A TERCEIRA NOITE
Perdia pra sempre um tanto irrecuperável da própria dignidade
Estendeu o papelão sobre o piso frio
do hospital, ajeitou um lençol em cima,
olhou em volta, exausto e triste.
Pela primeira vez em três dias,
esticaria o corpo. E dormiria.
Era o jeito.
Queria ir pra casa, não podia.
Tinha que ser forte, era o único jeito.
Tinha que aguentar. Era o preço:
Passar por aquela humilhação.
Tivesse dinheiro, era outra história.
Não tinha. Tinha que suportar
aquilo tudo.
Pela primeira vez em três dias,
não passaria a noite em uma
cadeira,
Conseguiu se deitar, cobriu a cara
com o lençol azul. Quis chorar.
Não soube.
Sabia que ia ser difícil, mas não
que seria tanto.
Era a terceira internação já
e já queriam mandá-lo embora,
de novo, pra esperar em casa.
Esperar em casa, tá bom!
Sabia que se fosse pra casa,
ia morrer antes da ligação, tinha
que ficar ali, tinha que aguentar.
Precisava da cirurgia na coluna.
A dor, o sono, o peso daquilo tudo
era muito maior do que a vaidade
— do que ele imaginava ser vaidade.
Deitado ali, abaixo de todos os outros,
pacientes, técnicos, enfermeiros,
acompanhantes, ouvia os passos,
o vai e vem
E se sentia só como nunca antes,
nunca tinha se sentido tão inútil
e incapaz, tão vulnerável, tão
desamparado
A mulher precisava trabalhar.
Os filhos ainda pequenos.
Só Deus mesmo, só Deus!
A dor nas costas diminuiu
um pouco, a solidão não, o medo
não.
Perdia pra sempre um tanto
irrecuperável da própria dignidade.
Sentiu isso.
Era o preço.
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