A derrota de Bolsonaro e o fim do bolsonarismo
"Derrotado, abandonado, largado na sarjeta, Bolsonaro teria condições de manter integrado o contingente do que seria o bolsonarismo?", pergunta Moisés Mendes
Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução / TV Brasil)
Se Bolsonaro fosse o bandido de uma série policial bem rasa, todos estariam em dúvida hoje, já ao final da primeira temporada, sobre a possibilidade de seu retorno mais adiante.
Haveria sentido em contar com essa figura repulsiva numa segunda temporada? Fazendo o quê?
Se Bolsonaro fosse uma lagartixa, poderíamos especular sobre a hora em que, para sobreviver, ele soltaria metade do rabo para tentar enganar os predadores?
Mas conseguiria recompor o rabo em pouco tempo a partir do toco que sobrasse?
O cientista político Marcos Nobre é um dos mais envolvidos nas tentativas de enxergar o Bolsonaro derrotado por Lula, mas sobrevivente, talvez com um rabo bem menor mas ainda funcional.
Para gente que pensa como Nobre, o bolsonarismo está entranhado em parcela relevante da população. E Bolsonaro teria forças para tentar voltar em 2026 para uma segunda temporada, por mais que pareça improvável.
Bolsonaro tem base social e política fiel, mas estreita, sem partido e sem uma outra organização que a aglutine. Não tem histórico como gestor de agrupamentos ou convergências quaisquer.
No Congresso, em 27 anos como deputado, andou por oito partidos. Não era, como alguns dizem erroneamente, parte do que depois seria o centrão.
Não era parte de nada, nem de ajuntamentos de extrema direita. Circulava como um avulso, um livre atirador que nem tiro de verdade dava, porque até perder a arma para bandidos ele perdia.
O Congresso abrigava um sujeito pouco afeito ao trabalho, sem afinidades políticas consistentes com ninguém e sem turma.
Por suas limitações, Bolsonaro não tinha condições nem de falar bobagens na tribuna, como muitos faziam para aparecer na Hora do Brasil.
Exatamente por tudo isso resultou, com a fantasia de antibandido e de antissistema, no candidato pós-golpe que derrotou Fernando Haddad.
Não havia sido nada como militar e não conseguiu ser nada como parlamentar.
Pronto. Era o que o Brasil precisava. Um farsante que daria conta do serviço que os tucanos não conseguiam mais atender.
Mas um futuro Bolsonaro sem militares, sem dinheiro farto para o centrão e sem o suporte de parte da elite que o engoliu seria o quê? Líder de grileiros, milicianos e garimpeiros?
Mas com que poder, se não tem uma estrutura que os mantenha minimamente organizados? Seria o chefe de grupos de tios de classe média do zap e do Telegram? Frequentaria clubes de tiro?
Repetem que Bolsonaro surgiu, prosperou e chegou até aqui sem partido e sem nada do que a política tradicional sempre ofereceu como o normal. E que assim poderia sobreviver fora do governo e sem mandato.
Bolsonaro teria provado que pode ser um solitário que nunca precisou de grupos, mas que de repente se mostrou capaz de agregar recalques, ódios, ressentimentos, medos e crueldades.
E eis então que a questão se apresenta. Derrotado, abandonado, largado na sarjeta, Bolsonaro teria condições de manter unido e integrado o contingente do que seria hoje o bolsonarismo?
É a dúvida que pode ser também a diversão do Brasil já partir de agora. O que será de Bolsonaro sem os leões de chácara que o protegem no poder?
Um Bolsonaro fragilizado dificilmente vai escapar do cerco do Ministério Público e do Judiciário.
Teria como se reorganizar, lutando só com o toco do rabo e com seu poder limitado quase só ao mundo digital, para tentar voltar numa segunda temporada?
Bolsonaro é um sujeito rodeado de perguntas por todos os lados. Daqui a pouco será soterrado pelas mais terríveis respostas.
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
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