Derrite: lei endurece no papel, mas falha na prática
Derrite cedeu em trechos polêmicos, mas manteve o fio autoritário que ameaça a autonomia da Polícia Federal — e a fronteira entre justiça e conveniência
Guilherme Derrite (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)
O novo parecer do deputado Guilherme Derrite (PP-SP) sobre o projeto de lei antifacção passou por sucessivas metamorfoses. Nas últimas 24 horas, o relator fez novos recuos: retirou a equiparação de facções ao terrorismo, devolveu à Polícia Federal parte das prerrogativas que havia limitado e reviu trechos que subordinavam a corporação aos governadores. O gesto soou conciliador, mas o texto segue contaminado por ambiguidade: o que se apresenta como cooperação institucional ainda pode se converter em tutela política.
Por trás do verniz técnico, o PL antifacção reflete a velha tentação de submeter o combate ao crime aos humores do poder local. Derrite suavizou a retórica, mas não o propósito. Ao criar mecanismos de “integração operacional”, mantém a brecha para que decisões estratégicas da PF dependam da boa vontade de governos estaduais — muitos deles atravessados por alianças com grupos que orbitam as mesmas estruturas criminosas que afirmam enfrentar.
O relator recuou no texto, mas não na lógica. Trocar autonomia por coordenação é abrir a porta do Estado à conveniência. Em vez de fortalecer a repressão técnica, o projeto preserva a ingerência política sobre a força que mais se mostrou imune a ela. O resultado é um sistema que endurece no discurso e amolece na prática — onde cada parágrafo parece calibrado para satisfazer corporações, partidos e interesses locais.
Mesmo após as alterações, ministros do Supremo Tribunal Federal e juristas de renome sustentam que o texto segue vulnerável a questionamentos constitucionais. A Polícia Federal é a polícia judiciária da União, com competência ampla e autônoma — prerrogativa que não se submete a governadores nem a partidos. Um ministro do STF foi direto: “Toda proposta que dilua essa independência é inconstitucional, por natureza e por intenção.”
Há, é verdade, avanços pontuais: o endurecimento das penas, a criação de presídios federais específicos para líderes de facções e o rastreamento mais rígido de recursos ilícitos. Mas os acertos não bastam para disfarçar a fragilidade estrutural. Derrite atenuou o texto para evitar derrota política, não para resolver o problema da insegurança jurídica que ele próprio criou.
Ao tentar unificar o combate ao crime, o PL antifacção corre o risco de desunir a própria lógica federativa. Quando o crime se nacionaliza e a política se fragmenta, o Estado perde o comando. Derrite buscou um meio-termo que agradasse a todos — e acabou criando um texto que não convence ninguém.
A retórica da “cooperação” continua parecendo altruísta, mas sob o discurso mora um cálculo: preservar a aparência de rigor enquanto se mantém o controle político sobre a PF. O poder estadual ganha espaço; o poder republicano perde oxigênio.
No Congresso, o PL virou metáfora do próprio país: entre o endurecimento e o recuo, entre o dever e o arranjo. A disputa ultrapassa siglas e bancadas — toca a espinha da Constituição e o direito do cidadão de confiar no Estado.
Quando a lei se transforma em teatro, o público paga o ingresso mais caro: o da impunidade mascarada de ordem.
Washington Araújo
Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.
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Comentários
Parece que o PM Derrite se derreteu neste PL da segurança pública.
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