Acelerar as punições - o saldo do ato pela democracia

"O ato de ontem era necessário e deveria acontecer em todos os próximos janeiros", defende

Tereza Cruvinel
Publicada em 09 de janeiro de 2024 às 14:40

Presidente Lula, ministro Luis Roberto Barroso e senador Rodrigo Pacheco no ato Democracia InabaladaPresidente Lula, ministro Luis Roberto Barroso e senador Rodrigo Pacheco no ato Democracia Inabalada (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

O ato de ontem era necessário e deveria acontecer em todos os próximos janeiros. Já que vivem criando o dia disso e daquilo, o 8 de janeiro deveria tornar-se o Dia da Defesa da Democracia. Os seis oradores do ato no Congresso enfatizaram a importância de recordar a tentativa de golpe para que ela não se repita, mas o saldo político maior foi a unidade dos atores e instituições participantes na defesa de punição exemplar para todos os que foram coniventes, inspiradores, financiadores ou executores do atentado golpista.

Alguns foram mais enfáticos, como Lula (“não há perdão para quem atenta contra a democracia”) e Alexandre de Morais (“todos, absolutamente todos, que pactuaram covardemente com  a quebra da democracia e a instauração de um Estado de exceção, serão devidamente investigados, processados e responderão na medida de suas culpabilidades”). E também Gonet, ao dizer que todos serão punidos, “não importa o status social”. Como o status de ex-presidente, não precisou dizer. A nenhum discurso faltou, entretanto, a defesa da punição.

Esta ordem unida das instituições é o saldo mais concreto do rito de afirmação da democracia celebrado.  Em decorrência, devemos ter agora uma aceleração nos processos judiciais, a começar pelo julgamento dos comandantes da PM do Distrito Federal que estão presos e foram claramente omissos e coniventes com a bandalheira golpista.

Punir, mas também vigiar, zelar pela democracia “todo santo dia”, como disse Lula. E o verbo vigiar, aqui, não vem no sentido usado por Michel Foucault em seu clássico Vigiar e Punir. No sentido de controlar e enquadrar. A vigilância democrática é o zelo constante, o aprimoramento, a tomada de providências para aprofundá-la e fortalecê-la.

Lula e Morais convergiram na defesa da regulação das redes sociais, condenando o “populismo digital extremista”, como fez o ministro. “Nossa democracia estará sempre em risco, enquanto não formos firmes na regulação das redes sociais”. Isso, porém, é mais complexo. Uma solução não será facilitada pelo ato.

Falaram muito em unidade, todos eles. Mas Lula falou de uma outra unidade, não só para defender a democracia formal. Para poucos. Fez isso quando disse que, se foram capazes de resistir juntos ao ataque autoritário, serão capazes de trabalhar juntos, ombro a ombro, por um país melhor e mais justo. Nessa passagem, falava de seu próprio programa de governo, que para avançar precisa de alianças e de apoios dos outros dois poderes. Pedia que a aliança ali representada incluísse também suas propostas,  que  ele tem conseguido aprovar a duras penas, sofrendo algumas derrotas no Congresso.

Mas é preciso falar das ausências. A do presidente da Câmara foi a mais grave, pois nem mesmo o vice presidente da outra Casa sentou-se na mesa. Foi notável a ausência de deputados do Centrão. Dos governadores, 13 compareceram e 14 faltaram. Justamente os de estados em que Bolsonaro ganhou a eleição ou foi bem votado. Nenhum governador do Centro-Oeste compareceu. Do Norte, só o do Pará. Do Sudeste, só o do Espírito Santo. Do Sul, só o do Rio Grande do Sul.

Tais ausências, num ato em defesa democracia, nos informam que a polarização está voltando a se agudizar. Que as forças do outro lado estão atentas e ativas e coesas. Zema ensaiou comparecer mas foi enquadrado.  Quiserem também manter distância de Lula, não engrossar um ato que fortalece Lula. Mas estão também demarcando o próprio terreno e avançarão, se puderem. As punições podem ser uma contenção.

E falemos, por fim, que a tentativa de golpe não veio apenas do inconformismo de Bolsonaro e suas falanges com a derrota, que os levou à tentativa de roubar  a vontade popular que elegeu Lula.  O 8 de janeiro não foi também só a culminância de três anos de pregação golpista, de atos antidemocráticos, de agressões ao Supremo,  de desacreditação do sistema eleitoral, de tentativas de fraudar o pleito com operações da PRF e de impedir a diplomação.

A democracia entrou em modo disfuncional com as manifestações de 2013, que a mídia incensou. A Lava Jato surfou naquela rejeição à política e ao PT e abriu caminho para o golpe contra Dilma.  “Não ficará pedra sobre pedra”, ela previu. Golpearam Lula, prendendo-o e tirando-o do pleito de 2018 que ele venceria. E isso nos levou a Bolsonaro.

Foi de golpe em golpe que chegamos ao 8 de janeiro, e isso também precisa ser aprendido. 

Tereza Cruvinel

Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

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