Direito ao esquecimento: condenação penal deve ser considerada como maus antecedentes para individualização da pena
Para MPF, histórico criminoso deve ser considerado em nova condenação mesmo que trânsito em julgado de sentença anterior ultrapasse 5 anos
Em memorial enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, defende que condenações penais anteriores devem ser consideradas como maus antecedentes para efeitos de individualização da pena. Ainda que haja sentença transitada em julgado há mais de cinco anos – o que caracteriza o chamado prazo depurador a partir do qual o condenado não é tido como reincidente –, o histórico criminoso deve ser levado em conta na fixação de uma nova reprimenda.
A manifestação se deu em razão da existência de um agravo regimental do Ministério Público Federal (MPF) no Habeas Corpus 175.083. O recurso se volta contra decisão do ministro Celso de Mello. O magistrado determinou novo cálculo da pena de um condenado, sem considerar como maus antecedentes condenações penais anteriores já atingidas pelo decurso do quinquênio a que se refere o artigo 64, I, do Código Penal. O fundamento utilizado foi o chamado direito ao esquecimento.
No texto, o procurador-geral deixa clara a diferença entre maus antecedentes e reincidência, ambos destinados a dar concretude à individualização da pena. A reincidência é regida pelo princípio da temporalidade, ou seja, ela expira a cada cinco anos após a condenação. Já os maus antecedentes, regidos pelo princípio da perpetuidade, são capazes de tornar a condenação anterior um fator a ser levado em conta na aplicação de penas futuras. Isso porque o passado não é apagado, e a biografa fornece elementos importantes sobre a periculosidade de um infrator. “Ignorar os maus antecedentes traduz um posicionamento de indiferença não apenas à lei e ao legislador, mas ao Direito conglobadamente considerado. A consequência é um efeito cascata”, avalia Augusto Aras.
No Brasil, prossegue o PGR, a aceitação ao direito ao esquecimento ainda é controvertida e objeto de disputa acadêmica, pois o texto constitucional não acomoda com facilidade essa pretensão – a linguagem constitucional não é clara sobre o assunto. Mais recentemente, passou-se a admitir a existência do direito ao esquecimento no âmbito cível. No entanto, “a extensão do direito ao esquecimento para o âmbito penal há de ser vista com máxima prudência”, pondera. Deve-se levar em conta, por exemplo, que uma pessoa sem nenhum antecedente criminal não merece, em uma condenação, ser tratada da mesma maneira que outra cuja pena foi extinta há cinco anos.
Para Aras, é preciso considerar os maus antecedentes, mas numa dinâmica que prestigie proporcionalidade na elevação da reprimenda para fixação da pena-base. “Se a condenação é mais longínqua, menor será a exasperação. Se mais recente, tanto maior. Com isto, preservam-se os princípios da individualização da pena, da legalidade, da isonomia e da própria ideia de esquecimento”, sugere.
No documento, Augusto Aras considera fundamental a implementação de ações que objetivem conscientizar a sociedade de que a importância da prevenção da reincidência criminal passa pela oferta de oportunidades de estudo, capacitação profissional e trabalho para detentos e ex-detentos. Cita como exemplo o programa Começar de Novo, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Iniciativas desta natureza, acompanhadas de políticas públicas humanitárias, prestam obséquio à dignidade humana. Disso não se segue, entretanto, que um fim legítimo possa ser alcançado à revelia da legislação democraticamente elaborada no Parlamento brasileiro”.
Pedido – Ao final, o procurador-geral da República se manifesta pelo provimento do agravo interposto, para assentar a possibilidade de utilização de maus antecedentes na concretude da individualização da pena.
Íntegra do memorial no HC 175.083
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