Gilmar tira a faca de Lira e abre precedente importante para Lula
Decisão de Gilmar Mendes abre todo um horizonte para o futuro governo, inclusive na elaboração de seu novo arcabouço fiscal, avalia Helena Chagas
Gilmar Mendes, Lira e Lula (Foto: Nelson Jr./SCO/STF | REUTERS/Adriano Machado)
Além de afrouxar o laço que o Centrão de Arthur Lira tentava apertar em torno do pescoço de Lula, a decisão do ministro Gilmar Mendes de excluir o Bolsa Família do teto de gastos abre importante precedente para o futuro governo. Excluir do teto investimentos sociais - e até em obras geradoras de emprego - sempre foi um sonho dos economistas do PT, com base na concepção de que esses pagamentos devem ser considerados investimentos, e não despesas - portanto, fora de eventuais tetos que limitam gastos.
Essa tese, que viabiliza o Plano B de Lula de criar a despesa por créditos extraordinários, havia ido pelo ralo na negociação da PEC da Transição no Congresso desde o seu início. Os parlamentares optaram por dar a Lula a autorização para o gasto, mas flexibilizando e aumentando o teto - e não por excluir esse gasto do teto. Ou seja, está implícito no texto da PEC que, no futuro, o Bolsa Família e demais programas sociais continuam submetidos ao teto, ao menos enquanto esse mecanismo existir.
A decisão de Gilmar de considerar que a Constituição assegura uma renda mínima a cada brasileiro - e que, portando, isso não deve ficar limitado a qualquer teto - abre todo um horizonte para o futuro governo, inclusive na elaboração de seu novo arcabouço fiscal. É monocrática e terá que ter o aval do plenário do STF, mas animou interlocutores da equipe econômica de Lula.
Mas, apesar de Gilmar tirar o laço do pescoço de Lula e reduzir sensivelmente o poder de barganha de Arthur Lira, a decisão, na cúpula da transição, é manter as negociações com a Câmara para votar a PEC da Transição nesta terça. É que, além dos recursos para os R$ 600 do Bolsa Família, o texto assegura ainda o pagamento do adicional de R$ 150 por criança até seis anos para as famílias e outros pagamentos sociais aparentemente não alcançados pela decisão do ministro do STF.
Pelo sim, pelo não, Lula continua conversando com Lira e o relator Elmar Nascimento (União-BA), ele próprio candidatíssimo a ministro. Mas não parece mais obrigado a ceder a eles tudo o que pedem, como o ministério da Saúde - nem pensar! - ou o das Minas e Energia. Se der este último ou algo equivalente, será em troca de compromissos futuros de apoio parlamentar no Congresso.
De uma forma ou de outra, Lira amanheceu nesta segunda sem uma faca tão afiada e um queijo tão gordo nas mãos. Lula sobrevive e paga seu Bolsa Família sem ele. Como assinalamos aqui na última sexta-feira, com a ajuda do STF, o futuro presidente da República não precisa dar tudo o que o presidente da Câmara quer. E o mais interessante é que essa ajuda chegou antes mesmo do final do julgamento do orçamento secreto, hoje, e por caminhos inesperados.
Helena Chagas
Helena Chagas é jornalista, foi ministra da Secom e integra o Jornalistas pela Democracia
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