EM EDITORIAL, FOLHA DE SÃO PAULO DIZ QUE DEMISSÃO NO IBAMA NÃO RESOLVE IMPASSE NA CONSTRUÇÃO DAS USINAS DO MADEIRA
Lula e o Ibama
Impasse sobre usinas no Madeira indica urgência de criar regras mais claras para tornar previsível o licenciamento ambiental
A EXONERAÇÃO do diretor de Licenciamento Ambiental do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Luiz Felippe Kunz Júnior, ainda sem substituto, só em aparência põe fim ao
travamento da licença prévia para as hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira. Para retomar a expressão do presidente Lula, o bagre que caiu em seu colo lá continua.
O referido bagre é a dourada (Brachyplatystoma rousseauxii), tão explorada naquela região amazônica que os espécimes capturados são cada vez menores. Existe o temor de que as usinas, ao alterar o regime
do rio, amplifiquem a ameaça à espécie. Embora encarne apenas um dos impactos previsíveis, o peixe se tornou emblema de um impasse mais amplo e preocupante.
O processo para obter a licença prévia começou há três anos. Após muitas idas e vindas, o Ibama definiu em parecer de 21 de março não ter condições de atestar a viabilidade ambiental do projeto e pediu novo estudo de impacto. Antes da exoneração, Kunz Júnior recusou o parecer da equipe técnica; para ele, caberia somente complementar informações, não recomeçar tudo do zero.
Santo Antônio e Jirau, com 6.450 megawatts de potência, são peças-chave no PAC de Lula. Seu aborrecimento com a procrastinação precipitou mudanças anteriormente em gestação no Ministério do Meio Ambiente (MMA), que controla o Ibama.
A alteração mais visível foi o desmembramento do instituto. Marina Silva separou a agência encarregada de emitir licenças (que prossegue sendo o Ibama) de outra criada para cuidar de parques e reservas (batizada Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ou Chibio). A dissociação teve boa acolhida fora da instituição, pois concentra o foco das atividades e cria a expectativa de limites a excessos preservacionistas.
Não tem cabimento, decerto, subordinar o licenciamento ambiental apenas a imperativos de ordem econômica. A falsa dicotomia, que parecia ter sido superada, não deve ser revivida. Por outro lado, é crucial que o licenciamento se torne mais célere e previsível.
Não basta trocar diretores do Ibama ou secretários do MMA. É preciso detalhar normas e procedimentos que impeçam técnicos de terceiro e quarto escalão de prolongar de maneira indevida os processos, escorados numa visão maximalista do princípio da precaução. Governos estaduais, como o de Minas Gerais, têm conseguido avançar nessa forma de desburocratização.
Todo empreendimento do porte de Santo Antônio e Jirau comporta riscos. A própria ministra já se posicionou a favor de obras tão impactantes quanto a transposição do São Francisco e o asfaltamento da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém). Não há razão à vista para que deixe de fazê-lo quanto ao Madeira, mas, para isso, Marina Silva e a Presidência da República devem empenhar-se mais em aperfeiçoar o quadro de referência do licenciamento ambiental no Brasil.