Índios se associam a garimpeiros para explorar diamantes em reserva: Intermediários fazem ligação entre cintas-largas e traficantes de pedras preciosas, na maior parte estrangeiros
Endividados e sob forte pressão desde o massacre de 29 pessoas, num garimpo ilegal em suas terras, há três anos e meio, os índios da etnia cinta-larga fecharam uma sociedade informal com os garimpeiro
Endividados e sob forte pressão desde o massacre de 29 pessoas, num garimpo ilegal em suas terras, há três anos e meio, os índios da etnia cinta-larga fecharam uma sociedade informal com os garimpeiros para a exploração de diamantes na Reserva Roosevelt, em Rondônia. Eles se aliaram também a uma rede de sócios não-índios, tidos como capitalistas de garimpo, para viabilizar o negócio.
Como se fossem representantes comerciais da selva, esses intermediários fazem a ligação dos caciques das aldeias com traficantes de pedras preciosas, na maior parte estrangeiros, que circulam na região. Mais de 90% dos diamantes extraídos na área saem do País ilegalmente rumo à Europa, ao Oriente Médio e aos Estados Unidos.
Com aval dos caciques e auxílio dos índios, os garimpeiros construíram uma rede de acessos clandestinos na floresta para fugir das barreiras da polícia nas principais estradas que levam à reserva. Segundo estimativas das autoridades locais, cerca de 1.500 garimpeiros já voltaram sorrateiramente à área de mineração. Trabalhando em ritmo frenético, eles infestam uma faixa de 22 quilômetros às margens do Rio Roosevelt e seus afluentes. A destruição ambiental se amplia, enquanto as autoridades esperam a regulamentação do garimpo em terras indígenas.
“Precisamos de uma definição urgente que contemple todos os lados: os índios, os garimpeiros, o município e a União”, reclama a prefeita de Espigão, Lúcia Tereza Rodrigues dos Santos.
A cidade é a mais próxima do garimpo. A prefeita defende a exploração das jazidas por cooperativas que agreguem garimpeiros, índios e empresas de alta tecnologia no ramo, evitando a evasão de impostos que ocorre hoje. “Do jeito que está, virou uma mina de corrupção, onde poucos colhem e muitos sofrem ou morrem”, diz a prefeita. Entre os principais destinos dos diamantes extraídos ilegalmente estão Israel, Portugal e Bélgica. As pedras são adquiridas em estado bruto e vendidas por um valor até dez vezes maior no exterior, depois de trabalhadas.
O juiz de Espigão, Leonel Pereira da Rocha, se diz impressionado com a quantidade de estrangeiros circulando na sua pequena comarca. “Estão levando nossas riquezas para fora do Brasil debaixo dos nossos olhos”, afirma.
“Eles não devem estar lá fazendo turismo”, diz o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), que acompanha o drama da reserva dos cintas-largas desde o grande massacre de abril de 2004, quando era ministro da Articulação Política.
A fato chocou o Brasil e o mundo. A PF indiciou por homicídio triplamente qualificado 23 índios, entre caciques e guerreiros, além do coordenador da Funai na região, Walter Blos. Só Blos foi preso. Nenhum índio. O inquérito está paralisado à espera de laudo antropológico que ateste se eles têm ou não condições de avaliar a gravidade do ato. A lei brasileira considera os índios “relativamente incapazes” e, portanto, inimputáveis.
ROTINA
O delegado Guilherme Mattos de Oliveira, encarregado do inquérito, disse que a ação foi premeditada e os índios executaram as vítimas com extrema crueldade, sem lhes dar a mínima chance de defesa. Segundo ele, a matança é rotina no garimpo e os mortos já chegam a 57 desde 2001.
Apanhados numa emboscada num local chamado Gruta do Sossego, onde 200 garimpeiros extraíam diamantes clandestinamente, os 29, que não conseguiram fugir, foram amarrados e trucidados, um a um, a tiros, flechadas e golpes de tacape. Participaram do ataque 53 guerreiros, mas há suspeitas, não confirmadas, de que não-índios ajudaram no planejamento e na matança. As vítimas só foram retiradas da floresta duas semanas depois, com os corpos estraçalhados. Nove ainda permanecem não identificados.
O juiz e o deputado defendem não só a regularização, mas a profissionalização da extração mineral no Brasil, sobretudo em terras indígenas, para eliminar o risco de novas tragédias e pôr fim à rede de ilegalidades na região.
A área não-indígena da região também é rica em diamantes, além de esmeraldas e outros minérios, sobretudo cassiterita. Grupos de traficantes se valem de licenças de pesquisa obtidas por empresas de mineração no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para extrair ilegalmente as pedras. Nos municípios de Cacoal, Pimenta Bueno e Espigão do Oeste, vizinhos da Reserva Roosevelt, existem seis grandes mineradoras e cerca de 20 de pequeno porte atuando.