EFMM, a Paris dos trópicos
Como é que um visitante vai querer explorar a “história fascinante” da EFMM se ela já nem existe mais? Como ter uma “experiência memorável”
Fala-se que a administração do PT gastou no início desse século a bagatela de 13 milhões de reais para recuperar a Praça da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré em Porto Velho. Já a atual administração gastou cerca de 30 milhões de reais, mas a “escondeu” da população por longos cinco anos. Só agora em 2024, como sempre em ano de eleições, foi feita com pompas e estardalhaços a reinauguração do referido elefante branco. A velha EFMM foi realmente um marco na história da humanidade. Remonta ainda ao Primeiro Ciclo da Borracha passando pelas guerras mundiais e também pela aquisição do Acre. Não restam dúvidas de que sua importância para a criação do município de Porto Velho, capital de Roraima, foi notória. Inaugurada em 1912, a “dormente de ouro” nunca teve reconhecimento. Os seus trilhos hoje se espalham pela cidade como proteção de calçadas.
A Ferrovia do Diabo (e não de Deus) é a “mãe” de Porto Velho, mas há muito tempo os habitantes daqui lhe viraram as costas. E o vergonhoso cemitério de locomotivas enferrujadas e apodrecendo abandonadas no meio do matagal é a prova mais cruel desta constatação. De um modo geral, os rondonienses não gostam mesmo de sua velha, feia e desajeitada mãe. Na enchente histórica de 2014, por exemplo, deixaram-na se afogar nas caudalosas águas do rio Madeira. Tempo havia para salvá-la da derrocada final, já que as águas chegavam ali mansamente, mas os rondonienses e também os “rondonienses de coração” preferiram ver o espetáculo da sua própria história se afogando. Insensíveis ao seu sofrimento e à sua importância, deixaram todo o seu acervo ao léu e à lama. E o descaso com ela não para, já que logo ali ao lado tem um porto abandonado enferrujando.
A EFMM talvez não atraia muita gente para vê-la. Muitas pessoas gostam mesmo é só de ver o pôr do sol dali, ainda que em meio aos urubus, ratos, catinga e lixo. Além do mais, a capacidade intelectual de muitos cidadãos locais faz com que a importância histórica da velha ferrovia e o turismo sejam atividades sem sentido. E mesmo quando não havia tanta burocracia para lhe poder visitar, só apareciam por lá raríssimas pessoas. Porto Velho não tem turismo. Em vez de revitalizar algo que certamente não lhe darão a menor importância, deviam era limpar aquela imunda e fedida beira de rio e quem sabe um dia construir ali um porto de passageiros decente e uma boa pista de caminhadas como em Santarém no Pará ou mesmo Manaus. A entrada será gratuita, mas mesmo assim a velha praça pode ficar jogada às moscas e voltará a servir só para os espetáculos circenses.
Em matéria de turismo, Porto Velho lamentavelmente é o oposto do mundo dito civilizado. Com tanta sujeira e imundice nas suas ruas, violência, falta de saneamento básico, de arborização, mobilidade urbana e infraestrutura de cidade, não somos nem nunca seremos a “Paris dos trópicos”. Enquanto Veneza, Madri, Machu Picchu, Paris, Barcelona, Tóquio e tantos outros paradisíacos destinos mundiais criam barreiras para lhes visitarem, a “capital das sentinelas avançadas” patina em organização, mas hoje implora para que venham conhecê-la. Se o turista adoecer aqui, onde será internado? Nem “Built to Suit” nós temos. E como chegar a um lugar que nem bom aeroporto, nem porto, nem voos regulares, nem boa receptividade existem? Como é que um visitante vai querer explorar a “história fascinante” da EFMM se ela já nem existe mais? Como ter uma “experiência memorável” ao lado de um barranco sujo, íngreme, seboso e escorregadio?
*Foi Professor em Porto Velho.
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