Crédito estudantil próprio dobra em faculdades privadas

Além de ofertar financiamento próprio, as instituições também concedem descontos.

Mariana Tokarnia – Repórter da Agência Brasil / Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil
Publicada em 30 de maio de 2019 às 12:09
Crédito estudantil próprio dobra em faculdades privadas

Instituições de ensino superior privadas apostam no crédito estudantil para atrair e manter estudantes. A porcentagem de calouros matriculados no ensino superior que usam algum financiamento ofertado pelas próprias instituições de ensino quase duplicou em três anos, passando de 14,4% em 2014 para 28,3% em 2017.

Os dados, baseados no Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), foram apresentados ontem (29) pelo Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior do Brasil.

Além de ofertar financiamento próprio, as instituições também concedem descontos. Em média, a mensalidade dos cursos superiores no Brasil custa R$ 444, segundo o levantamento. O desconto médio aplicado no país é de 20,4%.

O ensino superior privado reúne a maior parte dos estudantes, cerca de 75% dos estudantes estão matriculados em instituições particulares.

Mudança de perfil do aluno

A Fundação Hermínio Ometto (FHO), localizada em Araras (SP), foi uma das pioneiras na concessão do crédito próprio. Em 2008, a FHO lançava o Pagfácil, que permite aos estudantes pagar até 50% da mensalidade após concluírem o curso. Se um curso dura quatro anos, por exemplo, o aluno vai passar oito anos – os quatro do curso e mais quatro após concluir a graduação – pagando o equivalente à metade da mensalidade. O pagamento do crédito é feito apenas com os reajustes anuais das mensalidades, sem a incidência de qualquer taxa ou juros.

 “A gente identificou que o crédito estudantil no Brasil era ínfimo quando comparado com outros países como os Estados Unidos e isso veio junto com uma mudança muito grande do perfil de aluno, com um acesso das classes C e D ao ensino superior, que antes não tinha. E os estudantes têm necessidades diferentes”, disse o diretor Administrativo-financeiro da Fundação Hermínio Ometto, Francisco Elíseo Fernandes Sanches.

Segundo ele, cerca de 80% dos estudantes da instituição vêm de escolas públicas. Atualmente 60% dos alunos são beneficiados pelo crédito. “De fato tivemos sucesso. Desde então tivemos um crescimento significativo das matrículas e temos índices de evasão inferiores à média do mercado”. Sanches ressalta que o crédito é um dos fatores que levou a esses resultados. Além disso, a instituição também fez investimentos pedagógicos que ajudaram a atrair mais alunos.

Preço importa

Diante de um orçamento familiar apertado, o preço das instituições e os incentivos que oferecem é fundamental na hora de escolher uma faculdade. Outro estudo, o Panorama do Ensino Superior Privado do Brasil 2018, do Quero Bolsa, plataforma online em que estudantes podem obter descontos em instituições de ensino, mostra que o valor das mensalidades é o principal fator, tanto na escolha da instituição de ensino – os estudantes acabam escolhendo a instituição com base no preço –, quanto de abandono do curso, quando não conseguem mais pagar os estudos. Cerca de 50% dos estudantes apontaram a questão financeira como motivo de ingresso ou de evasão.

Segundo o diretor executivo do Semesp, Rodrigo Capelato quando a escolha é feita apenas pelo custo, é mais fácil o estudante desistir antes de concluir os estudos. “Quando o estudante ingressa com a questão do dinheiro resolvida e não tem que escolher só por conta do preço, ele acaba evadindo menos, porque escolhe melhor o curso. Só tem efeitos positivos”, diz. Nesse sentido, os incentivos são importantes para que se tenha um melhor aproveitamento e ingresso.

De acordo com a pesquisa feita pelo Quero Bolsa, a maior parte dos estudantes de graduação pertence à classe B ou C. A renda per capita varia entre uma média de R$ 1.563,78 na região Sul e R$ 806,19, na região Nordeste.

Entidades externas  

Outra opção, para além de oferecer crédito próprio, é o financiamento com uma chamada entidade externa, como o PRAVALER, que é um correspondente bancário. As instituições firmam um contrato com a entidade e, a partir daí, os estudantes podem pleitear financiamentos. Em 65% dos financiamentos, de acordo com o PRAVALER, as instituições pagam 100% dos juros e os estudantes arcam apenas com a mensalidade, cuja metade pode ser paga após o término dos estudos. Nos demais casos, as instituições arcam parcialmente com os juros.

Essas entidades, de acordo com o levantamento divulgado pelo Semesp, financiam 2,1% dos calouros. Elas já tiveram um peso maior, financiando 4,2% dos estudantes, em 2015.

Segundo o Superintendente de Marketing do PRAVALER, Fábio Castro, as instituições externas ajudam também as instituições com os créditos próprios. A vantagem, segundo ele, é a expertise da entidade com financiamento, o que evita altas taxas de inadimplência, que estavam ocorrendo em algumas instituições que optaram pelo crédito próprio.

Queda no Fies

Segundo Capelato, o aumento dos créditos próprios e dos descontos deve-se também a uma redução do financiamento público. “A crise toda do setor e principalmente no Fies [Fundo de Financiamento Estudantil], faz com que cresça o parcelamento próprio, que é a única saída que os alunos estão tendo. Ou o setor privado oferece isso ou aluno não tem como ingressar”, diz Capelato.

O problema, segundo Capelato, é que as instituições não têm capacidade financeira para ampliar os créditos estudantis a longo prazo. O Semesp defende, como forma de otimizar os recursos públicos ainda existentes, que sejam criadas linhas de crédito subsidiadas e a administração seja feita diretamente pelas instituições de ensino e não por agentes financeiros. “As instituições sabem lidar com os estudantes e, ao mesmo tempo, reduzir o risco de inadimplência”, defende.

Os dados apresentados pelo Semesp mostram que, em 2014, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), ofertado pelo Ministério da Educação (MEC), chegou a liderar o crédito obtido pelos estudantes. Nesse ano, 21,3% dos ingressantes tinham a mensalidade financiada pelo governo. Em 2017, essa porcentagem caiu para 5,7%.

A partir de 2015, o Fies passou por uma série de modificações e restrições. O programa, que chegou a financiar em 2014 mais de 730 mil contratos, oferece hoje 100 mil vagas na modalidade juro zero, voltado para estudantes de baixa renda.

Em audiência pública na Comissão de Educação, na Câmara dos Deputados, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, criticou o Fies dizendo que é uma política equivocada da forma como é executada. Ele ressaltou o alto nível de inadimplência no Fies, que, de acordo com ele, chega a 50%. “Precisamos de política mais calibrada para financiar esses jovens”. Ele garantiu, no entanto, que o financiamento aos estudantes está mantido.

Não apenas o setor privado está sentindo os efeitos orçamentários. As instituições públicas federais tiveram também um contingenciamento de 3,4% dos R$ 49,6 bilhões para 2019. Atualmente, o Ministério da Educação (MEC) tem R$ 5,8 bilhões contingenciados, valor estabelecido pelo Decreto nº 9.741, de 29 de março. O valor representa 3,9% do orçamento do MEC de R$ 149,7 bilhões para 2019.

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