Data combate a naturalização do racismo para enfrentar exclusão e violências contra a população negra
Em 2023, Justiça do Trabalho adotou série de medidas voltadas à equidade racial e ao enfrentamento à discriminação
20 de novembro - Dia da Consciência Negra
População negra encarcerada chega ao maior nível da série histórica. Negros representam 78% das pessoas mortas por armas de fogo no Brasil. Negro tem 2,6 vezes mais chances de ser assassinado no Brasil. No Brasil, mulheres negras enfrentam um maior risco de serem vítimas de violência física e sexual. Piora desigualdade educacional entre negros e brancos apesar de melhora média no aprendizado. Desemprego entre negros é 71% maior do que entre brancos, mostra IBGE.
Os dados são reais. As frases são manchetes de notícias veiculadas pela imprensa e dão uma demonstração das consequências atuais de um processo histórico de exclusão social das pessoas negras. Processo este que se materializa de diferentes formas, muitas vezes despercebidas ou negadas.
“Racista, eu?”
Um dos desafios ao enfrentamento do racismo e da discriminação contra as pessoas negras é o não reconhecimento do problema. De acordo com a pesquisa “Percepções sobre o Racismo no Brasil”, iniciativa do Peregum – Instituto de Referência Negra e pelo Projeto SETA (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista), 81% das pessoas ouvidas consideram o Brasil um país racista. Apesar disso, apenas 11% dizem ter atitudes racistas. A coleta dos dados foi feita pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), o antigo Ibope.
“Ou seja, vivemos em uma sociedade racista de pessoas que não se consideram racistas. Essa conta não fecha”, alerta a jornalista e doutora em Comunicação e Linguagem pela Universidade de São Paulo (USP) Rosane Borges, pesquisadora do tema.
Construção histórica; consequências presentes
O Brasil é o país com o maior número de afrodescendentes fora da África; a maior diáspora africana do mundo. Essa parcela da população vivencia os reflexos de uma “desumanização racial” iniciada no período da escravidão e que se prolonga até os dias de hoje, explica a doutora em Literaturas Africanas Aza Njeri. Isso decorre, diz ela, de atos como invasão de territórios, sequestro, cárcere, embarque, travessia, desembarque, leilão, escravidão, pós-escravidão, guetificação e favelização. A partir da década de 1950, ressalta, a consequência tem sido o que ela chama de genocídio da população negra.
O estudo “Violência armada e racismo: o papel da arma de fogo na desigualdade racial”, do Instituto Sou da Paz, mostra que, dos 30 mil assassinatos por agressão armada em 2019, 78% foram contra pessoas negras.
Os efeitos sobre o indivíduo somente são conhecidos por quem vivencia o racismo dia a dia. Muitas vezes, essa experiência se traduz em medo e insegurança. “Uma mãe branca não fica com medo de o filho morrer alvejado com mais de 100 tiros de fuzil, porque isso não ocorrerá com ele”, diz Rosane Borges. No comentário, a doutora em Comunicação faz referência à morte de cinco jovens fuzilados pela polícia militar em Costa Barros, no subúrbio do Rio de Janeiro, em 2015.
Ela alerta, ainda, para o problema da naturalização de ocorrências como essa com a população negra. Para Rosane, a falta de sensibilização e de medidas efetivas para o enfrentamento são formas de invisibilizar o problema e denotam que nem o Estado, nem a imprensa e nem a sociedade encaram que se trata de racismo e exclusão.
A naturalização do racismo
De formas aparentemente mais sutis, outras expressões da discriminação contribuem para perenizar a exclusão. Elas estão presentes no humor, na mídia, na ausência de representatividade da população negra em espaços de poder e de decisão.
Segundo Rosane Borges, é essencial reconhecer a existência dessas formas de racismo, muitas vezes despercebidas, para enfrentar a naturalização do problema. “Nós somos racistas porque naturalizamos isso. Significa dizer que temos uma responsabilidade com a mídia, com os sistemas de representação. Temos de descobrir onde cada um de nós guarda o próprio racismo”.
Enfrentamento na Justiça do Trabalho
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), ministro Lelio Bentes Corrêa, ressaltou que a Justiça do Trabalho vem implementando ações concretas visando à equidade racial. Em agosto deste ano, foi instituída a Política Judiciária Nacional de Trabalho Decente, com o objetivo de uniformizar e aprimorar os serviços da Justiça do Trabalho e ampliar o acesso à justiça. Faz parte dessa política o programa de Equidade de Raça, Gênero e Diversidade, que visa ampliar o escopo de atuação da Justiça Trabalhista para além dos processos judiciais, atuando também na qualificação e formação para lidar com a temática e enfrentar a discriminação.
Neste ano o TST promoveu o “Letramento racial: reeducar para construir”, um curso voltado a profissionais com atuação no Poder Judiciário e que contou, integralmente, com palestrantes negros. Foram discutidos temas como colonialismo, filosofia africana, saúde mental, sistema de justiça e ações afirmativas. Além disso, também realizou “Ver o Invisível - Seminário de Trabalho Doméstico e de Cuidado”, que teve como objetivo dar visibilidade e valorizar a importância individual e coletiva do trabalho doméstico e de cuidados, realizados predominantemente por mulheres, em especial mulheres negras.
De acordo com o presidente, as ações são um marco no reconhecimento institucional da necessidade de reparação histórica para a população negra. “Os Poderes republicanos têm o dever ético de encampar o combate aos reflexos atuais dessa chaga histórica, com destaque para o racismo estrutural e institucional”.
Dia da Consciência Negra
Instituído nacionalmente em 20 de novembro de 2011, o Dia da Consciência Negra é uma forma de promover a reflexão e destacar a importância da inserção negra na sociedade brasileira. É a data da morte de Zumbi dos Palmares, um dos expoentes na luta contra a escravidão no Brasil.
(Nathalia Valente/NP)
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