Bomba-relógio: paciente com doença rara progressiva pode ter dificuldade de acesso a tratamento para todos os estágios

Além de lidar com os problemas decorrentes da condição, Laudeci Alves, diagnosticada há dois anos com amiloidose hereditária por transtirretina (hATTR), teme a evolução da enfermidade por falta de medicamento disponível no SUS

Assessoria
Publicada em 06 de dezembro de 2021 às 11:46
Bomba-relógio: paciente com doença rara progressiva pode ter dificuldade de acesso a tratamento para todos os estágios

Os pacientes com doenças raras enfrentam uma corrida contra o tempo. Primeiro, precisam obter o diagnóstico correto, que nem sempre é fácil ou rápido de conseguir. Depois, têm que lidar com a incerteza de existir um remédio para a condição. Por fim, ainda precisam superar as dificuldades de acesso à terapia. Quando a enfermidade é progressiva, como no caso da amiloidose hereditária por transtirretina (hATTR), o "tic-tac" não para ao final desta jornada e a bomba pode explodir a qualquer momento.

Isso porque, atualmente, a única droga disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) atende apenas ao estágio inicial da doença, sendo ineficaz à medida que ela evolui. Uma nova opção terapêutica indicada para o segundo estágio ainda precisa ser analisada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), para que seja disponibilizada gratuitamente aos pacientes. Laudeci Alves, 62, que realiza o tratamento para o estágio I há dois anos pelo SUS, teme que a doença evolua mais rápido do que o processo brasileiro de incorporação. "Eu faço tratamento, porém, sei que para o próximo estágio ainda não existe nenhuma droga disponível no SUS e temo que o medicamento atual não seja o suficiente para me ajudar".

A hATTR é uma doença genética, rara e de rápida evolução. Se não tratada adequadamente, causa o acúmulo de proteínas nos tecidos dos órgãos, mudando a estrutura e o funcionamento deles, podendo levar a pessoa ao óbito em até 10 anos, após o início dos sintomas. (1) Na contramão da maioria dos pacientes, que demora cerca de 5.9 anos para obter o diagnóstico (3), o de Laudeci foi relativamente rápido. "Dois anos atrás fui em busca de um ortopedista após sentir dores nas pernas, na coluna e dormência nos pés que não passavam. Ao solicitar alguns exames, que deram todos normais, e diante do meu histórico familiar, que já contava com casos confirmados, o médico me indicou procurar um neurologista, pois poderia se tratar de amiloidose hereditária por transtirretina. Após realizar um teste genético, tive a confirmação do diagnóstico", conta. A paciente, moradora do estado da Bahia, explica que sua preocupação se estende a outros membros da família. "Tenho familiares diagnosticados. São muitas pessoas que podem ficar sem um tratamento eficaz até que a nova terapia seja disponibilizada", lamenta.

Enquanto o novo tratamento não é disponibilizado pelo SUS, dezenas de pacientes continuam utilizando o único medicamento aprovado, mesmo que esse já não seja a melhor opção para o estágio em que se encontram. Por se tratar de uma doença degenerativa, esses indivíduos perdem também qualidade de vida. Por isso, o acesso ao tratamento adequado é essencial para desacelerar e até mesmo pausar o avanço da doença. "É necessário um empenho e agilidade dos órgãos responsáveis pela inclusão de medicamentos, principalmente para doenças raras como a hATTR, pois esses pacientes estão em uma luta contra o tempo. O acesso à um arsenal terapêutico eficaz é um direito desses indivíduos", afirma Liana Ferronato, presidente da Associação Brasileira de Paramiloidose (ABPAR), entidade que oferece informações, orientações e acolhimento para pacientes portadores da condição e seus familiares.

Sobre Amiloidose Hereditária por Transtirretina

Conhecida também como polineuropatia amiloidótica familiar (PAF-TTR), a amiloidose hereditária por transtirretina é uma doença genética, rara, progressiva e que acomete diversos nervos devido ao acúmulo de fibras proteicas chamadas amiloides nos tecidos, que altera a estrutura e função deles. A transtirretina (TTR) é uma proteína produzida pelo fígado que, devido a mutações genéticas, alteram de formato e formam fibras endurecidas que ficam depositadas nos órgãos e tecidos. (3)

Alguns dos sintomas são: neuropatia autonômica, disfunção gastrointestinal, manifestações oculares, distúrbios cardíacos, comprometimento da função renal ou síndrome do túnel do carpo, que causa formigamento nas mãos e braços. (4) Além disso, trata-se de uma doença genética em que cada filho ou filha tem 50% de chance de herdar o gene da mãe ou do pai, independente dos sintomas se manifestarem. (5)

O diagnóstico pode ser feito por teste genético, biopsia tecidual ou exames cardíacos. O tratamento pode ser feito por terapias que visam desacelerar o acúmulo das proteínas nos tecidos e pode ser necessário o transplante de fígado. Além disso, por ser uma doença que afeta diferentes partes do corpo, é essencial que os pacientes contem com uma equipe médica multidisciplinar.(2)

Referências

1. PINTO, Marcus Vinicius et al. Brazilian Consensus For Diagnosis, Management And Treatment Of Transthyretin Familial Amyloid Polyneuropathy. Arquivos de Neuro-psiquiatria, [s.l.], v. 76, n. 9, p.609-621, set. 2018. FapUNIFESP (SciELO). DOI. Disponível em: link. Acesso em: 21 ago. 2019.

2. Adams D, Suhr OB, Hund E, Obici L, Tournev I, Campistol JM et al. First European consensus for diagnosis, management, and treatment of transthyretin familial amyloid polyneuropathy. Curr Opin Neurol. 2016 Feb;29 Suppl 1:S14-26. Disponível em: link. Acesso em: 22 de jul. 2021.

3. Gertz MA. Hereditary ATTR amyloidosis: burden of illness and diagnostic challenges. Am J Manag Care. 2017 Jun;23(7 Suppl):S107-S112. Review. PubMed PMID: 28978215. Disponível em: link. Acesso em: 27 de jul. 2021.

4. LOPES, Alice et al. Life Paths Of Patients With Transthyretin-related Familial Amyloid Polyneuropathy: A Descriptive Study. Journal Of Community Genetics, [s.l.], v. 9, n. 1, p.93-99, 19 out. 2017. Springer Nature. DOI. Disponível em: link. Acesso em: 22 jul. 2021.

5. Sekijima Y. Hereditary Transthyretin Amyloidosis. 2001 Nov 5 [Updated 2018 Dec 20]. In: Adam MP, Ardinger HH, Pagon RA, et al., editors. GeneReviews® [Internet]. Seattle (WA): University of Washington, Seattle; 1993-2020. Disponível em: link. Acesso em: 22 de julho de 2021.

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