Fim dos 'saidões' divide opiniões em audiência na CSP
Coube a Kajuru determinar o adiamento porque ele conduziu a audiência pública promovida nesta terça-feira (26) pela comissão para debater a proposta
Kajuru (ao centro) comanda debate com o delegado Rodolfo Queiroz Laterza, Rafael Velasco Brandani, Alessandra Almeida e Gabriel Sampaio
Após pedido de vista coletivo, o vice-presidente da Comissão de Segurança Pública (CSP), Jorge Kajuru (PSB-GO), adiou a votação do projeto que extingue o benefício da saída temporária de presos, conhecida como "saidinhas" ou "saidões". O PL 2.253/2022 também trata da monitoração eletrônica de presos em regime semiaberto ou condicional, entre outras formas de progressão de pena, e prevê a realização de exames criminológicos para a progressão de regime. Coube a Kajuru determinar o adiamento porque ele conduziu a audiência pública promovida nesta terça-feira (26) pela comissão para debater a proposta. Especialistas convidados para o debate divergiram sobre a proposta.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) apresentou relatório pela aprovação do PL 2.253/2022. Ele acredita que o fim dos "saidões" ajudará a diminuir a criminalidade.
— Revogar as saídas temporárias é preciso, e certamente contribuirá para reduzir a criminalidade. São recorrentes os casos de presos detidos por cometerem infrações penais nas saídas temporárias. Ao permitir que presos ainda não reintegrados ao convívio social se beneficiem da saída temporária, o poder público coloca toda a população em risco — defendeu.
A exigência de exame criminológico (que envolve análise psicológica e avaliação da conduta do apenado) para a progressão foi defendida pelo senador Sérgio Moro (União-PR). Ele relatou que aplicou a medida com sucesso quando foi juiz de execução penal no presídio federal de Catanduvas (PR).
— A progressão de regime tem que estar condicionada à verificação de que o preso está em condições de ir para o regime semiaberto. Aqui no Brasil, se faz sem qualquer critério. Um ladrão de uma bolsa com um estuprador, ou um assassino, ou um líder do crime organizado, todos vão para o semiaberto sem que haja um controle. A resposta para isso é fazer o exame criminológico. Se for pra cumprir a pena integralmente em regime fechado, tem que cumprir. Se a pessoa não está preparada pra voltar à vida social, vai voltar a cometer crimes — disse.
Já Jorge Seif (PL-SC) afirmou que o Brasil é uma exceção, por ser um dos poucos países que adota o regime de saídas temporárias para presos.
— A "saidinha" é um deboche com o Brasil. Um ou outro país tem essas concessões, depois que o bandido já comprovou que está reabilitado, que trabalhou na penitenciária. Depois que fazem exames psicológicos sob monitoramento. Mas no Brasil, não! — protestou.
O PL 2.253/2022 também foi defendido pelo secretário de Segurança Pública do Paraná, Hudson Teixeira. Com base em dados de seu estado, Teixeira disse que 10% dos presos liberados em "saidões" não retornam para cumprir o restante da pena. Ele também apresentou dados apontando aumento da criminalidade em períodos de "saidões".
A aprovação do projeto teve apoio ainda do secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite. Ele apresentou um levantamento apontando que mais de 126 mil detentos não retornaram, entre 2006 e 2023, após serem liberados em períodos de "saidões".
Críticas ao projeto
Diretor da ONG Conectas Direitos Humanos, Gabriel Sampaio lembrou que apenas presos que já gozam de regime semiaberto têm direito às "saidinhas". Portanto, são milhares de detentos em todo o país que usualmente já trabalham ou realizam qualquer outra atividade durante o dia, e retornam ao presídio para dar cumprimento ao restante da pena só no período noturno. Para Sampaio, esse modelo é bem-sucedido nos processos de ressocialização de dezenas de milhares de detentos, sendo inclusive elogiado internacionalmente. O representante da Conectas disse "não ver sentido" em um pai ou mãe de família que já sai para trabalhar, estudar ou realizar outras atividades todos os dias da semana ser privado de ter um contato mais aprofundado com a família ou amigos em alguns períodos do ano.
O secretário Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça, Rafael Velasco, disse que os índices que mostram aumento da criminalidade em períodos de "saidões" contêm uma distorção. Ele lembrou que os "saidões" muitas vezes ocorrem em períodos de feriados, que historicamente apresentam aumento na ocorrência de crimes no Brasil, independentemente de haver "saidão" ou não na região.
O juiz Douglas Martins, presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, acrescentou que o PL 2.253/2022, caso seja transformado em lei, gerará um custo anual de R$ 400 milhões só na efetivação do monitoramento eletrônico por tornozeleiras em dezenas de milhares de presos em semiaberto ou outros regimes mais brandos.
— A monitoração eletrônica é necessária em vários casos, mas é muito cara. Generalizar a prática é algo absolutamente negativo; o custo é elevado e a sociedade não aguenta mais os custos de um sistema prisional que logo terá mais de 1 milhão de presos. E com base em meus 26 anos de atuação na política penitenciária, crivo que para quem efetivamente quer voltar à criminalidade, não é uma tornozeleira que vai impedir — avaliou.
Martins também é contra a generalização dos exames criminológicos. O magistrado disse que já atuou profissionalmente em diversas regiões, desde 1996, e sustentou que não há um padrão para a aplicação deste exame no Brasil. Para ele, o exame criminológico, na prática, só reforça estereótipos ligados à criminalização da pobreza, racial e de pessoas que sofrem de doenças mentais mais graves.
O PL 2.253/2022 também foi criticado pela representante do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Alessandra Sampaio. Para a psicóloga, a proposta apresenta "respostas simplórias para quadros sociais muito complexos". Ela lembrou que o STF já declarou que o sistema prisional brasileiro vive num "estado de coisas inconstitucional", marcado pelo superencarceramento numa estrutura completamente precarizada. Além disso, acrescentou, as políticas de encarceramento reforçam o racismo estrutural e os preconceitos de classe que marcam a sociedade brasileira. Por fim, a psicóloga afirmou que já há um consenso de décadas, nos meios científicos e acadêmicos, sobre a ineficácia prática dos exames criminológicos.
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