A enterradora de livros e o futuro governo do capitão reformado

O governo do capitão reformado está sendo aguardado com muita expectativa!

Antônio Filho
Publicada em 28 de novembro de 2018 às 17:01
A enterradora de livros e o futuro governo do capitão reformado

Por Antônio Serpa do Amaral Filho

O governo do capitão reformado está sendo aguardado com muita expectativa! Já na formação do seu ministério aparecem as críticas mais contundentes, pois 90% dos nomes indicados são suspeitos ou acusados de corrupção! Uns tiram sarro, como o colunista RK Lula Moraes, que disse nas redes sociais:  Chega de mimimi. Bolsonaro não discrimina a diversidade. Acaba de indicar um representante LGBT. Marcos Feliciano pastor gay. Outros, no entanto, apostam que no endurecimento e dizem que o pau vai comer! Outros, ainda, lançam previsões pessimistas, prevendo que vai começar a caça às bruxas! Há também aqueles que já estão guardando seus pertences com medo do futuro e próximo governo da família Bolsonaro! Vejamos como reagiu nossa personagem na antessala da estreia dos novos mandatários da Capitania Brasilis!!!

A última pá de terra selou de uma só vez a sorte de um prêmio Nobel português e de um outro festejado prêmio Nobel Chileno! Ilustres figuras da literatura mundial enterradas no Cemitério da Candelária! Os espíritos dos verdadeiros destemidos pioneiros estranharam, claro, a novidade, até porque ali jaz, em pálida e mal cuidada memória, apenas um monte de pó dos abnegados aventureiros, gente sofrida, andarilha, que comeu o quitute amassado pelo cão, gente que sem eira nem beira, movidos a sonhos irrealizáveis, veio dá com os burros nágua na epopeia mais ensandecida já estrelada no palco destas paragens Karipunas – a Construção de uma ferrovia que saía de lugar algum para chegar em nenhum lugar, a Ferrovia do Diabo!

Não importa! O que importa agora é saber por que, dentre as inúmeras catacumbas de milhares de ferroviários desencarnados no calor da luta enfronhada entre a natureza e as utopias da civilização, estão agora entre eles figuras do porte de Pablo Neruda e José Saramago! Como pode um cemitério quase que completamente esquecido pelas autoridades do patrimônio histórico nacional, estadual e municipal abrigar agora, do dia pra noite, homens do primeiro escalão da criatividade literária mundial? – pensaram os espíritos! Não foi do dia pra noite que eles foram ali enterrados, foi só à noite mesmo, numa dessas madrugadas calorentas, quando a cidade dorme, restando nas ruas sem vida apenas os boêmios retardatários e os vagalumes vadios

Foi na verdade no dia seguinte à eleição que ela pôs a mão na massa. Quando o país já tinha um novo presidente eleito; quando cessou a guerra eleitoral nas redes sociais, aquela catástrofe que arruinou profundos laços de amizade, que deixou todos a nu, despidos dos pudores acobertados por anos a fio, numa encenação de hipocrisia e cinismo capaz de produzir caras e bocas de perplexidade, quando a bomba da verdade estou na cara de todo mundo; foi logo depois que, anunciada a vitória de um dos contendores, desfez-se o clima de luta verbal e moral que destruiu vínculos familiares e inundou de rancor e ódio os lares e os bares dantes felizes da sagrada família brasileira! A bem da fidelidade que o escriba deve ao leitor, é preciso dizer que, já no anúncio da vitória do capitão reformado, pela Rede Globo de Televisão, Palmira tivera aquela macabra ideia. Ela não aceitaria jamais aquela derrota, assim de forma a se conformar com as peças que as forças políticas nos pregam na vida. Completamente chocada com o sucesso eleitoral do militar incendiário da pátria, viu de uma hora pra outra seu próprio espírito incendiado de temor e aflição, tomado por uma febre paranoica nunca antes assentada em sua alma leve e apaziguadora. Pensou, então com os próprios botões: pelo que esse homem disse em campanha, açoitando o ouvido dos tupiniquins com ideias pós-maquiavélicas; pelo que prometeu fazer se eleito fosse, pelo que vociferou seu filho e aliados contra as consagradas instituições, também pelos seus gestos apelativos e permeados de violência simbólica, e até pela semeadura política que fez da peixeirada que lhe atravessou as vísceras animalescas e ensanguentadas, tá na cara que o tempo vai fechar para todos nós! É o final dos tempos democráticos e o início do Estado Inquisitorial! Não vai sobrar pedra sobre pedra! Todas as bruxas haverão de ser caçadas incansavelmente, e serão executadas em praça pública, tendo como espectadores cativos o Aiatolá da Educação, Ricardo Rodríguez, o paladino dos valores morais, Alexandre Frota, o inocente Aécio Neves e o general Mourão, todos com o puro intuito de que, capturadas e executadas as bruxas em praça pública, venha a velha e boa ordem moral e dos bons costumes a se restabelecer no coração da gente brasileira, para a felicidade geral da nação!

Viajando na maionese da sua subjetividade, Palmira Gospel, no arremate de suas elucubrações, pensou: eles vão começar por onde todo governo forte e fascista começa, pela queima dos livros!!!

Não sem razão chegara a essa conclusão nossa personagem. Se o capitão reformado e sua turma não quer mais a filosofia, a sociologia, antropologia, história e tantas outras ciências sociais presentes na realidade educacional e não-educacional do brasileiro, é claro que eles haverão de começar pela queima de livros. Palmira Gospel tinha lá suas razões! A queima de livros vem de longe e representa a vontade incontrolável de um governo em destruir ideologias que julgam perversas, pensamentos que julgam subversivos e ideias que as têm por danosas ao meio social. Afinal são fartos os exemplos de queimação de obra literárias pelo mundo afora! A Alemanha Nazista lançou livros à fogueira; na velha China da dinastia Quin, Na Roma de Constantino, em Granada de Espanha, no Cristianismo Medieval, na União Soviética, no regime truculento de Pinochet, no Chile de Vítor Jara, e na Ditadura Militar de 64 houve queima de livros! A paranoia de Palmira Gospel tinha, sim, razão de ser, porque estava respaldada nas experiências históricas dos nossos antecedentes civilizatórios!

Tudo isso pensado, repensado e peneirado no quengo pensante levou a militante Palmira Gospel a se tornar o que nunca ousara antes pensar como papel social para si: tornar-se uma Enterradora de Livros! Precavida, tinha uma estratégia: o governo do capitão esfaqueado poderia mandar queimar os livros que quisesse, mas não os seus, queridos, libertários e caros para ela, que ralou muito para comprar um a um, e muitos inclusive adquiridos em velhos e decadentes sebos! Para tanto, pensou, vou proteger todo meu pequeno mas honroso acervo literário das mãos fulminantes e incendiárias dos queimadores de ideias gravadas em papiros modernos! Se com um cabo e um soldado vão fechar o Supremo Tribunal Federal, o que não farão comigo quando descobrirem que me acompanho há muitas décadas de Jorge Amado, Graciliano Ramos, Aluísio Azevedo, Gilberto Freire, Ariano Suassuna, Guimarães Rosa, Dostoiévski, Tostoi, Gorki, Paulo Freire, Clarice Lispector, Machado de Assis, Caio Prado Júnior, Che Guevara, Rose Marie Muraro, Leon Trotski e tantos outros!??

Desse dia em diante, tomada pelas razões expostas nestas mal alinhavadas linhas de prosa livre, a até então pacata, humanística e semeadora da profusão literárias entre os ambientes sociais da cidade de Porto Velho, transformou-se na paradoxal Enterradora de Livros!!

Eis então que no Cemitério da Candelária não são, obviamente, os corpos de Pablo Neruda e José Saramago que lá estão sepultados, em cova profunda, mas as suas respectivas obras Confesso Que Vivi e o Evangelho Segundo Jesus Cristo! Uma verdadeira biblioteca foi ter com o interior da terra pelas mãos da Enterradora de Livros! Mas não estamos autorizados a declinar as peças do acervo enterrado e muito menos indicar os recantos geográficos em que os livros estão acondicionados a sete palmos! O fato é que, se Palmira Gospel adoeceu, não adoeceu só! A sociedade brasileira toda tornou-se enferma! E se agora, ao invés de produzirmos livros, os enterramos com medo de um governo que odeia o mundo das ideias e a liberdade de pensamento e de comportamento, então é porque já não vivemos numa nação, estamos todos internados num Sanatório Geral chamado Brasil!!!

A única coisa que Palmira Gospel ainda não enterrou foi o livro da Esperança que está escrito no fundo do seu coração! Esse, disse ela, só vai pra sepultura se for comigo, quando eu partir desta para melhor!

Vem aí a escola sem partido, sem livros e sem ideias!

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