Acredita quem quer nas pesquisas por aí

Mas as que vimos na imprensa de dezembro para cá, feitas por telefone, na internet ou até mediante entrevistas pessoais, não as refletem

Marcos Coimbra
Publicada em 01 de março de 2020 às 16:52
Acredita quem quer nas pesquisas por aí

O sociólogo Marcos Coimbra questiona as pesquisas de opinião divulgadas em 2020 que são limitadas e dão uma impressão distorcida do que pensa a população e o eleitor: "Quem (...) faz pesquisa política através de entrevistas telefônicas, ou de convites à participação em painéis montados em redes sociais, sabe que exclui do universo uma parcela grande e significativa do eleitorado. Conforme o caso, ignora a maioria"

(Foto: Ricardo Stuckert - PR)

Faz quase três meses que saíram as mais recentes pesquisas nacionais a respeito da popularidade do governo e das tendências de voto para presidente. Foram duas, ambas publicadas nos primeiros dias de dezembro, do Datafolha e do Vox Populi.  

Não quer dizer que, desde então, não tenha havido outras. A questão é saber se essas podem ser consideradas representativas e se faz sentido tratá-las como nacionais, se conseguem (ou, sequer, se tentam) identificar o que o conjunto da população pensa de Bolsonaro e de politica. 

Alguém poderia, por exemplo, querer conhecer as opiniões dos moradores do condomínio Vivendas da Barra a respeito do vizinho capitão. Talvez o tenham em alta conta, talvez o detestem por desmoralizar o endereço. Desde que a abrangência do levantamento fosse claramente indicada, seria apenas o retrato dos sentimentos de uma parcela (ainda que pequena) da sociedade.    

As coisas se complicam quando a limitação de uma pesquisa não é explicitada ou, pior, quando há alertas, mas relegados ao último parágrafo ou ao rodapé do material de divulgação, fazendo parecer que metodologia e amostra são meras “tecnicalidades”. Não é verdade, pois a forma de realização afeta todos os resultados.

O que costuma ficar na memória é o título da notícia, que, na maior parte das vezes, sugere que mostram as opiniões de todos. Mas as que vimos na imprensa de dezembro para cá, feitas por telefone, na internet ou até mediante entrevistas pessoais, não as refletem.

Pesquisas de opinião pública, nem se precisa dizer, não são ciência exata. É de sua natureza que, às vezes, não caracterizem corretamente um fenômeno ou errem na previsão de acontecimentos futuros, mas isso só aumenta a obrigação que os pesquisadores têm de buscar acertar. Um estudo que pretende ser nacional talvez falhe em captar aquilo que o conjunto da população pensa. É preciso, no entanto, que seja desenhado para identificá-lo. 

Quem, em um país com as características sociais e as regras que temos, faz pesquisa política através de entrevistas telefônicas, ou de convites à participação em painéis montados em redes sociais, sabe que exclui do universo uma parcela grande e significativa do eleitorado. Conforme o caso, ignora a maioria. 

Os problemas causados pela exclusão de determinados segmentos não decorrem apenas do tamanho de sua participação na população, mas de ser grande ou pequena a influência de seus atributos naquilo que está sendo investigado. Se, por exemplo, a renda for importante para compreender a propensão de voto (e é), uma amostra de domicílios ligados à rede telefônica é inaceitável se o assunto é eleitoral, dado que os mais pobres não estão representados e deveriam está-lo, pois o que pensam não pode ser deduzido do que dizem os mais ricos.  

Levantamentos on-line com participantes de redes sociais, como os americanos fazem, são admissíveis para diversos assuntos, mas, no Brasil, não para temas políticos. A começar por uma diferença básica entre os dois países: lá, onde o voto não é compulsório, quem vota é politicamente ativo e, portanto, mais disposto a participar de sondagens politicas. Quem topa receber pela internet e preencher um questionário não é tão diferente dos que não concordam. Mas aqui, onde, longe dos momentos eleitorais, não chega a 10% a parcela que busca ou troca informação a respeito de politica no Facebook, no YouTube, no Instagram ou no Twitter? Aqui, onde usuários “políticos” (mesmo passivos) do WhatsApp não chegam a um quarto do eleitorado? Querer saber o que pensa a sociedade e perguntar somente a uma minoria, cheia de particularidades socioeconômicas e atitudinais, é óbvio que não funciona.

É pena que disponhamos de poucas pesquisas, tão frequentes nas democracias modernas, e fiquemos voando às cegas, tendo que imaginar o que pensa o País ou atribuindo opiniões às pessoas de acordo com a vontade do freguês. Enquanto as últimas nacionais já estão velhas e as que foram publicadas depois são raras e limitadas, americanos e europeus as têm novas todo dia.  

É um quadro de baixo investimento que explica a oferta que temos. Sem dinheiro para trabalhar direito, sempre aparece alguém achando que sabe o segredo: faz pesquisa barata, diz que é boa e quer ficar famoso. Na maioria das vezes, não consegue, e a qualidade é a grande sacrificada. 

Mas, para as elites brasileiras, desinteressadas no que pensa o povo e acostumadas a ignorá-lo na formulação de políticas públicas, isso não parece ser um problema. Afinal, para que gastar dinheiro e perder tempo perguntando, se as respostas são irrelevantes?

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

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