Eleitores de Lula tomaram 38% mais doses de vacinas contra a Covid do que os de Bolsonaro

Levantamento inédito do Centro de Estudos Sou_Ciência, em parceria com o Instituto Ideia, cruza dados de eleitores e de diversos grupos sociais sobre vacinação, tratamentos e reparação de crimes na gestão da pandemia

Assessoria/Foto: Agência Brasil
Publicada em 11 de setembro de 2023 às 10:57
Eleitores de Lula tomaram 38% mais  doses de vacinas contra a Covid do que os de Bolsonaro

Se ainda havia dúvidas de que o discurso antivacina de Jair Bolsonaro influenciava seus eleitores, não há mais. Levantamento realizado pelo Centro de Estudos SoU_Ciência, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), em parceria com o Instituto Ideia, revela que os eleitores do ex-presidente tomaram 58 milhões de doses a menos de vacinas contra a Covid-19 do que os do atual presidente. Considerando o sistema vacinal completo, os que votaram em Lula receberam 38% a mais de doses dos imunizantes contra a Covid-19 do que os eleitores de Bolsonaro.

Esse índice confirma a diferença da adesão a outras campanhas de vacinação (como sarampo, poliomielite e influenza) por lulistas e bolsonaristas: 83 % e 65%, respectivamente. No caso da vacinação infantil contra a Covid-19, a disparidade é ainda maior. 76% dos eleitores de Lula são favoráveis e apenas 39% dos eleitores de Bolsonaro concordam. Pedro Arantes, professor da Unifesp e um dos coordenadores do Sou_Ciência, comenta que “os negacionistas da vacina perderam a batalha contra a vacinação de adultos contra a Covid-19, mas atacaram fortemente a vacinação infantil e produziram grande impacto, como mostram esses números”. Para vacinação infantil contra a Poliomelite e Sarampo, há ainda diferença entre lulistas e bolsonaristas, mas o grau de concordância é muito superior: 92% e 84%, respectivamente.

Quando o tema é confiança em vacinas, novamente a disparidade entre eleitores é enorme. Apenas 38,4% do total dos bolsonaristas concordam que “as vacinas são amplamente testadas e têm eficácia comprovada”, contra 75% dos eleitores do petista. 13% dos eleitores de Bolsonaro disseram que habitualmente tomavam vacinas, mas deixaram de fazê-lo na pandemia do novo coronavírus.

Esses dados estão na “Pesquisa de Opinião Covid-19, Vacina e Justiça”, que ouviu 1.295 entrevistados, via telefone celular, de todas as regiões do país, com idade igual ou superior a 18 anos. As entrevistas foram feitas entre os dias 5 e 10 de julho, com intervalo de confiança de 95% e margem de erro de 3%.

“É o primeiro estudo no Brasil que coloca a hesitação ou engajamento vacinal, tratamento, sequelas, justiça e reparação pós-pandemia, cruzando com outros fatores como as condições socioeconômicas, religião, raça/cor, escolaridade, além da dimensão política-ideológica”, destaca Pedro Arantes. “O objetivo do estudo é avaliar quais fatores ampliaram riscos e orientaram condutas na pandemia e suas consequências, e como as diferentes parcelas da opinião pública se posicionaram diante desses temas. Há marcadores de classe, escolaridade e posição política muito nítidos em várias das respostas. Vacinas se tornaram hoje um tema da polarização política e não só de saúde pública”, explica.

Adesão e desistência – A diferença de eleitores dos dois oponentes que afirmaram ter tomado ao menos uma dose da vacina contra a Covid é de seis pontos: 97% de lulistas e 91% de bolsonaristas. Contudo, há diferenças mais significativas na medida em que esquema vacinal avançou. Entre os lulistas, 24% tomaram a quarta dose; entre os bolsonaristas, 14%. Na quinta dose (bivalente), foram 28% e 11%, respectivamente. O engajamento dos bolsonaristas na vacinação caiu ao longo do ano eleitoral, dada a polarização política, o que limitou seu acesso à bivalente.

Na relação dos dados da pesquisa (respondentes que afirmaram ter tomado ao menos uma dose) com o número de votos no segundo turno do pleito de outubro do ano passado, os eleitores de Lula tomaram cerca de 212 milhões de dose dos imunizantes contra a Covid-19; os de Bolsonaro, 154 milhões – diferença de 58 milhões de doses, ou 38% a mais de doses tomadas pelos eleitores do atual presidente da república.

Entre os respondentes da pesquisa que desistiram de completar o esquema vacinal, as principais justificativas foram por achar que uma ou duas doses eram suficientes (15% lulistas; 22% bolsonaristas), deixaram de confiar na vacina (10%; 25%) e tiveram medo dos efeitos colaterais (19% e 28%). A maioria dos eleitores de Lula que não continuou o esquema vacinal completo alegou "esquecer", "não ficar sabendo" ou "não conseguir tomar" (45%).

“Sem campanhas do governo federal em favor da vacinação completa, setores ligados à direita, evangélicos e eleitores de Bolsonaro foram os que mais se desengajaram da vacinação”, afirma Soraya Smaili, professora titular da Escola Paulista de Medicina e coordenadora do Sou_Ciência.

O peso do perfil socioeconômico – Renda, escolaridade e religião são fatores importantes para a adesão às vacinas: 63% dos que recebem até um salário-mínimo afirmaram que sempre aderiram às campanhas, índice que sobe para 84% entre os que ganham de três a cinco salários-mínimos e para 77% entre os que recebem mais de cinco salários. Dos respondentes que concluíram até o ensino fundamental, a adesão à vacina é de 57%; entre os com o ensino superior, de 81%.

“Vale enfatizar que a população mais pobre, mais vulnerável à desinformação, tomou 50% a menos de vacina bivalente do que os mais ricos, e que católicos tomaram quase três vezes mais a vacina bivalente que os evangélicos”, detalha Soraya.

Em sua avaliação, “é evidente que as campanhas de desinformação sobre a vacinação, em especial a vacinação infantil contra Covid-19, geraram impactos na adesão da população à vacina. Por isso, são ainda muito necessárias campanhas específicas para informar os mais vulneráveis e que foram impactados pelo negacionismo divulgando dados científicos e confiáveis sobre o tema”.

“Kit Covid” afetou mais os mais pobres – O fator renda também influenciou diretamente no tratamento que os pacientes infectados receberam. Medicamentos do “Kit Covid” (coquetel que inclui Cloroquina, Ivermectina, Azitromicina, entre outros fármacos sem comprovação científica contra a doença) foram distribuídos em maior quantidade para quem ganhava menos de um salário-mínimo (63%) e em menor quantidade para quem recebia acima de cinco salários (32%).

A mesma disparidade valeu para aqueles que possuem formação até o ensino fundamental (66%) e os que concluíram o ensino superior (46%), assim como para os indígenas (75%) em comparação com os brancos (48%).

Parte disso é possivelmente explicada pelo fato de os medicamentos terem sido distribuídos de maneira abrangente pelo SUS, que atende prioritariamente pessoas com menor renda. Apenas 3% dos contaminados informam terem se automedicado.

"O uso da cloroquina não foi algo secundário ou anedótico, mas massivo, com ampla participação da classe médica, clara omissão ou anuência do Conselho Federal de Medicina e orientação aos profissionais dada por secretarias de saúde de governos alinhados ao bolsonarismo”, declara Soraya Smaili.

Chama atenção também o fato de que 57% das pessoas que receberam algum item do Kit Covid responderam que ele foi “fundamental para sua recuperação”. Essa percepção foi maior entre as pessoas que concluíram até o ensino fundamental (70%) e que consideravam que houve fraude nas eleições (75%). Segundo Arantes, “além de efeito placebo da cloroquina, a campanha massiva entre meios bolsonaristas politizou a medicação no sentido inverso da vacina, foi a alternativa de vida que o governo ofereceu para a população, e mesmo sendo uma fraude científica, produziu adesão e crença, dada a dissonância cognitiva a que parte dos brasileiros foi induzida”.

Vacinação infantil contra a Covid-19 preocupa – Segundo o boletim do Observa Infância, da Fiocruz e Unifase, publicado no dia 9 de agosto, apenas 11% das crianças de seis meses a cinco anos completaram o seu esquema vacinal contra a Covid. De acordo com a pesquisa do Sou_Ciência, apenas 23% dos pais levaram filhos menores de idade (até 18 anos) para vacinação contra Covid-19.

Na amostra geral da pesquisa, 55% dos entrevistados declararam ser a favor da vacina contra a Covid para menores de idade, 19% não concordam nem discordam e 14% se posicionaram contra. Já sobre as vacinas contra poliomielite e sarampo a aprovação sobe para 83% dos respondentes, o grupo dos que não concordam nem discordam se reduz a 13% e a reprovação despenca para 4%.

Mais uma vez há uma relação direta entre a polarização política e a adesão à vacinação: 76% dos eleitores do Lula concordaram com a imunização de crianças contra a Covid-19, índice que caiu pela metade nos eleitores bolsonaristas: 39%. Na pergunta sobre a vacinação contra pólio e sarampo a aprovação sobe para 92% no segmento dos eleitores do atual presidente e para 83% dos eleitores do ex-presidente. “Esses dados são a confirmação de que Bolsonaro politizou a pandemia e que foi acompanhado pelos seus seguidores”, acentua Arantes. “Se não, como explicar que um número tão expressivo de pessoas favoráveis à imunização de crianças ao sarampo e poliomielite são contrárias à Covid, doenças igualmente letais?” indaga o coordenador da pesquisa.

Subnotificação de mortes é grande – A pesquisa do SoU_Ciência revela uma grande subnotificação nos dados oficiais da pandemia: 41% dos entrevistados declararam ter contraído a doença (um quarto deles, duas vezes), o que equivale a 66 milhões de pessoas considerando-se o mesmo percentual para toda a população brasileira acima de 18 anos. Os dados do Ministério da Saúde são de 37 milhões de casos, quase a metade dos casos relatados no levantemanto de opinião.  

A pesquisa aponta também que a pandemia deixou 51% dos entrevistados em luto. “Mais da metade da população perdeu um familiar ou um amigo, o que mostra o tamanho da tragédia e do sofrimento, equivalente a um trauma de guerra de grandes proporções. E estamos falando pouco sobre o luto que o país ainda vive, sobretudo a necessidade de atuar na justiça, memória e reparação”, afirma Arantes, que comenta que o Sou_Ciência firmou recente parceria com a AVICO – Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 no Brasil.

A responsabilidade pelo aumento das mortes também foi tema da pesquisa. Nem mesmo os eleitores de Bolsonaro eximiram o ex-presidente de culpa pela maneira como agiu na pandemia. Uma parcela significativa dos que votaram em Bolsonaro (37%) acredita que sua conduta foi responsável pelo aumento no número de mortes. Desta forma, a maioria dos respondentes, 52%, quer julgamento e condenação dos crimes decorrentes da pandemia — 45% concordam com a criação de uma comissão da verdade para apurar os crimes, 39% com a indenização de vítimas e 38% com a criação de um tribunal especial para acelerar os julgamentos.

Existem consensos sobre as novas condutas – No que diz respeito às soluções para prevenir ou reduzir os danos de uma próxima pandemia, há finalmente pontos de convergência entre petistas e bolsonaristas. Ou seja, a polarização basicamente se extingue quando a meta é pensar o que fazer para novas tragédias como essa não ocorrerem com tal devastação.

Quando solicitados a indicar as principais propostas, os entrevistados colocaram nas quatro primeiras posições: ampliação dos investimentos no SUS (59% entre petistas; 50% entre bolsonaristas), em ciência e pesquisa (54%; 45%) e no desenvolvimento de vacinas nacionais (48%; 32%). A melhoria na formação dos profissionais de saúde foi indicada por 40% de lulistas es 39% de bolsonaristas.

“No fundo, os brasileiros sabem que a solução está no apoio à educação e à ciência, mas muitos se deixaram levar pela desinformação e pelo ataque que foi feito no governo anterior", considera Pedro Arantes. “Mas, passado o ciclo eleitoral de grande polarização, nosso desafio é reconstruir o país e procurar pontes, consensos possíveis, novamente o diálogo e a cooperação. Acreditamos que a defesa do SUS, da ciência e da informação confiável são fortes bases para reatar a unidade possível nosso país”.  

O relatório completo da pesquisa, com análises, tabelas, gráficos, metodologia e mais cruzamentos de dados está disponível para download aberto neste link: 

https://docs.google.com/document/d/1sm8eYguWqNHh22eu81Q11y0pN0g5tin5/edit 

Mais sobre o levantamento – A “Pesquisa de Opinião Covid-19, Vacina e Justiça” foi realizada em uma amostra qualificada e representativa da população brasileira, composta por homens e mulheres de todas as regiões do Brasil, com idade igual ou superior a 18 anos, de diferentes escolaridades, raça/cor, renda e classe social. O levantamento nacional foi executado pelo Instituto Ideia por meio de aplicação de questionário estruturado via ligação telefônica para celulares.

As perguntas abordaram a percepção pública brasileira sobre: (a) vacinação em geral, contra a Covid-19 e infantil; (b) infecção e adoecimento pela Covid-19, tipos de tratamentos e o chamado “tratamento precoce” ou “kit covid”; (c) enlutados, vítimas da Covid-19, avaliação sobre a conduta do governo, justiça, responsabilização e reparação de crimes na gestão da Pandemia, e (d) possíveis ações para que essa tragédia não se repita no país.

Sobre o Sou_Ciência - O Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência é um grupo de pesquisa multidisciplinar cadastrado no CNPq, sediado na Unifesp e composto por uma equipe de pesquisadores de todos os campus da Universidade e de outras instituições, com histórico de pesquisa, inovação e gestão em educação superior e Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I).

O Centro adota a política de ciência aberta e pública, creative commons e transparência de dados em todas suas pesquisas. https://souciencia.unifesp.br/

Comentários

  • 1
    image
    sebastian 11/09/2023

    Meu Deus até isso? Falta investigar mais coisas dos dois lados: quantas vezes os eleitores foram nos banheiros; quantos bebem e fumam; quantos comem peixe ou carne; quantos trabalham (essa questão vai dar muita diferença) e outros mais.

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