subject nowadays.

The working method used in this study was a literature review.

The intention of this research, improves the studies on the subject, and hence to emphasize that the “medicalization” depression is misleading with respect to the “depressed subjects,” in that it is a specious promise return to a state of “bliss”, ie , lacking in nothing.

Key-words: Psychoanalysis, Speech, Analyst, Depression, Subject, Desire, Recovery.

INTRODUÇÃO

Atualmente a depressão, em suas múltiplas expressões e manifestações de dor e sofrimento, tem-se apresentado na sociedade como um grande problema a ser investigado pelos estudiosos, principalmente porque afeta a integridade física, emocional e o papel social do indivíduo.

Na coletividade, esta doença constitui-se em um grave problema de saúde pública, principalmente nas mulheres, sendo motivo, portanto, de preocupação para os profissionais do campo da saúde mental em geral e da terapia ocupacional em particular na sociedade.

Embora a literatura reconheça de modo unânime que o fenômeno da depressão é indissociável da experiência de vida do sujeito e das formas em que ocorre a sua inserção na cultura e na sociedade, nas múltiplas respostas apresentadas pela ciência ao problema predominam aquelas fragmentadas em disciplinas. Isso porque ainda não existe na contemporaneidade uma resposta precisa da ciência, que busque caracterizar os motivos do surgimento desta doença nos indivíduos.

Segundo os autores Daniel & Souza (2006) enquanto a depressão na psiquiatria está atrelada à farmacologia e possui como paradigma de intervenção o uso de medicamentos, na psicanálise o tratamento é pautado no uso de um trabalho terapêutico baseado na fala do sujeito que se configura.

Nesta perspectiva, a psiquiatria concebida como o saber-poder médico que visa à saúde do sujeito, concebe o sofrimento, justamente pela ética que visa, como um desvio, como algo fora do padrão de normalidade exigido pelo homem-saudável, como aquilo que deve ser tratado, como doença.

É importante destacar que nesse processo há uma espécie de dualidade entre o homem que a princípio se encontra saudável, e a “coisa” que causa o sofrimento, que o desequilibra, que altera o nível dos neurotransmissores em seu cérebro, independentemente do sujeito, abrindo, com isso, o espaço para a possibilidade de tratamento pela via farmacológica.

Nesse sentido, nota-se que essa visão médica e biológica do sofrimento humano é muito criticada por não levar em conta os fatores sociais que agem tanto como produtores de subjetividade, como produtores de sofrimento e aqui a psicanálise, foco do objeto de nosso estudo, nos ensina que não há uma produção de subjetividade separada da produção do sofrimento, mas sim uma relação dialética entre os termos, que concebe a subjetividade como ela mesma, um sintoma da apropriação da linguagem, e o sofrimento como a condição da emergência da subjetividade, ela mesma; mas isso é uma outra questão, que não será abordada aqui. Assim, o lugar da subjetividade, da história de vida e dos fatores sociais acaba caindo no esquecimento. (DANIEL & SOUZA, 2006)

Segundo o autor Barbosa (2008) o importante para se conceber a visão farmacológica da psiquiatria, no que diz respeito ao tratamento, é lembrar sempre que os médicos fazem parte de uma sociedade regulada pela ordem da produção, da fluidez, e principalmente da rapidez.

Assim, uma intervenção pontual, pautada na receita de um psicofármaco cai como uma luva para uma sociedade que demanda atendimentos cada vez mais rápidos e eficazes e em curto prazo.

Como apontam os autores Tavares e Hashimoto (2010), os discursos predominantes sobre a depressão refletem sempre na sociedade um ideal de saúde que obedece a uma lógica consumista e mercadológica, típica da modernidade. Assim, não só os pacientes, invadidos pela mercantilização que infiltrou todas as experiências humanas, querem respostas rápidas para abrandar-se o sofrimento e voltar à rotina incessante de produção, como o discurso médico também está imerso nesta lógica mercantil e consumista.

Sendo assim, diante da demanda da sociedade e das relações estabelecidas a partir de tais exigências, o diagnóstico da depressão se transformou no refúgio daqueles que sofrem, haja vista que “há um estreito vínculo entre o excesso de diagnósticos de depressão, a necessidade de medicamentos e a identificação do sujeito ao diagnóstico concedido”. (BARBOSA, 2008)

Portanto, é muito mais adequado identificar com um diagnóstico de depressão, comum a tantos outros, do que pôr à frente da complexidade social que está por trás daquilo que causa o sofrimento. Isso faz parte também do esquecimento do sujeito, do olvido da sua singularidade, trazendo à tona uma homogeneização de subjetividades, tendo em vista que é mais conveniente silenciar aquilo que causa o sofrimento, aceitando uma identidade que não singulariza, mas que compartilha com todos os outros, como cúmplices de um sofrimento coletivo, do que não se responsabilizar.

Convém lembrar que como o diagnóstico da psiquiatria está atrelado a uma concepção biologizante do homem, o sujeito contemporâneo não possui mais o direito de se apropriar de outros modos discursivos que poderiam levá-lo a alterar o seu estado de sofrimento, haja vista que não há mais comprometimento subjetivo com aquilo que se incomoda.

Diante do exposto, é perceptível a importância do presente estudo sobre a depressão e o desejo na psicanálise, haja vista a importância do discurso do psicanalista no processo de recuperação do sujeito deprimido.

A pesquisa teve como objetivo geral analisar e discutir em que princípio a depressão tem a ver com o desejo. O método de trabalho utilizado neste trabalho foi uma revisão bibliográfica.

Esta dissertação está organizada em dois capítulos: o primeiro capítulo faz-se uma discussão conceitual sobre a depressão, suas causas e consequências, bem como o discurso da psicanálise e da psiquiatria sobre esta doença. E o segundo busca estabelecer a relação entre a depressão e o desejo, destacando o papel e a importância do psicanalista na busca desse resgate do próprio “desejo” do sujeito.

CAPÍTULO 1 – A DEPRESSÃO NA PSICANÁLISE

1.1 Breves Considerações Sobre a Depressão

Discorrer na atualidade sobre a depressão é extremamente importante, haja vista que se trata de uma doença que tem assolado diversos indivíduos no Brasil, principalmente por apresentar alterações químicas no cérebro do sujeito deprimido, o que acarreta sérios problemas.

Por sua vez, a depressão é um distúrbio afetivo que acompanha a humanidade ao longo de sua História, tendo em vista que no sentido patológico dessa doença há presença de tristeza, pessimismo e baixa autoestima no indivíduo, que aparecem com frequência e podem combinar-se entre si, sendo, portanto, imprescindível o acompanhamento médico, tanto para o diagnóstico, quanto para o tratamento adequado.

Segundo o autor Orlando Coser (2003) embora o conceito de depressão seja de origem médica e não exista na nosologia freudiana uma categoria específica para compreendê-la, as descobertas trazidas pela investigação psicanalítica desses transtornos e a leitura precisa da obra de Freud nos fornecem um conjunto de distinções potencialmente importantes, que são capazes de permitir situar as bases mais consistentes desta doença, bem como os seus conceitos.

Nesse sentido, ao contrário do que normalmente se pensa na sociedade, os fatores psicológicos e sociais, muitas vezes, são consequência e não causa da depressão. Entretanto, é preciso considerar neste estudo que o estresse pode precipitar a depressão em pessoas com predisposição, que provavelmente é uma questão de genética.

Sendo assim, é preciso mencionar que a prevalência de número de casos da depressão em uma população é estimada em 19%, o que significa que aproximadamente uma em cada cinco pessoas no mundo apresenta o problema em algum momento de sua vida. (COSER, 2003)

Embora o autor Lacan (1999) reconheça a importância clínica da noção de posição depressiva e o avanço teórico que representa, ele compreende a depressão de forma muito diferente de alguns teóricos da atualidade, haja vista que para este autor a depressão não tem nenhuma atração no sentido do elogio kleiniano, pelo fenômeno depressivo. Assim, em seu estudo, este teórico se propõe destacar alguns comentários de fundamental importância para o esclarecimento dessa questão.

Já para o autor Luciano Elia (2000) toda e qualquer pesquisa em psicanálise é, necessariamente, uma pesquisa clínica, não apenas pelo fato de utilizar como campo um espaço terapêutico, que pode ser o consultório, o ambulatório ou o hospital, mas principalmente por envolver no processo diversas variáveis que são importantes para o estudo da psicanálise.

Nesta perspectiva, o autor acima afirma que o campo de pesquisa, no contexto da psicanálise é o inconsciente, mais propriamente, o sujeito do inconsciente, assim o autor aponta que “a clínica psicanalítica, como forma de acesso ao sujeito do inconsciente, é sempre o campo da pesquisa”. (ELIA, 2000).

É importante destacar que a depressão revelou-se atualmente na sociedade como um fenômeno clínico, que aponta para uma estrutura, neurose ou psicose. Assim, se a psiquiatria responde, na maioria das vezes, com o medicamento que visa amenizar a dor com “um comprimido para o deprimido”, a psicanálise, por sua vez, abre a possibilidade do sujeito remediar o próprio sofrimento com a palavra, de modo que possa se sentir melhor.

Cabe ressaltar que a depressão não se desenvolve apenas em jovens. Na velhice, por exemplo, ela representa um momento peculiar importante a ser estudado, principalmente porque as perdas neste período aparecem de forma mais frequente, o que requer a elaboração de um trabalho de luto. Isso ocorre porque se tratam de perdas sucessivas e variadas em relação ao corpo físico: sofrimento moral, morte de um ente querido, marido ou esposa, filhos, sendo que nesse contexto nem sempre o sujeito consegue elaborar lutos, razão pela qual a depressão parece ser cada vez mais comum nos idosos. (SIQUEIRA, 2006)

Em seus estudos a autora Ângela Mucida (2004) afirma que, embora seja possível encontrar na obra de Freud algumas contra-indicações da psicanálise para o idoso, deve-se considerar que estas foram articuladas em um determinado contexto teórico-clínico do autor, haja vista que em vários momentos de sua obra, Freud convoca constantemente o analista a desenvolver paulatinamente o dispositivo clínico por ele criado.

Nesse sentido, nota-se que na afirmação Freudiana as contra-indicações referentes aos idosos não são aplicáveis em todos os casos, principalmente por que a terapia psicanalítica tem algumas limitações, entre elas a exigência de um certo grau de maturidade e compreensão, tendo em vista que não seria, portanto, adequada a jovens ou adultos mentalmente débeis ou incultos.

Segundo a autora Erica Siqueira (2006) para Freud (1898) a terapia psicanalítica “fracassa com pessoas idosas, porque o tratamento tomaria tanto tempo, devido à acumulação de material, que ao fim elas teriam chegado a um período de vida em que nenhum valor atribui à saúde nervosa”. Isso por que Freud após incluir outras contra-indicações, conclui “[…] finalmente, o tratamento só é possível quando o paciente tem um estado psíquico normal a partir do qual o material patológico pode ser controlado”. (FREUD, 1898)

É importante ainda destacar que em seu texto “Sobre a Psicoterapia”, Freud (1905) afirma que a idade dos pacientes deve ser considerada quando da indicação para o tratamento psicanalítico, haja vista que em pessoas próximas ou acima dos cinquenta anos, não há mais a plasticidade dos processos anímicos de que depende este tipo de trabalho. Assim, as pessoas idosas não seriam mais educáveis e, além disso, o material a ser elaborado prolongaria indefinidamente a duração do tratamento contra a depressão.

Nesta perspectiva, Freud (1905) afirma que as “psicoses, os estados confusionais e a depressão” profundamente enraizada seriam impróprios para a psicanálise. Isso porque, segundo o pensamento deste teórico haveria uma impossibilidade absoluta, pois uma modificação apropriada do método poderia levar a superar a contra-indicação no caso das psicoses.

Conforme aponta a autora Erica Siqueira (2006) é preciso considerar que da mesma forma que em relação ao caso da psicose, Freud mostrou-se em sua obra bastante resistente na indicação da psicanálise para os idosos. Entretanto, em alguns momentos de seu estudo, parece repensar o assunto, como em seu texto “Sobre a Transitoriedade”, em que Freud (1916) observa que “a limitação da possibilidade de uma fruição eleva o valor dessa fruição”, referindo-se a uma flor que por durar apenas uma noite, não deixa de ser bela, haja vista que enquanto a transitoriedade diminui a beleza da flor para alguns indivíduos, para outros esta beleza é ainda mais contemplada.

Sendo assim, pode-se refletir que estando o sujeito mais em contato com a própria finitude, o suposto pouco tempo para trabalhar em uma análise pode ser talvez o elemento facilitador, haja vista o que Freud (1916) observa de forma poética, no texto acima mencionado.

Por meio da afirmação Freudiana, a autora Mucida (2004) destaca em seus estudos, que para alguns idosos, o limite do tempo para se definirem algumas posições subjetivas é fundamental, haja vista que provoca a emergência do tempo de compreender e de concluir, ou seja, pode-se usufruir ainda mais do curto período de uma análise. Assim, nesse caso, tendem a se defender menos, resistindo menos que outros adultos ao tratamento analítico.

Isto, porque se para a psicanálise há o sujeito do inconsciente e do desejo, logo, independente da idade cronológica, pode haver uma aposta em uma análise, haja vista que a tese principal de Mucida (2004) está justamente, pautada no estatuto do sujeito para a psicanálise.

Como apontam os teóricos Freud (1916) e Lacan (1999), o sujeito, referido ao inconsciente, não envelhece, assim como o desejo se caracteriza por seu caráter indestrutível e não dependente da idade, tendo em vista que a atemporalidade do inconsciente remete a um sujeito que não envelhece jamais.

Segundo a autora Erica Siqueira (2006) Freud (1915) afirma que no inconsciente, cada indivíduo está convencido de sua imortalidade, ou seja, o sujeito se comporta como se fosse imortal, haja vista que ele não acredita na própria morte. Para este autor é somente como espectadores que podemos imaginar algo em relação à nossa própria morte, pois no inconsciente, onde habita o nosso desejo, não há uma representação simbólica da morte, motivo pelo qual o sujeito crê e, muitas vezes, age como se fosse imortal.

Neste contexto, nota-se que ao levar em consideração o postulado psicanalítico do inconsciente, não há como falar em idade cronológica, da mesma forma que não há idade para o desejo, até porque enquanto houver desejo, há uma aposta em uma análise, pois o sujeito é o desejo, tal como o autor Lacan (1999) afirmava em sua teoria.

Segundo a autora Mucida (2004) há diferentes posições subjetivas que o idoso pode ocupar frente ao próprio desejo e a velhice, portanto, implicaria “um saber vestir esse desejo”. Isso porque, na maioria das vezes, a entrada na velhice implica uma ruptura com o desejo, haja vista ser marcada por aspectos puramente negativos, sendo a depressão uma possível “saída”, uma retirada estratégica para evitar o real em cena.

Para a autora acima, a velhice pode atualizar a problemática da castração a partir do luto do que já se foi e das diferentes perdas significativas, tendo em vista que a aposentadoria, por exemplo, pode significar uma perda de poder e prestígio e de laço social, podendo até mesmo ocasionar uma ferida narcísica grave no indivíduo. Assim, é preciso esclarecer que não há velhice sem luto, ou seja, a velhice implica poder realizar lutos.

Ao discutir sobre a “Sobre a Transitoriedade”, Freud (1916) indaga por que é tão penosa a retirada da libido dos objetos perdidos. Para este autor isso ocorre devido à libido se apegar a seus objetos e não renunciar àqueles que foram perdidos, mesmo quando um substituto já lhes acena. Ou seja, há uma grande dificuldade no abandono de uma posição libidinal, o que explica o tempo bastante variável para realizar um trabalho de luto.

Tais interferências a este respeito podem ser apreciadas nos estudos da autora Erica Siqueira (2006) que afirma:

As perdas advindas da velhice exigem, assim, um trabalho de luto, pois é um momento no qual os rearranjos que o sujeito realizou para enfrentar o real tendem a desmoronar, assim como muitos de seus ideais. Não podemos negar que, apesar da perda não ser um corolário da velhice, estas tornam-se mais frequentes a partir de certa idade – variável para cada um –, impondo elaborações para a construção de outros ideais. Nesse sentido, a depressão aparece como uma resposta possível ao trabalho inoperante do luto, devendo ser tomada sempre como singular, ou seja, em relação ao sujeito que se diz “deprimido” e ao que seus significantes apontam. (SIQUEIRA, 2006 p. 15).

Nesta ótica, nota-se que a depressão está cada vez mais atrelada na atualidade ao significante idoso, como se envelhecer ou tornar-se “velho” significasse necessariamente ficar deprimido. É importante ressaltar que este pensamento tem sido bastante difundido, fazendo com que as pessoas idosas acabem ficando duplamente excluídas da sociedade.

Contudo, é preciso observar que a depressão não se manifesta apenas nos idosos, já que muitos sujeitos entram na velhice quando ainda jovens, ao abrirem mão de seu desejo. Entretanto, é evidente, que a depressão tende a surgir, de forma mais decisiva, na velhice, devido ao acúmulo intenso de perdas, conforme já abordado anteriormente nesta dissertação.

Segundo a autora Erica Siqueira (2006) tanto o luto quanto a melancolia, na maioria das vezes, são “reações” diante de uma perda significativa, que pode ser de um ideal ou mesmo de uma “abstração”, como afirmava Freud. Isto, porque se o luto implica um trabalho de elaboração frente a uma perda significativa, não sendo, em princípio, patológico, na melancolia não há a possibilidade de simbolizar a perda, tratando-se de uma perda de natureza mais ideal.

Para a autora Erica Siqueira (2006) a melancolia pode ser caracterizada na atualidade como sendo:

Um desânimo profundamente penoso, cessação de interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição de toda a produtividade, e uma diminuição dos sentimentos de auto-estima – “sentimento de estima de si” – a ponto de encontrar expressão em se recriminar e em se degradar, culminando ainda numa expectativa delirante de punição. No luto, “a perturbação da estima de si” está ausente, assim como a expectativa delirante de punição. (SIQUEIRA, 2006 p. 20).

Sendo assim, percebe-se que a perda que se apresenta no luto diz respeito a uma perda objetal, já na melancolia esta perda transforma-se em uma perda relativa ao eu, como aponta Freud (1917): “no luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio eu”.

Nesse sentido, é notório que o paciente melancólico representa seu eu como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível. Já na melancolia, há uma identificação narcísica com o objeto, o que explicaria a tendência ao suicídio.

É importante ainda reiterar nesse estudo que na época em que Freud viveu, não havia um discurso na sociedade pautado em torno da depressão, como constatamos atualmente em nossa cultura. Isso porque as pessoas não viviam até os oitenta ou noventa anos como vivem hoje, e também porque a velhice em si não era uma questão tão discutida na época.

Por outro lado, cabe mencionar que o termo melancolia marcou uma forte presença no mundo grego, em Hipócrates e Aristóteles, e entre os autores clássicos da psiquiatria, haja vista que havia uma concepção romântica da melancolia, pois esta não era vista como uma doença, mas como a própria da natureza do ser. (SIQUEIRA, 2006)

No que tange a historicização da depressão, nota-se que este termo surgiu apenas mais tarde, com o advento da psiquiatria alemã, sendo concebida, portanto, como uma doença e até mesmo como o “mal do século”, tendo em vista que na nosologia psiquiátrica atual, a melancolia de antigamente cede lugar à depressão, diagnóstico que vem abarcando qualquer queixa de tristeza, na medida em que toda e qualquer tristeza no indivíduo toma ares de “depressão”, devendo ser devidamente tratada e medicada.

De acordo com a autora Erica Siqueira (2006) é justamente quando o sujeito se acovarda frente ao seu desejo, dele abrindo mão, que surge a depressão, tendo em vista que o “sujeito fica inibido, furtando-se ao próprio desejo e, consequentemente, a sua determinação inconsciente”. Portanto, a depressão seria uma reação do eu, que, “inchado”, recusa aquilo que vem do inconsciente, não querendo saber daquilo que o determina.

Segundo a autora acima, Freud (1917) afirma que a palavra inibição é utilizada quando há uma redução da função, o que ele contrapõe ao sintoma que, na verdade, acrescenta uma nova manifestação da função. Isso porque a inibição “seria, ainda, a expressão da restrição de uma função do “eu”, por meio da qual este evita entrar em conflito com o isso, ou seja, com algo que lhe escapa”.

Desta maneira, Siqueira (2006) afirma que o “eu” empobrece funcionalmente, mantendo, no entanto, a sua supremacia sobre o recalque, haja vista que na inibição, o sujeito se vê aterrorizado frente ao perigo que o antecipa – castração –, ficando “paralisado” diante disso, pois há uma tentativa de se antecipar frente ao perigo da castração.

Em seus estudos, o autor Freud (1926) nos fornece uma importante contribuição a respeito do conceito de depressão, afirmando que esta pode ser caracterizada como sendo:

A depressão é uma inibição generalizada, ou seja, “limitações das funções do eu, fugas – por precaução ou por empobrecimento de energia”. Podemos, portanto, associar a depressão à inibição, já que tanto a depressão quanto a inibição são gerados pelo eu – reações do eu. (FREUD, 1926 p. 24).

Comungando o pensamento de Freud, o autor Luciano Elia (2000) afirma em seus estudos que a depressão é um afeto que aparece no momento em que o “eu” evita a sua determinação inconsciente, razão pela qual Lacan (1974) assegura que a depressão é basicamente uma “covardia moral”, ou seja, é um afeto normal porque “ele reenvia ao fato de estrutura de que nos furtamos de bem dizer de nossa relação ao gozo – ao inverso do sintoma, novamente, que surge para dizê-la de alguma forma”.

Nesse sentido, pode-se dizer que a depressão é um afeto que aparece no momento em que o sujeito evita a sua própria determinação inconsciente, cedendo de seu desejo, abrindo mão dele e principalmente não querendo saber daquilo que o determina. Isso porque na depressão, o “eu” “para não correr o risco de se deparar com a castração, entristece, sendo a tristeza o afeto da depressão, qual seja, uma baixa de energia psíquica, que se deslibidiniza”. Assim, há uma perda da libido, que implica em perda de prazer, de investimento libidinal que é marcado pela disjunção entre o sujeito e o prazer da libido.

Para o autor Luciano Elia (2000):

Aquele que realmente assume esta inconsistência – ou seja, por que o sujeito precisa ficar doente para se dar conta da enorme verdade de sua inconsistência? -, como se assume a castração, o afeto decorrente não é o de tristeza, pois o encontro com a castração é um horror de tal ordem que não pode provocar como efeito senão o entusiasmo. (ELIA, 2000 p. 223).

Nesta ótica, é importante considerar que lidar com a castração e com a falta, ao contrário de provocar tristeza, deveria ter como efeito o entusiasmo, já que o desejo pode emergir desse processo. Isto porque sem falta, não há desejo possível, e sem desejo, não há sujeito, na medida em que para Lacan (1999) o sujeito é o desejo, e mais especificamente desejo do outro.

Em seu estudo a autora Erica Siqueira (2006) ao promover em seu trabalho uma breve incursão sobre a teoria da posição depressiva em Melanie Klein, percebeu que a posição depressiva do indivíduo é, portanto, estruturante, como formadora da constituição do “eu”.

Já de acordo com a autora Stella Jimenez (1999), o desejo constitui-se “a primeira e única riqueza do ser humano”, haja vista que ao operar pela via da palavra, a psicanálise propõe ao sujeito a ética de bem-dizer o seu desejo. Assim, a psicanálise, mais especificamente o discurso do analista, se torna uma ferramenta fundamental no processo de tratamento da depressão, pois o analista ocupa o lugar de objeto, a causa de desejo, auxiliando de modo positivo o sujeito a resgatar o seu desejo que outrora se encontrava perdido.

Outro contributo a destacar é que a depressão surge na sociedade como um produto da cultura que ao oferecer um verdadeiro arsenal de medicamentos antidepressivos, produz a oferta que cria uma demanda de sujeitos que se “encaixam” nessa categoria.

Nesse sentido, a depressão contraria os ideais de produtividade e do capitalismo da nossa cultura, ou seja, da mesma forma que há uma exclusão pela própria cultura, o sujeito sente-se incluído, protegido por esse signo que é a depressão, embora a mesma traga diversos problemas ao sujeito.

É preciso considerar que tal fato acima demonstra claramente como opera de forma paradoxal o discurso capitalista que “inclui para excluir”, propiciando uma aparente proteção, deixando o sujeito desorientado em relação a sua riqueza maior que é o seu desejo.

Sendo assim, o sujeito neurótico “histérico”, ficando deprimido encontra uma maneira de dizer, “estou fora dessa cultura maníaca e onipotente, de dizer eu não quero gozar assim. Pode se desculpabilizar por não ter que responder aos ideais de produtividade, podendo então, não trabalhar e dormir o dia todo”. Isso ocorre porque a única maneira do sujeito não se sentir culpado seria não abrindo mão do seu desejo, já que toda a vez que o indivíduo cede diante do desejo, a culpa advém, haja vista que sustentar o próprio desejo não é uma tarefa fácil na sociedade, tendo se tornado praticamente impossível em nossa cultura. (SIQUEIRA, 2006)

De acordo com o autor Luciano Elia (2000), o discurso do analista é um instrumento de fundamental importância, como afirma.

O discurso do analista pode, no entanto, vir a ser a única saída para a ausência de saída do discurso capitalista, no sentido de subvertê-lo ao reinstaurar a falta e permitir que advenha o desejo. Mas, para que isso aconteça, o sujeito precisa ter coragem, em oposto à covardia do deprimido e pagar um preço por ser desejante. (ELIA, 2000 p. 46).

Cabe destacar que a psicanálise coloca em cena o desejo, possibilitando ao sujeito redimensionar a sua forma de lidar com a castração e assumir pagar o preço de sustentar a singularidade de seu desejo na sociedade.

Por meio da contribuição do pensamento de Freud, o autor Lacan (1999) considera a castração um ponto importante, haja vista que é a partir desta que a estrutura se organiza e toma o complexo de Édipo como um “operador da estrutura”. Isso porque a castração passou a ser vista na sociedade como uma lei e o falo como um significante – da falta. Assim, a lei à qual o significante está submetido é a lei da castração simbólica, que instaura a falta estrutural, presente para cada sujeito a partir de sua entrada no mundo da linguagem.

Segundo a autora Erica Siqueira (2006) a depressão deve ser reconhecida na sociedade não apenas como um produto da cultura, que fabrica sujeitos que se encaixem sob esse signo, mas como uma maneira do sujeito evitar lidar com o desejo, não respondendo à demanda do outro social que se encontra imerso no mundo da linguagem.

Embora a medicina tenda a oferecer na sociedade respostas quase que automáticas, na forma de tentar medicar o “mal-estar e a dor de existir” que devem ser eliminados a qualquer custo, como se isso fosse possível, a psicanálise, ao contrário, convida o sujeito a falar, fazendo vigorar a falta.

É interessante também destacar neste estudo que apesar do avanço da terapêutica antidepressiva, o sujeito continua buscando um acolhimento diverso da medicalização, que a psicanálise pode oferecer.

Isto ocorre devido à psicanálise ocupar na atualidade um lugar ímpar, haja vista que acena com o caminho do desejo como o melhor remédio para tratar da angústia que é inerente ao ser humano. Há de se lembrar como já nos dizia Lacan (1999) que “o melhor remédio para a angústia é o desejo”.

Diante disso, nota-se que a depressão é o oposto do desejo, tendo em vista que enquanto o sujeito deprimido cede de seu desejo, a psicanálise começa por ajudá-lo a sair desse estado de “letargia, efeito de evitar a falta”. Assim, não há como falarmos em desejo sem considerar a falta, a angústia, enfim, o mal-estar, sempre presente para o ser falante, que ao falar, reencontra continuamente a falta.

Portanto, a articulação entre a depressão e o desejo, que buscamos trabalhar na presente dissertação é uma questão que demanda a atenção do psicanalista, principalmente devido à atualidade do tema, a discussão sobre o que este pode revelar acerca do lugar do analista em sua função de instigar o desejo, função esta que consideramos neste estudo, não apenas fundamental, mas única, na nossa cultura.

1.2 Causas e Consequências da Depressão

Discorrer sobre as consequências da depressão na atualidade não é uma tarefa fácil, haja vista que o seu verdadeiro significado continua desconhecido pela maioria das pessoas que o empregam. Encarada por muitos como uma mera sensação passageira, quase sempre ligada à tristeza, a depressão pode ser caracterizada como uma doença, associada a fatores emocionais, ambientais, relacionais e sociais, com certo grau de gravidade; porém, ainda não totalmente esclarecida por especialistas.

Segundo o autor Lopes (2012) a utilização do vocábulo depressão já vem sendo percebida há muito tempo na história da humanidade, porém esta palavra só começou a visualizar nos dicionários médicos em 1860, sendo amplamente aceita e utilizada em um primeiro momento, reduzindo cada vez mais o uso do termo melancolia, que na época era muito empregado para sugerir tristeza e aspectos similares à depressão.

Na atualidade, é possível observar um grande número de pessoas que apresentam traços significativos de depressão, ou que ao menos conhecem outras pessoas que denotam o mesmo conjunto sintomático desta doença, que acarreta uma série de problemas ao indivíduo.

Em se tratando da característica mais comum da depressão, o autor Lopes (2012) afirma que:

A característica mais comum da depressão provavelmente é a tristeza, por isso é difícil num primeiro momento diferenciar uma apatia normal de uma doença de seriedade comprovada, o que deve ser analisado com cautela, com a ajuda de profissionais da área. Cabe à sociedade como um todo, e, sobretudo aos educadores, conhecer os sintomas e possíveis consequências deste transtorno, pois é dever destes estar bem informados sobre assuntos atuais e relevantes, uma vez que além de serem formadores de opinião, estão sempre em contato com transtornos de cunho emocional e devem saber lidar com o assunto da melhor maneira possível. (LOPES, 2012 p. 16).

Nesse sentido, nota-se que a depressão surge habitualmente no indivíduo diante de eventos estressantes, perturbadores ou até por mudanças repentinas e drásticas, necessitando de um diagnóstico rápido e preciso. Isso porque quando esta doença não é diagnosticada, ou de forma errônea, tratada com preconceito, pode causar danos sensíveis à qualidade de vida do indivíduo, haja vista que esta problemática atinge um contexto social amplo, pois são afetados, não só a própria vítima, mas os familiares, os amigos e a sociedade. (LOPES, 2012)

É importante ressaltar que o termo depressão tem sido bastante empregado na atualidade, tanto para designar um estado afetivo normal, quanto para elencar algumas doenças e seus sintomas. Enquanto sintoma, a depressão pode surgir em vários quadros clínicos, como “transtorno de estresse pós-traumático, demência, esquizofrenia e alcoolismo, entre outras”. (LOPES, 2012)

Segundo o autor Zorzetto Filho (1999) a depressão pode advir também ao indivíduo como resposta a situações estressantes ou a circunstâncias sociais e econômicas adversas e inesperadas, haja vista que no papel de síndrome, a depressão inclui não apenas alterações do humor, mas características próprias, “como sintomas orgânicos (constipação, dores de cabeça, dificuldade digestiva, desordem hormonal, boca ressecada e perda de peso), cognitivos, psicomotores e vegetativos”.

Nesta perspectiva, o autor acima aponta que a depressão, devido à gravidade, tendência, recorrência e alto custo para o indivíduo e a sociedade, como qualquer condição médica significativa, necessita urgentemente ser diagnosticada e tratada de modo adequado.

Como aponta o autor Lopes (2012) ninguém está imune a adquirir sintomas ligados à doença, haja vista que haja vista afetar negativamente a vida de todas as pessoas na sociedade, como doenças ou perda de entes queridos, por exemplo. Porém, o que muitas pessoas ignoram é o fato de que a depressão pode transformar-se em uma síndrome clínica importante, acabando em patologia evidente, ou seja, doença estabelecida.

Para o autor acima, a depressão é causada por um problema nos neurotransmissores que são os responsáveis pela produção de hormônios, como a serotonina e a endorfina, necessárias às sensações de prazer, conforto e bem estar ao indivíduo. Isso, porque os neurotransmissores são substâncias químicas, sintetizadas e liberadas pelos neurônios.

Segundo o autor Zorzetto Filho (1999) a depressão é caracterizada pela presença de muitos sintomas, que podem mudar ao longo do tempo, sendo que cada paciente pode apresentar variações na intensidade, a saber: leve, moderada ou grave, com ou sem sintomas psicóticos e na quantidade de características da doença. Assim, a “avaliação dos sintomas para definir e diagnosticar a depressão é baseada em um juízo de valor, pois não existem sintomas patognomônicos ou pontos de corte categoriais nas medidas de depressão”.

Convém lembrar que a depressão trata-se de um estado emocional durável no indivíduo, sendo que a tristeza, mencionada anteriormente, não tem causa e motivos aparentes para existir.

Tais interferências a este respeito podem ser apreciadas nos estudos do autor Lopes (2012) que afirma:

O indivíduo, além de sentir-se intensamente triste, não sabe ao certo o que a causou. Segundo a definição médica: A pessoa apresenta rebaixamento do humor, redução da energia e diminuição da atividade. Existe alteração da capacidade de experimentar o prazer, perda de interesse, diminuição da capacidade de concentração, associadas em geral a fadiga acentuada, mesmo após um esforço mínimo. Observam-se em geral problemas de sono e diminuição do apetite. Existe quase sempre uma diminuição da autoestima e da autoconfiança e frequentemente ideias de culpabilidade e/ou indignidade, mesmo nas formas leves, problemas de sono e diminuição do apetite. Apresenta sintomas somáticos como perda de interesse ou prazer, despertar matinal precoce, várias horas antes do habitual de despertar, lentid ão psicomotora acentuada, agitação. (LOPES, 2012 p. 21)
É importante considerar que quando esses sentimentos são avaliados isoladamente, não diferem muito dos estados emocionais normalmente vividos pelos indivíduos diante das adversidades da vida.

Contudo, Zorzetto Filho (1999) destaca que a intensidade e a profundidade do humor depressivo é tão intolerável que o desejo de morrer é sentido como uma possibilidade confortadora, haja vista que a tristeza e os sentimentos associados permeiam todos os domínios da vida pessoal e comprometem o desempenho social do individuo que se encontra com esta doença.

Sendo assim, o humor depressivo pode durar tanto no indivíduo, que passa a ser percebido como um estado afetivo inalterável, tendo em vista que ele pode ocorrer espontaneamente, mas, mesmo quando desencadeado por alguma circunstância de vida, ele se desenvolve de forma autônoma, dissociado do acontecimento que o desencadeou, e resiste paulatinamente a todas às tentativas feitas para mudá-lo.

Desse modo, é de fundamental importância que o indivíduo acometido por sintomas semelhantes aos da depressão procure subsídio profissional rapidamente, pois quanto mais cedo iniciar-se o tratamento, melhores serão os resultados. É preciso esclarecer que esta orientação é indicada para todas as enfermidades, contudo, mesmo com a depressão sendo reconhecidamente uma doença, estando, inclusive, elencada entre as doenças incapacitantes para o trabalho, existe um grande preconceito velado na sociedade, e até mesmo do próprio paciente, em relação a este transtorno.

Outro contributo a ser destacado é que a depressão apresenta um quadro clínico bastante complexo e muito prejudicial para o indivíduo, seus familiares e a sociedade de maneira geral, haja vista que as suas consequências dependem necessariamente de uma série de fatores, tais como gravidade e duração do quadro depressivo, presença de apoio sócio-familiar e acesso a um tratamento adequado e continuado.

É evidente que a falta de tratamento adequado e continuado da depressão ocasiona graves consequências ao indivíduo, pois a pessoa em depressão tem sofrimento marcante e baixa qualidade de vida, sem falar nos estudos desenvolvidos atualmente que mostram que pessoas depressivas têm menos sucesso nos relacionamentos, pior desempenho estudantil e profissional. (LOPES, 2012)

No que se refere à saúde geral, pessoas deprimidas têm um maior risco de desenvolver doenças cardíacas, doenças osteomusculares e doenças inflamatórias do que o resto da população.

Segundo o autor Lopes (2012) tem sido um erro comum considerar que as depressões leves causam pouca repercussão na vida do paciente, sendo mais toleráveis, haja vista que estudos atuais comprovam que pacientes que apresentam sintomas leves, porém persistentes, acabam por apresentar menor nível de escolaridade, maior índice de desemprego e insucesso na vida conjugal, sendo comum permanecerem solteiros.

Nesta perspectiva, não podemos esquecer que uma das piores consequências da depressão está pautada no risco de suicídio, sobretudo nos quadros mais graves, haja vista que todas as ideias e principalmente as tentativas de suicídio, por mais que pareça um “chamar à atenção”, precisam ser devidamente cuidadas e ser levadas a sério.

Embora na sociedade contemporânea a depressão seja vista como uma doença de crescimento exponencial, como uma espécie de epidemia que encontra a sua raiz em um modelo de vida inadequado para enfrentar uma realidade em mudança constante, a depressão se manifesta como uma “presença”, ou seja, como uma crise acompanhada de profunda tristeza que indica a necessidade de mudança de direção do indivíduo, frente a determinados comportamentos e atitudes por ele desencadeados na sociedade.

Diante do exposto, nota-se que se o acompanhamento psicanalítico contínuo e o tratamento adequado é uma das formas mais eficazes de conseguir combater a depressão, haja vista esta doença surgir no indivíduo por meio de uma série de fatores, mas, principalmente, para alertar que algo não está bem na nossa vida e que necessita ser recriado.

1.3 Os Discursos da Psicanálise e da Psiquiatria

Discorrer sobre o discurso da psicanálise e da psiquiatria é muito importante, haja vista que há no discurso médico uma objetividade científica que exclui, portanto, a subjetividade do sujeito, tanto daquele que o enuncia, como daquele que o escuta. Isto porque a fala do sujeito é ouvida para ser descartada em seguida, depreendendo-se daí a função silenciadora do discurso médico, que ao se valer apenas de seus próprios elementos, elimina tudo o que nele não possa se inscrever, ou seja, o “discurso médico opera reduzindo o sentido dos diferentes ditos do sujeito”. (JORGE, 1983)

Segundo o autor Jorge (1983) a receita médica pode ser caracterizada como sendo uma ordem médica, haja vista que a mesma prescreve um enunciado dogmático: “coma isso, não beba aquilo, não fume, repouse, faça exercícios”. Assim, a ordem médica representa na atualidade uma ordem jurídica, pois equivale a uma sanção legal no campo jurídico de cunho importante.

Nesse sentido, o discurso médico e psiquiátrico pode ser caracterizado como sendo um discurso dominante na sociedade que utiliza o outro para impor o seu ditame, suas leis e seus ideais, posição de mestria.

É importante esclarecer nesse estudo que é justamente aí que se estabelece uma distinção radical entre a psicanálise e a psiquiatria, pois a psicanálise põe em questão o princípio superegóico de uma ordem perante a qual se deve curvar, tanto na relação com os poderes públicos, quanto na cura individual. Já a posição assumida pelo médico psiquiatra seria a do sujeito que “sabe”, base da sugestão hipnótica, tendo em vista a psicanálise não propor esse discurso de mestria, ou seja, ela não decide ou impõe o que é melhor para cada sujeito em particular na sociedade.

Em seus estudos a autora Erica Siqueira (2006) destaca que no decorrer de sua obra, Freud passou a valorizar, não mais a sugestão hipnótica, mas a escuta do sujeito em sua associação livre que é uma regra fundamental da psicanálise. Para esta autora “é a passagem de uma posição de compreensão para a de interpretação, e ainda de um “sujeito que sabe”, própria do médico, para a do sujeito suposto saber, lugar do psicanalista”, como afirma a autora:

Podemos dizer que o sujeito suposto saber diz respeito a uma suposição do analisando de que o analista é aquele que sabe tudo ou que detém todas as respostas para quaisquer questões. Porém, o analista não deve identificar-se com essa posição de saber, o que seria um erro, um equívoco, visto que a posição do analista não é a de saber, nem tampouco a de compreender o paciente, pois se há algo que ele deve saber é que a comunicação é baseada no mal-entendido. Portanto, sua posição, muito mais do que a posição de saber é uma posição de ignorância, não a simples ignorância ignara, mas a ignorância douta. Esta última seria um convite não apenas à prudência, mas também à humildade, de se precaver contra o que seria a posiç&atilde ;o de um saber absoluto. (SIQUEIRA, 2006 p. 27).

Sendo assim, é importante estabelecer uma identidade, de modo que possamos pensar no quanto o discurso em torno da “depressão” apaga as diferenças entre sujeitos, englobando-os em uma mesma categoria de “deprimidos” que deve ser tratada da mesma forma. Já para a psicanálise, por outro lado, é a singularidade que está em jogo, devendo a queixa de “depressão” ser escutada em sua dimensão significante.

Conforme aponta a autora Siqueira (2006) a psicanálise privilegia a alteridade, já que o sujeito está sempre na relação com outro, sejam seus pais, a lei, o laço social desde seu advento. Já o discurso médico e psiquiátrico é pautado na univocidade, em detrimento da pluralidade de sentido que é uma característica da língua e da psicanálise.

Nesta ótica, a medicina utiliza-se dos signos “aquilo que representa alguma coisa para alguém que saiba lê-lo” e precisa, portanto, do médico para decifrá-los em sua relação com um código que remete a uma compreensão unívoca. Isso porque os sinais e sintomas significam alguma coisa apenas para o médico, que sabe ler, olhar e decodificar o que significam.

De acordo com autora Sonia Alberti (2000), o psicanalista tem ao seu alcance um importante referencial com consistência teórica que lhe permite paulatinamente dentro de seu próprio campo, examinar e dialetizar a sua função no campo social.

Sendo assim, é por intermédio da associação entre o discurso médico psiquiátrico e o discurso do mestre, que podemos compreender o que é justamente a tomada de posição de mestria que os aproxima, ou seja, muitas vezes, o psiquiatra se identifica com esse lugar de saber e de poder absoluto, tal como o agente do discurso do mestre na teoria de Lacan (1999).

Segundo a autora Alberti (2002), ao situar o saber no lugar da verdade, no discurso do analista, Lacan coloca que este saber tem a estrutura da ficção, como “toda e qualquer verdade, pois o saber que efetivamente está em jogo é o discurso do analista, que é o saber do próprio sujeito, que questionado, fabrica o produto: “significantes seus, próprios, que no percurso vai deixando cair”.

É por essa razão que a psicanálise só pode ser realizada por meio da fala, já que supõe o sujeito falante, ou seja, “o analista fica no lugar de simples objeto, sendo que o analisando é o verdadeiro sujeito da operação”. É importante ressaltar que o analista não está no lugar de qualquer objeto, ao contrário esta no lugar de um objeto causa desejo, já que se ocupa do objeto.

Para Alberti (2002) o desejo do analista é exclusivamente o de fazer com que a análise se produza, tal como um artista que por de sua obra quer produzir efeitos em seu leitor ou observador, haja vista que o desejo do psicanalista implica que sempre há um saber a ser construído pelo sujeito.

Convém ainda lembrar que psicanálise nasceu da medicina, portanto, o discurso do analista é constituído e baseado no fato de se dirigir ao sujeito, pois “o sujeito é o outro ao qual o agente do discurso endereça seu ato”, ou seja, o sujeito em questão é o próprio analisando. (SIQUEIRA, 2006)

Diante do exposto, nota-se que a função eminentemente silenciosa do analista é não apenas facultar, mas também promover a proliferação da fala do sujeito, haja vista que o analista não pode em hipótese alguma constituir obstáculo à emergência do desejo, ao contrário ele deve instigar o sujeito a produzir suas próprias associações, operando pela via do desejo, ética da psicanálise, ética de bem-dizer a relação do sujeito com o seu desejo.

CAPÍTULO 2 – APROFUNDANDO O ESTUDO

2.1 A Depressão e o Desejo

Estabelecer uma relação entre a depressão e o desejo é extremamente importante. Em seus estudos, Lacan (1974), afirma que a depressão seria um afeto, uma falta moral, ou ainda, uma “covardia moral”, já que o sujeito deprimido recua diante do dever ético de bem-dizer o seu desejo. Assim, pode-se considerar que o sujeito deprimido maldiz o desejo, ou nada diz, não quer saber de seu desejo, como se isso fosse possível de fazer.

Nesse sentido, o autor Quinet (2002) destaca que para Lacan (1974) o desejo se constitui como sendo a essência do homem, haja vista que para este autor o desejo está vinculado ao pensamento consciente para Espinosa e ao pensamento inconsciente, encontrando-se, portanto, fundamento da ética da psicanálise, como afirma o autor Quinet:

O dever ético de bem-dizer é tributário da orientação do sujeito em relação ao desejo inconsciente, e orientar-se no inconsciente significa saber quais são as cadeias significantes e os significantes primordiais que determinam suas ações, fantasias e sintomas. (QUINET, 2002: 09).

Segundo a autora Alberti (2002) a depressão, como “covardia moral”, diz respeito ao sujeito evitar lidar com a falta estrutural própria a todo ser falante, haja vista que como vimos na citação acima o desejo se constitui a partir da falta e, quando o sujeito cede de seu desejo, é como se tentasse anulá-la, evitando lidar com a falta, como se ela não existisse. Sendo assim, a depressão não estaria situada no grafo do desejo, na medida em que “abafa” o inconsciente, “não quer saber” da castração.

É importante ressaltar que o sujeito deprimido furta-se ao próprio desejo e, consequentemente, a sua determinação inconsciente, pois ao renunciar ao desejo, tem um preço, ainda mais caro, ou seja, implica ficar triste, sem apetite e, ainda pior, esta renúncia é a causa última das auto-recriminações, já que aquilo de que o sujeito se sente realmente culpado é de haver cedido em seu desejo. Assim, retomando o pensamento de Lacan (1999), nota-se que a culpa advém, justamente, dessa renúncia do indivíduo ao seu desejo.

Para a autora Jimenez (1999), a depressão aparece na clínica, nos dias de hoje, como uma forma desesperada e radical de apelo para que a falta seja reintroduzida e que nem tudo seja permitido, pois “se tudo é permitido, nada é permitido.

Já para o autor Quinet (2002) a depressão pode ser caracterizada na atualidade como uma falta moral que não cumpre o dever ético de bem-dizer, o mal-dizer corresponderia ao calar-se, ao refugiar-se no silêncio e no isolamento, sendo um grande problema de saúde no indivíduo.

Em seus estudos o autor Sérgio Laia (1996) afirma que os indivíduos que se apresentam dizendo “tenho depressão” ou “estou deprimido”, ficando em silêncio depois, não se trata, entretanto, de um silêncio em que é possível escutar o sujeito no intervalo dos significantes, mas um “silêncio vão”, vazio. O autor explica que é como se o sujeito não tivesse mais nada a dizer, diferentemente do silêncio que se apresenta como interrupção das associações e que remete, em última instância, à presença do analista.

Retomando o pensamento de Quinet (2002), é preciso destacar que o sujeito deprimido se distancia do outro do desejo, do inconsciente. Por esta razão, Lacan afirma em seus estudos que se trata de uma “dupla falta moral, pois, na tristeza, o sujeito além de ferir a ética do bem-dizer, também cede de seu desejo”, tendo em vista que quem está triste não apenas deixa de agir, como também tem dificuldade em pensar e refletir. Assim, a recusa de saber seria o avesso da virtude própria em Espinosa, à virtude remetendo ao bem-pensar articulado ao desejo.

Nesse sentido, podemos perguntar nesse estudo: por que alguns sujeitos renunciam ao seu desejo “primeira e única riqueza do ser humano?

Como já vimos ao longo deste estudo, o desejo do sujeito surge no ponto de falta no outro. A criança, por exemplo, se identifica, inicialmente, no lugar de objeto de desejo da mãe, ou seja, na posição de falo, a criança tenta recobrir a falta no outro mãe. Entretanto, mais tarde, quando percebe que algo também falta a essa mãe, a criança começa a buscar um terceiro que é o pai, o que faz toda a diferença na constituição psíquica do sujeito, pois inaugura a via do desejo.

É importante reiterar que as mudanças culturais, bem como as crises econômicas, contribuem demasiadamente para acentuar o sentimento de desamparo, que seria responsável pela verdadeira epidemia de depressão em um tempo que pode ser definido como fortemente “depressor”.

Neste contexto, o sujeito busca conquistar a sua liberdade para tornar-se artífice de seu próprio destino, o que provoca insegurança e desamparo, pois talvez a questão não seja apenas tomar a depressão como “covardia moral”, mas destacar a confusão entre a demanda do outro, da cultura e do desejo. E o sujeito neste processo, como aponta Siqueira (2006), já não sabe mais o que fazer com o seu desejo, ficando desorientado em relação ao mesmo.

Sendo assim, pode se indagar no presente estudo: o que pode a psicanálise fazer pelo sujeito que se encontra deprimido e que aparece nas clínicas nos dias de hoje? como resgatar o desejo do sujeito? Este estudo não busca apresentar todas as respostas a estas perguntas, mas apenas elucidar um debate sobre um tema que precisa ainda ser explorado por meio de outras leituras.

Diante do exposto, nota-se que a psicanálise busca constantemente resgatar o desejo do indivíduo que se encontra perdido, haja vista que o discurso do analista é um instrumento fundamental no processo de recuperação de um sujeito deprimido. Há de se lembrar que a psicanálise trabalha com a possibilidade de se fazer algo com a dor constituinte, através da ética do bem-dizer a relação com o desejo, logo, a única maneira do sujeito fugir da culpa seria não abrir mão do seu desejo, tarefa cada vez mais difícil na cultura de hoje.

2.2 A Análise e o Desejo

Discorrer sobre a análise e o desejo é importante, haja vista que o discurso do analista, com o qual se opera a psicanálise, está no lugar de objeto, ou seja, objeto que causa desejo, que instiga o paciente a associar livremente, produzindo significantes mestres, a “partir dos quais o saber aparece como verdade e o analista como sujeito suposto do saber”. (SIQUEIRA, 2006)

É importante ressaltar que a relação do sujeito com o seu desejo é a própria proposta ética da psicanálise. Isso por que o desejo traz para o centro do debate ético, afastando deste modo um possível caráter prescritivo que é voltado para valores e ideais, característica da reflexão moralista, tendo em vista que na relação do homem com a sua ação, a psicanálise leva em consideração não o alcance de um “bem”, mas o horizonte do desejo.

Conforme aponta a autora Siqueira (2006) não há um bem a atingir, haja vista que não existe o objeto absoluto do desejo, da mesma forma que não há “como dizer bem o desejo, na medida em que o desejo remete ao impossível, ao real, sendo, portanto, da ordem do indizível”.

Para o autor Lacan (1974) a função fundamental que sustenta um processo analítico é denominado “desejo do analista”, haja vista que remete a um “desejo de que haja análise”. Por sua vez, este processo implica a presença do analista, com a sua escuta atenciosa e principalmente com as suas intervenções necessárias, porém para que o desejo possa aparecer é necessário que o analista não responda as demandas do sujeito, ao contrário, ele precisa se colocar no lugar de objeto, causar desejo, instigar o desejo do sujeito que é a única via possível para o tratamento analítico.

Nesse sentido, nota-se que para o psicanalista operar diante de um sujeito que diz “estou deprimido” é fundamental o mesmo instigar o sujeito a falar, fazendo com que o mesmo possa perceber por que se atrelou a esse significante, e o que isso remete na sua história subjetiva. Este processo é importante por que abre a novas significações, permitindo que o sujeito possa resgatar o seu desejo, ainda que tenha que pagar um preço por isso, ou seja, lidar com a falta.

É preciso considerar que o analista deve ficar sempre no lugar de objeto, causando desejo e principalmente não respondendo às demandas do sujeito deprimido, que, aliás, podem ser muitas. (SIQUEIRA, 2006)

Em seus estudos a autora Erica Siqueira (2006) destaca que a depressão não é uma estrutura, mas um fenômeno que remete a determinada estrutura clínica, assim é importante, acima de tudo, que o psicanalista fique atento à estrutura que se apresenta na clínica, já que é com o diagnóstico estrutural que a psicanálise consegue operar de modo satisfatório no sujeito.

Já o autor Lacan (1974) propõe em sua obra que o discurso do psicanalista é essencial na sociedade, pois é a “única saída para a ausência de saída do discurso capitalista”, haja vista que o analista, no lugar do objeto, causa de desejo, permite fazer frente a um discurso que, como vimos, não faz laço social.

Convém lembrar que a função da análise é a de que o sujeito possa lidar com a castração como falta estrutural e, assim, administrar melhor o seu desejo, pois a própria análise propicia um certo “efeito depressor”, um momento de “não querer saber disso”, de lidar com a falta. (SIQUEIRA, 2006)

Para a autora Elisa Alvarenga (1996) a questão da depressão faz parte do cotidiano da clínica analítica, haja vista que ela pode ser a posição do sujeito que chega, daquele que entra em análise e que está prestes a terminar. Assim, a autora destaca que o final da análise é sempre vivido como luto, no sentido de uma imaginarização da perda.

Outro contributo a mencionar neste estudo é que o sujeito deprimido, que se encontra em um processo analítico, deve lidar sempre com a falta a que a própria análise conduz, além de elaborar o luto diante de uma perda significativa.

Sendo assim, é preciso esclarecer que cada análise é única, não apenas porque pertence à singularidade do sujeito, inserida em sua história peculiar, mas também na dependência do que este pode ou não suportar durante o processo. Assim, o presente estudo não pretende fazer uma alusão de que o analista diante de um sujeito deprimido deva instaurar a falta para que o desejo possa advir, ao contrário a falta está sempre presente, mesmo quando há uma tentativa do analista de eliminá-la. (SIQUEIRA, 2006)

Contudo, é preciso lembrar que o analista é um “simples objeto”, já que se ocupa do objeto, e o analisando é o verdadeiro sujeito da operação, sendo que o mesmo que guiará a sua análise.

De acordo com a autora Erica Siqueira (2006) a psicanálise propõe a via do desejo, que implica a “dor de existir”, que é a única via possível, ou seja, único caminho que parte da “dor de existir” e que segue, portanto, em direção à alegria de viver do indivíduo.

Segundo o autor Quinet (2002) para a psicanálise, “a via de saída da dor, longe de ser a abolição do desejo, que corresponde ao culto à pulsão de morte, é precisamente o seu oposto, ou seja, a saída por meio da conjunção da sede com a ignorância, cujo produto é o desejo de saber”. Para este autor é necessário que o sujeito queira saber na sociedade, tendo a coragem de se confrontar com a dor que morde a vida e sopra a ferida da existência humana, a fim de fazer da falta que dói a falta constitutiva do desejo.

Já o autor Lacan (1974) ressalta em seus estudos que a psicanálise não é um idealismo e “a sua ética não é a ética do bem, na tentativa de alcançar algum bem ou produzir algum bem para o sujeito”. Para este autor, a psicanálise não propõe qualquer forma de universalização moral. Ao contrário, ela é antes de tudo uma “ética do bem dizer”, em que cada indivíduo, em sua singularidade, deve buscar seu caminho desejante.

Diante disso, nota-se que o discurso analítico tem como base de apoio a ética do bem-dizer e a relação do sujeito com o seu desejo, no entanto, para que isso ocorra de modo satisfatório é preciso coragem, em contraposto à covardia do sujeito deprimido. É preciso que o sujeito busque e “queira saber” na sociedade, ou seja, que pague um preço pelo o seu desejo.

Há de lembrar, ainda, que o discurso do analista inclui o desejo, e o sujeito, em sua singularidade, deve buscar resgatar este desejo, haja vista que cabe ao psicanalista promover as condições ideais para que isso ocorra.

É tempo de mudança!

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos ao longo deste estudo a depressão revelou-se na atualidade como uma doença grave que precisa ser urgentemente tratada, haja vista que ela aponta para uma estrutura de neurose ou psicose, provocando sérios danos na vida social do indivíduo.

É importante reiterar que enquanto a psiquiatria trabalha com o olhar clínico, a psicanálise opera com a escuta analítica. Isto porque se a primeira responde, na maioria das vezes, com o medicamento que visa tamponar a dor com “um comprimido para o deprimido”, a psicanálise abre a possibilidade de o sujeito remediar o próprio sofrimento com a palavra, que é também uma ferramenta essencial no processo de recuperação do indivíduo deprimido.

Por meio deste estudo, pode se perceber claramente que o trabalho analítico é de fundamental importância no processo de recuperação do sujeito deprimido, tendo em vista que o mesmo possibilita a abertura do paciente, que pela palavra consegue mudar as suas atitudes e comportamentos.

Embora o diagnóstico estrutural na psicanálise possa ser realizado a partir da transferência, na medida em que esta atualiza em uma sessão de análise um modo de incidência da relação do sujeito com o seu desejo se desenvolve. Assim, é a partir dessa preocupação que pensamos em como situar a “depressão”, que tanto aparece nas clínicas atualmente, como um fenômeno que pode remeter a uma determinada estrutura.

Pode se perceber também neste estudo, que o significante “depressão” está cada vez mais atrelado na atualidade ao significante idoso, como se envelhecer ou tornar-se “velho” significasse necessariamente ficar deprimido. Este fato tem contribuído demasiadamente para promover e reforçar a exclusão dos velhos na sociedade que a cada dia mais enaltece a figura de jovens.

É preciso lembrar que a depressão não se manifesta apenas nos idosos. Ao contrário, muitos sujeitos entram na velhice quando ainda jovens, ao abrirem mão de seus desejos. Entretanto, é evidente que a depressão tende a surgir, de forma mais incisiva, na velhice, devido ao acúmulo intenso de perdas, que demandam o trabalho de luto, como vimos ao longo do estudo.

Nesse sentido, nota-se que a depressão se instala, justamente, quando o sujeito abre mão de seu desejo, como afirma Lacan (1974), haja vista que o desejo constitui-se “a primeira e única riqueza do ser humano”, como observamos anteriormente. E já a psicanálise, ao operar pela via da palavra, propõe ao sujeito a ética de bem-dizer o seu desejo.

Isto porque a única maneira do sujeito não se sentir culpado seria não abrindo mão do seu desejo, tendo em vista que toda a vez que o sujeito cede diante do seu desejo, a culpa advém. Em outras palavras, tem se tornado muito difícil em nossa cultura o indivíduo sustentar o seu próprio desejo.

Sendo assim, a psicanálise põe em cena o desejo, possibilitando ao sujeito redimensionar a sua forma de lidar com a castração e assumir pagar o preço de sustentar a singularidade de seu desejo na sociedade.

Vale ainda destacar que se a medicina tende a oferecer respostas quase automáticas, na forma de tentar medicar o mal-estar que deve ser eliminado a qualquer custo, como se isso fosse possível, a psicanálise, ao contrário, convida o sujeito a falar, fazendo vigorar a falta, haja vista que, apesar do avanço da terapêutica antidepressiva, o sujeito continua buscando um acolhimento diverso da medicalização, que a psicanálise pode oferecer. (SIQUEIRA, 2006)

É evidente que a psicanálise ocupa, na atualidade, um lugar ímpar, haja vista que acena com o caminho do desejo como o melhor remédio para tratar da angústia que é inerente ao ser humano. Pois, como já nos dizia Lacan (1974), “o melhor remédio para a angústia é o desejo.

Diante do exposto, nota-se que a depressão é o oposto do desejo, tendo em vista que enquanto o sujeito deprimido cede de seu desejo, a psicanálise começa por ajudá-lo a sair desse estado de “letargia’, efeito de evitar a “falta”. Assim, é notório que não há como falar em desejo sem considerar a falta, a angústia, enfim, o mal-estar, sempre presente para o ser falante, que, ao falar, reencontra continuamente a falta.

Portanto, a articulação entre a depressão e desejo, que buscamos trabalhar na presente dissertação, é uma questão que demanda a atenção do psicanalista, seja pela atualidade do tema, seja pela discussão sobre o que este pode revelar acerca do lugar do analista em sua função de instigar o desejo, função esta que não é apenas fundamental, mas única na nossa cultura.

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Carlos Terceiro é Mestre e Doutor em Psicanálise pela ABMPDF