Daniel Silveira traduziu para o povão discurso do general

"O discurso de Daniel Silveira é a tradução do que disse o general para o pesquisador da FGV, mas acessível para os que gritam 'mito', para os que andam de ônibus e para os que convivem de perto com o poder das milícias", escreve a jornalista Denise Assis

Denise Assis
Publicada em 22 de fevereiro de 2021 às 10:53
Daniel Silveira traduziu para o povão discurso do general

Daniel Silveira (Foto: Reprodução/YouTube)

Por Denise Assis, para o Jornalistas pela Democracia - Tive a pachorra de ouvir não uma, mas algumas vezes o vídeo com a fala do ainda deputado federal Daniel (o quê?) Silveira, que obteve na Câmara 364 votos a favor da manutenção da sua prisão, e apenas 130 pela sua liberdade. Isto, depois da unanimidade de 11 X 0 no Supremo Tribunal Federal, onde seu “discurso” caiu como um alerta vermelho de que algo não ia bem no reino da nossa pátria mãe gentil.

E não vai mesmo. Há na sua fala muito mais do que as baixarias do “bilau pequeno” do ministro Edson Fachin e a linguagem miliciana da surra do gato morto. Há um recado. E muito bem dado, para as classes que não frequentam as páginas do livro de memórias do general Villas Boas.

Voltem à cena política da semana passada e só assim podemos entender o contexto em que surge para os seus 15 minutos de fama o tal Daniel do quê. A rejeição a Jair Bolsonaro como presidente da República atingiu seu maior percentual desde junho de 2020, como mostrou pesquisa realizada pelo PoderData entre terça-feira (15) e esta quinta (17). De acordo com o levantamento, 48% dos entrevistados consideraram que a atuação do chefe do Executivo é ruim ou péssima. É importante destacar que quando essas pesquisas vão para a rua o Planalto já tem em mãos os números, detectados pelo GSI. Ou deveria ser assim. Portanto, já havia entre a turma do poder, notícias da queda, sem a receita da “volta por cima”.

Tínhamos em pauta o depoimento vexaminoso do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, concedido intramuros do Exército Brasileiro, à Polícia Federal (uma desonra). Pazuello estava contra a parede por sua inépcia na compra e distribuição das vacinas – sem falar na falta de oxigênio em Manaus. Havia a perspectiva do tombo de 4% do PIB e, ainda, o escândalo das compras milionárias no alto escalão das Forças Armadas. Juntem tudo isto, agora dispam-se do preconceito verbal, abram os ouvidos e coloquem para rodar novamente o vídeo.

Não. Não está ali apenas um “feixe de músculo”. A função é clara. Sofremos um ataque violento de desmonte das instituições e do ambiente democrático de que dispomos com muita luta. Foi ação orquestrada. Na iminência da derrota política, de um descer de ladeira sem fim, a turma do “fim da guerra fria” arquitetou uma jogada decisiva.

De um lado, vinha o general Villas Boas, (de novo ele) disseminando suas ideias e repercutindo o seu discurso para o distinto público letrado. De outro, Daniel, direcionado para os 31% que se aglomeram e passam a quilômetros das páginas de um livro, repetindo o mesmo discurso. Os dois falam as mesmas coisas, mas um tem a sofisticação na medida para os que estudaram, enquanto Daniel, com sua linguagem chula, cantochão – mas cristalina -, dá o recado para o povão.

O discurso de Daniel é a tradução do que disse o general para o pesquisador da FGV, mas acessível para os que gritam “mito”, para os que andam de ônibus e para os que convivem de perto com o poder das milícias.

Não tenham dúvida. Daniel teve uma função naquele momento, bem como Villas Boas e os “empijjamados” do Clube Militar, cuja única função é fustigar a democracia, desde o retorno aos quartéis, em 1985. Na queda, na fragilidade, foram para o “tudo ou nada”, da mesma forma que Bolsonaro, ao se dirigir ontem, aos formandos da Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), em Campinas, disse que se dependesse dele, “não seria esse o regime que estamos vivendo”. Disso sabemos nós. O que não podemos ignorar, é que eles fizeram uma ação orquestrada para todos os públicos.

Estão dispostos a destruir o pacto da transição, montado (sem a nossa anuência) entre Tancredo Neves, o general Leônidas Pires Gonçalves, a Arena arrependida e o MDB conservador. Aqueles senhores desconheceram, naquele momento histórico da “conquista” do colégio eleitoral, a força da sociedade, que depois de 21 anos subjugada ergueu a sua voz nas ruas e participou ativamente da construção da Constituição de 1988, inserindo na Carta direitos que eles odeiam e desde 2016 tentam apagar item por item, artigo por artigo.

A Constituição mandou para casa os agraciados com a “Medalha do Pacificador”, os alunos da “Escola das Américas” e dos generais Golbery e João Figueiredo, professores da grade de formação dos quadros do SNI. Deixou em cena os filhotes da guerra fria, que tremem só em ver uma camiseta vermelha e são formados pelo “Manual de Campanha – Operações Psicológicas”, do Estado Maior do Exército, de que tratei em artigo de 17 de junho de 2020, aqui, no 247.  Caso estejam bem-dispostos, ouçam novamente neste final de semana o vídeo do Daniel. Está lá, o discurso do manual.  E o do general, “traduzido”.

Denise Assis

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada". Membro do Jornalistas pela Democracia

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