A exposição de Lula e a direção política
"A avaliação não é boa, mas também não é desesperadora", diz Fornazieri sobre pesquisa Datafolha que mede a popularidade do governo Lula
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: REUTERS/Adriano Machado)
A avaliação do governo divulgada pelo Datafolha no final de semana – 38% de bom e ótimo, 30% de regular, 29% de ruim ou péssimo – não difere significativamente da pesquisa do IPEC, divulgada anteriormente. A conclusão é a mesma: a avaliação não é boa, mas também não é desesperadora. As duas pesquisas mostram ainda que os parâmetros da divisão da sociedade apresentados na disputa eleitoral se alteraram pouco. Bolsonaro permanece com significativo capital político e eleitoral. Tudo isto não significa que não haja espaço para o governo crescer em termos de avaliação positiva e de que Lula não possa desequilibrar o jogo político a seu favor.
Mas existem problemas. O primeiro é o de comunicação, tanto de Lula e do governo, quanto do PT. Há um consenso, inclusive entre analistas e comentaristas de esquerda, de que Lula errou ao se referir a Moro em duas ocasiões, principalmente naquela em que lançou suspeita de armação do ex-juiz envolvendo o suposto plano do PCC contra ele. É certo que tudo o que vem de Moro é suspeito pelo seu histórico de arbitrariedades e de violações. Mas se alguma suspeita existia/existe, não cabia a Lula revela-la, abrindo espaço para o contra-ataque de Moro.
Outro erro de Lula, e nisso ele foi acompanhado pela presidente do PT, consistiu em pessoalizar os ataques ao presidente do Banco Central. A crítica aos juros altos podia ser feita sem levar o embate para o lado pessoal. Quer dizer: o estatuto de Lula como chefe da principal magistratura política do país não permite que ele meça armas verbais com pessoas como Moro e o presidente do BC. Lula ocupa uma posição política e hierárquica superior, o que não lhe permite medir-se com pessoas que ocupam posições políticas e hierárquicas inferiores em termos de embates pessoais. Isto significa que Lula não pode colocar-se, em qualquer circunstância, numa posição de status inferior à sua função e àquela que ele ocupa na espacialidade do poder político.
Lula deveria preservar-se mais também nas agendas físicas presenciais. É certo que é importante que o governante esteja com o povo, para ouvi-lo e ver de perto suas aflições. Mas Lula já é um líder reputado junto ao povo. Assim, deveria ser mais seletivo nas suas agendas populares e públicas, privilegiando as mais significativas, aquelas que se revestem de grande importância simbólicas e as que emprestam sentido de grandeza à sua presença.
Nas regras discursivas do mundo antigo já havia a preocupação acerca do que dizer, como dizer, quando dizer e em que ambiente dizer. Esta preocupação prudencial é ainda mais importante na era da comunicação digital, quando o discurso tem repercussão imediata e amplificada de forma incontrolável. O sujeito do discurso deve pressupor as possíveis consequências do que diz. Quando não há o devido cálculo do risco, é comum que um discurso produza efeitos contrários daqueles que o sujeito pretende.
O governo também se comunica mal, principalmente em função de iniciativas e decisões equivocadas de ministros e demonstração de falta de unidade interna. Neste ponto se destacam decisões precipitadas de Carlos Lupi e de Marcio França e os posicionamentos de Rui Costa e de Gleisi Hoffmann em relação às definições da política fiscal. Não que não possam existir divergências internas. Mas o governo precisa mostrar unidade, principalmente neste momento de instabilidade política e de tendência de crescimento de conflitos. A presidente do PT não pode ser imputada como a líder da oposição.
Mas há um problema mais de fundo: os relatórios de análise de redes mostram que há algumas semanas o bolsonarismo vem derrotando os campos democráticos e de esquerda no Facebook, no Instagram e no Youtube. O ponto fora da curva foi o anúncio das diretrizes do arcabouço fiscal pelo ministro Haddad, que conseguiu reverter a sequência de derrotas.
Na última semana de março, Sérgio Moro pontificou nas interações bolsonaristas. Em regra, o governo e o campo democrático e progressista estão fornecendo as munições para que a extrema-direita ataque. Mas há que se notar que o campo governo/esquerda não tem uma estratégia mais centralizada de produção de conteúdos e nem dispõe de centros fortes de mediação e de disseminação desses conteúdos. A extrema-direita, ao contrário, tem potentes centros de mediação e disseminação, a exemplo dos perfis de Carla Zambelli, Jovem Pan News, Jair Bolsonaro, entre outros.
Um dos principais problemas de comunicação do governo consiste em que ele não consegue gerar confiança para além dos setores mais fidelizados. Isto se deve a duas questões: a campanha de Lula e esse início de governo construíram sua fantasia no passado. Toda fantasia concreta (estratégia) deve orientar-se para o futuro. Os governos do passado de Lula deveriam ter servido apenas como exemplos e referências de valores para fundamentar um novo governo de caráter inovador. Usando a analogia do novo príncipe: todo novo governo deve comportar-se pelas regras do novo príncipe, da inovação política, mesmo que o governante já tenha governado no passado. Ao não seguir as regras do novo príncipe, em certo sentido, o governo já parece velho.
Mas a falta de geração de confiança se deve ao fato de que o governo demorou muito em dizer o que vai fazer com a economia. Somente no dia 30 de março, depois de três meses, o governo apresentou o primeiro esboço do que pretende fazer, com a apresentação de Haddad.
Essa demora decorre de um erro de cálculo: Lula deveria ter indicado os ministros da Fazenda e da Casa Civil logo após de ter confirmado sua vitória. Deveria ter autorizado o ministro da Fazenda a constituir sua equipe para definir os eixos centrais da política econômica, visando apresentá-la no início do governo. Já o ministro da Casa Civil deveria ter montado toda a estrutura e funcionalidade do governo.
Para que a economia volte a se expandir e crescer, para que retornem os investimentos e a geração de empregos, os agentes econômicos precisam ter um horizonte de estabilidade e previsibilidade e o governo precisa gerar confiança. As incertezas e a falta de confiança adiam a tomada de decisões. E, até por isso, os ruídos e as críticas internas, as palavras duvidosas, as sinalizações ambivalentes e os apoios tíbios aumentam as incertezas e postergam as decisões de governo. O governo, no seu corpo interno e a sua base política mais fiel, precisa de uma condução política forte e unificante.
Sem essa condução, além de gerar incertezas na economia, provoca uma dispersão e uma frouxidão de apoios daqueles setores políticos menos comprometidos. Por isso, a capacidade de condução política interna e de sua base fiel é condição para que o governo consiga imprimir uma direção política de sua base mais ampla no Congresso e de gerar confiança na sociedade e nos agentes econômicos. É preciso acelerar e explicitar o programa de condução da economia. O programa de condução econômica será o centro de gravidade do governo, o fator que decidirá o seu sucesso ou seu fracasso. Os erros de comunicação decorrem também da falta de clareza no que fazer.
Aldo Fornazieri
Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política e autor de "Liderança e Poder"
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