CPI das Fake News: especialista alerta para manipulação virtual nas eleições de 2020
Uma operação de impulsionamento de conteúdo e destacou que as cidades brasileiras podem estar vulneráveis à colheita de dados de usuários para alimentar essas operações
À mesa, o delegado de Polícia Civil Alessandro Barreto; o presidente da Safernet, Thiago Tavares Nunes de Oliveira; presidente da CPMI, Angelo Coronel; e representante da Associação de Estudos e Prevenção do Suicídio, Carlos Felipe D'Oliveira
A CPI das Fake News realizou audiência pública nesta terça-feira (29) sobre os riscos do uso de estratégias de manipulação de conteúdo virtual nas eleições do ano que vem. A comissão parlamentar mista de inquérito que investiga notícias falsas nas redes sociais e assédio virtual recebeu Thiago Tavares Nunes de Oliveira, fundador da ONG SaferNet Brasil, que lida com segurança na internet.
Ele explicou como funciona uma operação de impulsionamento de conteúdo e destacou que as cidades brasileiras podem estar vulneráveis à colheita de dados de usuários para alimentar essas operações.
— O dado pessoal é a matéria prima para campanhas massivas de desinformação. Enquanto o foco está voltado para as grandes plataformas, ninguém está olhando para a fonte rica que são os provedores de acesso. No caso brasileiro, quase 40% das conexões são prestadas por pequenos e médios provedores, que têm atuação municipal e não estão submetidos à mesma carga regulatória.
Tavares delineou a forma como se promove uma campanha de propaganda na internet, a partir da identificação de usuários-alvo. Primeiro, cria-se um conteúdo “inflamatório” que é injetado numa “bolha” virtual, que vai funcionar como uma câmara de eco, gerando interações. Para esse objetivo, não interessa se as reações são positivas (curtidas e compartilhamentos) ou negativas (críticas e contestações), porque o importante é movimentar o conteúdo.
— Essas interações são entendidas pelos algoritmos da plataforma como um sinal de relevância e autoridade. Os algoritmos são manipulados a acreditar que aquela conta tem relevância maior do que as demais, de modo que os próximos conteúdos terão uma relevância orgânica maior.
O destaque obtido pela mensagem pode atrair a atenção da mídia tradicional, transformando-a em “assunto do momento” e gerando ainda mais repercussão. O processo é adaptado para vários contextos e repetido.
Tavares observou que, segundo pesquisas internacionais, esse método não é exclusivo de nenhuma linha ideológica e pode ser aplicado sobre qualquer tipo de conteúdo e para qualquer tipo de finalidade. Isso faz com que não haja uma “bala de prata” contra o problema das fake news.
— Tentativas açodadas de criminalizar o envio de conteúdos falsos têm se revelado um tiro no pé, porque põem em risco as liberdades de expressão, de opinião, de imprensa. Não estamos falando de notícias imprecisas, é algo muito maior, que envolve a utilização massiva de dados pessoais para a amplificação de conteúdos deliberadamente criados para manipular algoritmos e gerar engajamento.
A recomendação do especialista foi dar foco a medidas que aumentem a capacidade das instituições de detectarem e responderem a esse tipo de interferência e que fortaleçam a transparência e a prestação de contas das empresas de tecnologia.
Exploração e assédio
A audiência também abordou ameaças de exploração sexual e assédio moral através da internet. A CPI mista ouviu Alessandro Barreto, coordenador do Laboratório de Inteligência Cibernética, uma divisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O Laboratório alimenta a Operação Luz na Infância, que investiga desde 2017 a exploração sexual de crianças e adolescentes em todo o país. A quinta fase da operação foi deflagrada em setembro.
A Luz na Infância já prendeu em flagrante cerca de 600 pessoas. Não há um padrão de faixa etária ou ocupação entre os criminosos descobertos. O trabalho do Laboratório, explicou Barreto, é identificar indivíduos que armazenam conteúdo predatório contra crianças e adolescentes e acionar os órgãos de segurança locais.
Barreto, que é delegado da Polícia Civil do Piauí, relatou que a legislação brasileira ainda tem falhas que atrapalham a proteção de jovens no ambiente virtual. É preciso obter ordem judicial para conseguir um IP (número de identificação de um computador), apesar de essa informação não carregar nenhum conteúdo pessoal do usuário. As penas para abuso e exploração sexual de menores também são pequenas, segundo ele.
O médico Carlos Felipe D’Oliveira, da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção de Suicídio (Abeps), falou à comissão sobre o cyberbullying. Ele afirmou que as taxas de suicídio no Brasil aumentaram em 10% desde 2013, e o tema não comporta soluções bruscas para a obtenção de resultados imediatos.
Em 2006 o Ministério da Saúde estabeleceu as Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio, que incluem a visibilidade. Conforme explicou D’Oliveira, hoje é possível falar do assunto mais abertamente. Na opinião do médico, o Brasil precisa implementar um plano de prevenção regionalizado, porque as taxas de suicídio têm características diferentes para regiões diferentes. No interior, por exemplo, a circulação instantânea de conteúdo privado (através de aplicativos de compartilhamento de mensagens, por exemplo) tem impacto maior do que nas grandes cidades, já que os círculos sociais são mais compactos.
No caso do assédio virtual, é preciso não se deixar levar pelo diagnóstico imediatista. D’Oliveira afirmou que o suicídio é a culminação de vários fatores de risco, e não é resultado apenas de “ver uma mensagem na internet”. A rede mundial de computadores, inclusive, tem recursos que podem ser trabalhados como fatores de proteção.
A SaferNet também atua na vigilância virtual contra a exploração sexual e o assédio. Thiago Nunes de Oliveira explicou que, em 12 anos de existência, a ONG – que integra uma rede internacional de hotlines, a INHOPE — já ajudou a derrubar cerca de 25 mil páginas em mais de 100 países, a partir de 4 milhões de denúncias anônimas. Mais da metade das denúncias se referia a crimes de ódio.
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