A TERCEIRA NOITE

Perdia pra sempre um tanto irrecuperável da própria dignidade

Fonte: José Danilo Rangel - Publicada em 03 de janeiro de 2025 às 16:15

A TERCEIRA NOITE

Estendeu o papelão sobre o piso frio
do hospital, ajeitou um lençol em cima,
olhou em volta, exausto e triste.

Pela primeira vez em três dias, 
esticaria o corpo. E dormiria.

Era o jeito. 

Queria ir pra casa, não podia. 
Tinha que ser forte, era o único jeito. 
Tinha que aguentar. Era o preço:
Passar por aquela humilhação.

Tivesse dinheiro, era outra história.
Não tinha. Tinha que suportar
aquilo tudo.

Pela primeira vez em três dias, 
não passaria a noite em uma 
cadeira,

Conseguiu se deitar, cobriu a cara
com o lençol azul. Quis chorar.
Não soube.

Sabia que ia ser difícil, mas não 
que seria tanto.

Era a terceira internação já 
e já queriam mandá-lo embora,
de novo, pra esperar em casa. 

Esperar em casa, tá bom!

Sabia que se fosse pra casa,
ia morrer antes da ligação, tinha 
que ficar ali, tinha que aguentar.

Precisava da cirurgia na coluna.

A dor, o sono, o peso daquilo tudo
era muito maior do que a vaidade
— do que ele imaginava ser vaidade.

Deitado ali, abaixo de todos os outros,
pacientes, técnicos, enfermeiros,
acompanhantes, ouvia os passos,
o vai e vem

E se sentia só como nunca antes, 
nunca tinha se sentido tão inútil
e incapaz, tão vulnerável, tão 
desamparado

A mulher precisava trabalhar.
Os filhos ainda pequenos.

Só Deus mesmo, só Deus!

A dor nas costas diminuiu 
um pouco, a solidão não, o medo
não.

Perdia pra sempre um tanto 
irrecuperável da própria dignidade.

Sentiu isso.

Era o preço.

A TERCEIRA NOITE

Perdia pra sempre um tanto irrecuperável da própria dignidade

José Danilo Rangel
Publicada em 03 de janeiro de 2025 às 16:15
A TERCEIRA NOITE

Estendeu o papelão sobre o piso frio
do hospital, ajeitou um lençol em cima,
olhou em volta, exausto e triste.

Pela primeira vez em três dias, 
esticaria o corpo. E dormiria.

Era o jeito. 

Queria ir pra casa, não podia. 
Tinha que ser forte, era o único jeito. 
Tinha que aguentar. Era o preço:
Passar por aquela humilhação.

Tivesse dinheiro, era outra história.
Não tinha. Tinha que suportar
aquilo tudo.

Pela primeira vez em três dias, 
não passaria a noite em uma 
cadeira,

Conseguiu se deitar, cobriu a cara
com o lençol azul. Quis chorar.
Não soube.

Sabia que ia ser difícil, mas não 
que seria tanto.

Era a terceira internação já 
e já queriam mandá-lo embora,
de novo, pra esperar em casa. 

Esperar em casa, tá bom!

Sabia que se fosse pra casa,
ia morrer antes da ligação, tinha 
que ficar ali, tinha que aguentar.

Precisava da cirurgia na coluna.

A dor, o sono, o peso daquilo tudo
era muito maior do que a vaidade
— do que ele imaginava ser vaidade.

Deitado ali, abaixo de todos os outros,
pacientes, técnicos, enfermeiros,
acompanhantes, ouvia os passos,
o vai e vem

E se sentia só como nunca antes, 
nunca tinha se sentido tão inútil
e incapaz, tão vulnerável, tão 
desamparado

A mulher precisava trabalhar.
Os filhos ainda pequenos.

Só Deus mesmo, só Deus!

A dor nas costas diminuiu 
um pouco, a solidão não, o medo
não.

Perdia pra sempre um tanto 
irrecuperável da própria dignidade.

Sentiu isso.

Era o preço.

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