Juíza de Rondônia treina mediadores na Guiné-Bissau
A participação da juíza rondoniense integra projeto de apoio à estabilização do setor da Justiça para a consolidação da paz na nação
A magistrada Sandra Aparecida Silvestre de Frias Torres, titular do 3º Juizado Especial Cível da Comarca de Porto Velho e atualmente exercendo as funções de juíza auxiliar da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), está na Guiné-Bissau ministrando treinamento em mediação para membros do judiciário e da sociedade indicados pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos do país africano. A participação da juíza rondoniense integra projeto de apoio à estabilização do setor da Justiça para a consolidação da paz na nação.
A formação é realizada na capital, Bissau, e foi dividida em quatro turmas de quatro dias. Cada uma tem em média 25 participantes, dentre pessoas que já fazem mediação, escolhidas pelo Ministério da Justiça em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – que financia o projeto e oferece, dentre outras oportunidades, conhecimento em uma rede de cooperação técnica internacional – e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Participam ainda assistentes sociais do sistema de justiça e dos setores de saúde, organizações não-governamentais e integrantes do Centro de Acesso à Justiça (Defensoria Pública local), além de régulos, imames (sacerdotes muçulmanos), padres e pastores que são os integrantes da Justiça tradicional do país, atuando em conjunto diretamente com as diversas formas de pacificação social.
Na última turma, que está ocorrendo esta semana, estão sendo treinados os régulos, espécie de mediadores com muita experiência, que tratam os conflitos de acordo com as tradições locais seculares. Antes da independência de Portugal, os régulos sempre foram as pessoas mais próximas do Governo Central e nas mãos deles estava o poder de decisão sobre a vida e a morte. Apesar das mudanças sociais, ainda hoje são eles quem conservam nas localidades o poder de mediar os conflitos, em especial porque a Justiça formal chega a apenas 20% do território do país. “Segundo informam, na atualidade, os régulos buscam mediar os conflitos que cada vez são mais multidisciplinares e, caso não seja possível chegar a um acordo, normalmente são chamados os ‘grandes homens da aldeia’ (os mais velhos e sábios) para decidir, sempre levando-se em conta as tradições”, conta Sandra. Considerando a complexidade cada vez maior dos conflitos, foi a própria associação dos régulos quem pediu às Nações Unidas para que fossem capacitados em técnicas de mediação.
As turmas anteriores foram integradas por equipes mais técnicas, com grande experiência na área, compostas pelos técnicos dos Centros de Acesso à Justiça (CAJ), magistrados, assistentes sociais, jornalistas e representantes de ONGs. O curso seguiu as diretrizes e o programa da Resolução 125 do CNJ, contando com metodologias ativas, como simulação de audiência, para que os alunos pudessem vivenciar a utilização das técnicas sugeridas para a abordagem do conflito.
De acordo com Sandra, que foi professora da Escola da Magistratura do Estado de Rondônia (Emeron) por vários anos, tendo formado diversas turmas na área de conciliação, participar do curso foi “uma experiência extraordinária, porque a Guiné-Bissau é um país onde já se vivencia culturalmente o empoderamento da sociedade na solução dos conflitos, uma vez que a Justiça tradicional faz exatamente isso, e ter a oportunidade de entender esse mecanismo é, na prática, buscar compreender o caminho de volta que países como o Brasil pretendem fazer”. Ela diz que o debate e a troca de experiências em sala de aula são extremamente enriquecedores: “Trata-se de vivências de homens sábios que são compartilhadas como forma de aprendizagem comum, saio daqui muito mais rica do que cheguei”.
O treinamento coincidiu, ainda, com outro evento internacional de Justiça Restaurativa e por isso também estiveram presentes o Conselheiro Valtércio Ronaldo de Oliveira, que é Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, e o juiz Marcelo Nalesso Salmasso, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que integra o Comitê de Justiça Restaurativa do CNJ, além de João Salm, professor de universidade em Chicago e um dos precursores da Justiça Restaurativa no mundo. O evento foi organizado pela ONG Fundikê na Fae e financiado pelo PNUD e pelo Fundo das Nações Unidas pela Paz.
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