A discussão jurídica sobre o aborto ADPF 442: um aborto do Direito

O aborto jurídico começa aí: usurpação de competência, por suposta omissão

Angela Vidal Gandra da Silva Martins
Publicada em 13 de novembro de 2023 às 11:47
A discussão jurídica sobre o aborto ADPF 442: um aborto do Direito

Temos vivenciado um supremo ativismo em legislação positiva fora de competência e distante de uma interpretação fundamentada na letra e no espírito da Constituição.

A ADPF 442, já há alguns anos, buscou espaço oportunista nesse nicho, de forma politicamente imatura, pedindo a benção paternalista do Judiciário e evitando discutir a questão do aborto entre iguais, no locus democrático: a casa do povo.

O aborto jurídico começa aí: usurpação de competência, por suposta omissão - sem mencionar os inúmeros projetos em trâmite nem as claras obstruções de pauta - esquecendo-se que o único dever do guardião é exigir do Congresso o que lhe cabe, conforme o artigo 49,XI da Constituição Federal.

Só faltaria ainda, aprová-lo em plenário virtual, à margem da participação pública, de forma açodada, e, em convocação repleta de vícios procedimentais. Nesse sentido, agradecemos o sensato pedido de destaque do Ministro Barroso.
 
Por outro lado, em completude sistêmica, nossa legislação é pro-vida. A Carta Magna defende, no capítulo de seu artigo 5, a inviolabilidade da vida humana, ou seja, incondicionalmente. O Código Civil reconhece o Direito do nascituro em seu artigo segundo; o Pacto de São José, legislação equivalente a emenda, conforme dita o artigo 5, 2 e 3 da Constituição, propugna o direito à vida desde a concepção no caput de seu quarto artigo; o Estatuto da Criança, estabelece dever de proteger a vida da criança, de acordo com seu artigo 7 e o Código Penal, em seu artigo 128, somente despenaliza o aborto em dois casos limites, sem por&a mp;e acute;m, deixar de classificá-lo como crime.

Paralelamente, invocamos ainda a legislação internacional no âmbito dos Direitos Humanos. De fato, quando surge alguma dúvida no âmbito jurídico constitucional, é praxe recorrer à vasta experiência e prática histórica e consolidada do Direito Internacional, como sabiamente atuou a Suprema Corte Americana, recentemente, na reversão do caso Roe x Wade, que legalizara o aborto no país.
 
Nesse sentido, como é óbvio não se encontra nenhuma Constituição, Tratado ou Declaração que sustente o aborto como um direito humano, como bem exposto na petição de amici curiae assinada por 141 acadêmicos do mundo em apoio ao Estado do Mississipi, no caso supracitado.

Muito pelo contrário, destaca-se o dever do Estado de proteger a vida e a criança, desde o ventre materno, bem como o melhor interesse desta, em todas as situações.

Oportuno ainda evocar que, nos poucos países que admitem a pena de morte em casos limítrofes, é proibida a execução de mulher grávida, pela vida que hospeda em seu corpo.

O que vemos porém, também nessa esfera, similar ao que acontece em nosso país é um ativismo político, econômico e ideológico para promover resoluções, que nem chegam ao status de soft Law, atribuindo-lhes caráter vinculante e impondo-as aos Estados em oposição à sua soberania.

Por fim, para descer a uma esfera do Direito ainda mais profunda, podemos afirmar que não há argumento jurídico- filosófico que conceda à mulher o direito de abortar, como se amputasse  um membro de seu corpo - que, por sinal, não surgiu por geração espontânea, pertencendo também a outro ser humano que lhe deu origem - ou, de definir, recorrendo a uma ficção legal, sem embasamento científico ou conhecimento específico para tal, quando a vida começa, ainda que um DNA já esteja plasmado nesse “amontoado de células”, para justificar o crime.

O falso critério, que busca mil razões sem razão ou razoabilidade, para acobertar o utilitarismo reificante do ser humano, é o mesmo que há séculos atrás definiu a pessoa negra como “res”, ou seja, coisa.

Portanto, se somos capazes de lamentar os horrendos crimes cometidos pela escravização de nossa própria raça, acredito também que podemos ser sensíveis às vidas que colocaremos no lixo, proliferando relações anti-humanas, quando o Direito está para fortalecer as relações sociais.

Nesse sentido, como diria o jusfilósofo de Harvard, Lon Fuller - Forms Liberate! - a forma do Direito nos liberta. E completando, afirma: “ if we do the things in the right way, we are likely to do the right thing” : se fazemos a coisa da maneira certa, estamos propensos a fazer a coisa certa.

Aplicada ao caso, se não abortarmos o Direito, certamente preservaremos a liberdade de viver, como óbvio primeiro direito humano, sem o qual nenhum outro pode ser exercido.

Angela Vidal Gandra da Silva Martins - Professora de Filosofia do Direito da Universidade Mackenzie;Sócia da Gandra Martins Law
Gerente Jurídica da Faesp;Presidente do Instituto Ives Gandra de Direito, Filosofia e Economia;Ex- Secretaria Nacional da Família do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

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