Aumento da conta de energia: enfrentar é muito mais que combater-David Pinto Castiel
Enfrentar é posicionar-se de frente; é ter o campo de visão centrado no que se foca. Enquanto o simples combate, por vezes, se trava por meios oblíquos.
(David Pinto Castiel, natural de Porto Velho, é advogado e curador do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito e Justiça)
O combate ao abusivo aumento da tarifa de energia elétrica não pode servir a mero desencargo de consciência, marketing político ou mesmo transferência para o Judiciário, por meio do ajuizamento de ações, de uma responsabilidade que em verdade é do Executivo e do Legislativo. Enfrentar é posicionar-se de frente; é ter o campo de visão centrado no que se foca. Enquanto o simples combate, por vezes, se trava por meios oblíquos.
E é enfrentando o problema do acesso à energia que se percebe que a simples geração não resolve o problema. Haja vista o que acontece em Rondônia, com duas superusinas hidrelétricas, rio cheio, mas o povo tendo que arcar com, além do absurdo aumento temporário da bandeira vermelha, como se o rio estivesse seco, um imoral aumento de 25% em sua conta de energia. Então, para enfrentar verdadeiramente o problema, é necessária a coragem de propor uma mudança do modelo energético.
Com sua produção concentrada, a energia hidrelétrica está longe de ser o modelo mais adequado a uma região de dispersão populacional tão acentuada como a Amazônia. Os escândalos de corrupção envolvendo as grandes empreiteiras são suficientes para entender quais os interesses que na verdade foram atendidos com a construção das usinas do Madeira. As vozes que fizeram ecoar a mentira de que as “usinas já” nos trariam desenvolvimento hoje simplesmente se calam, ou por vergonha ou por falta de.
O desinteresse governamental pelo acesso da população à energia solar só pode ter um motivo: o interesse em manter esse esquema de corrupção e concentração de capital na mão de grupos privados e de estrangeiros, que os governos ditos populares se encarregaram de consolidar ao longo dos últimos vinte anos. Nada justifica que o acesso a uma energia de baixo custo de geração e baixíssimo impacto ambiental seja um artigo de luxo. Portanto, se ainda resta alguma decência à classe política, então que se proceda já à desoneração tributária das placas solares.
Como pode um governo estadual que vergonhosamente se jogou nos braços das usinas, concedendo-lhes vultosas isenções tributárias, não ser capaz de promover a desoneração da alíquota de ICMS sobre o modelo desconcentrado e ambientalmente correto de produção de energia? Como pode o Governo Federal falar em aceleração do crescimento, extorquindo em 10%, com o imposto de importação, a compra de placas fotovoltaicas? E também o Município morder no ISSQN na instalação e manutenção dos sistemas de energia solar?
Passa da hora que o povo vá às ruas, cerque os palácios, promova passeatas para exigir que sua dignidade seja respeitada, que não seja submetido à cobrança vexatória com corte de fornecimento, a qual existe para alimentar a indústria da religação; passa da hora que as universidades deixem por um momento de lado suas pautas ideológico-partidárias e abracem a discussão da popularização do acesso à energia solar.
Uma liminar para depois ser revogada não resolverá o problema. Um decreto legislativo para depois ser declarado inconstitucional também não resolverá o problema. Maior do que a revolta diante do indecente aumento previamente negociado com os grupos empresariais deve ser a inteligência de propor um novo modelo, que corrija efetivamente esses absurdos e que nos aproxime do Brasil que merecemos ter, da Rondônia que nos dispomos a construir e da Porto Velho que nos seja digna. A energia solar é o caminho. O sol é para todos.
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