Magistrado de Campo Grande decide libertar Adélio, mas quer a concordância de colega em Juiz de Fora

Adélio nunca este tão perto de deixar o presídio, já que em MG houve troca de juiz e resolução do CNJ proíbe que inimputáveis cumpram medida na cadeia

Joaquim de Carvalho
Publicada em 27 de novembro de 2023 às 15:28
Magistrado de Campo Grande decide libertar Adélio, mas quer a concordância de colega em Juiz de Fora

Jair Bolsonaro e Adélio Bispo (Foto: Reprodução | Ricardo Moraes/Reuters)

Cinco anos e três meses depois de ser colocado em uma cela solitária, num regime de segurança máxima, Adélio Bispo de Oliveira está muito próximo de deixar a Penitenciária Federal de Campo Grande. É que o juiz da 5a. Vara Federal da capital sul-mato-grossense, Luiz Augusto Iamassaki Fiorentini, que é corregedor da penitenciária, decidiu que Adélio deve deixar aquele estabelecimento penal, para receber tratamento de saúde adequado, conforme prevê a resolução 487 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Essa resolução, de junho de 2023, determina que todos os doentes mentais considerados inimputáveis, como é o caso de Adélio, passem a cumprir medida de segurança fora das cadeias. Em princípio, em hospital, mas não com caraterística de manicômio.

A resolução, que deu prazo de seis meses para sua completa implementação, é uma consequência da condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos em razão da morte por tortura de Damião Ximenes Lopes, em 1999, num hospital psiquiátrico de Sobral, no Ceará.

Pode parecer contraditório, já que a luta da Defensoria Pública da União é para que Adélio seja transferido para uma unidade médica. A diferença é que, com base nos termos da condenação do Brasil, houve a Reforma Psiquiátrica, que instituiu a Política Antimanicomial, inclusive na interface com o Poder Judiciário.

Por isso, a diretriz agora é o fortalecimento das equipes multidisciplinares de saúde, os atendimentos descentralizados e em comunidade, com foco na singularidade dos pacientes.

Na decisão sobre Adélio, o juiz Fiorentini diz que tem poderes para tirar Adélio do presídio. Não apenas como corregedor, mas também como integrante de um grupo de monitoramento da resolução 487 criado pelo CNJ. No entanto, há uma peculiaridade jurídica no caso Adélio.

Há cerca de dois anos, quando a Justiça Federal em Campo Grande decidiu pela remoção de Adélio para Minas Gerais, o juiz Bruno Savino, da 3a. Vara Federal de Juiz de Fora, se opôs, e estabeleceu-se um conflito de competência que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou, em favor do magistrado sediado em Minas Gerais.

Por isso, o juiz Fiorentini condicionou sua decisão a uma manifestação da 3a. Vara Federal de Juiz de Fora. Há duas diferenças agora: a resolução 487 e também o fato de que, há cerca de duas semanas, Bruno Savino deixou de responder pela 3a. Vara Federal. Ele foi para a 5a. Vara Federal, e o titular passou a ser Ubirajara Teixeira, a quem caberá dar a palavra final.

É claro que poderá haver recurso, caso o magistrado de Juiz de Fora concorde com a decisão do colega de Campo Grande, mas esse recurso não será do Ministério Público Federal na capital sul-mato-grossense, que concordou com a decisão do juiz Fiorentini.

A Defensoria Pública da União também não deverá recorrer, já que, representada pelo defensor Welmo Edson Nunes Rodrigues, luta para tirar Adélio da penitenciária. Defensoria e MPF poderão recorrer caso o titular de Juiz de Fora negue liberdade a ele.

Welmo diz que a situação de Adélio na Penitenciária Federal de Campo Grande equivale a tortura, já que ele está privado do contato mais frequente com a família e vive num estado de incomunicabilidade. Um dos sinais de que se sente torturado é que Adélio se recusa a tomar medicamento, por não se sentir seguro quanto ao que lhe ministram.

Welmo defende que, antes de voltar a MInas Gerais, Adélio receba tratamento em Campo Grande e, gradativamente, volte para o convívio da família, em Montes Claros, no estado mineiro.

O isolamento no presídio federal gerou, recentemente, uma cena inusitada, quando Adélio pediu para tocar nos braços do defensor público. Adélio disse que fazia muito tempo que não encostava em outro ser humano, e sentia falta desse contato. O defensor permitiu, dentro de uma estratégia para conquistar a confiança de Adélio.

Welmo o representa no Poder Judiciário brasileiro como defensor e também como curador processual. A Defensoria Pública da União assumiu a defesa de Adélio em 2020, quando este reclamou por carta que o advogado Zanone Júnior contrariava seus interesses.

Entre outros pontos, foi Zanone quem pediu para Adélio ser colocado em presídio de segurança máxima e também trabalhou para que ele fosse considerado inimputável, e o caso permanecesse na Justiça Federal, apesar da possibilidade do evento de Juiz de Fora ter sido considerado crime de tentativa de homicídio, de jurisdição estadual, não necessariamente crime político, punível com base na então vigente Lei de Segurança Nacional.

Zanone também nunca viabilizou a visita de um parente a Adélio. Quando a Defensoria Pública da União entrou no caso, Zanone foi afastado como advogado, mas, por decisão do juiz Bruno Savino, da 3a. Vara Federal de Juiz de Fora, Zanone se tornou curador processual de Adélio. Mas o advogado também acabaria sendo substituído desse posto, um ano e meio depois, por iniciativa da mesma Defensoria.

"Zanone nunca defendeu os interesses do meu irmão", disse Maria das Graças Ramos de Oliveira, depois de uma das visitas que realizou ao irmão, em março. Quando tentou visitá-lo outra vez, estranhamente Adélio assinou um termo em que afirma não querer mais recebê-la.

Na condição de responsável para acompanhar as execuções penais na Penitenciária Federal, Welmo também atende a Adélio e, além de se manifestar pela saída dele da cadeia, recentemente acionou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos com uma medida cautelar para que cesse o isolamento de Adélio e ele passe a ter atendimento médico fora da prisão.

A Comissão ainda não se manifestou, mas não recusou a ação nem pediu informações complementares. Ao mesmo tempo, o defensor público prepara uma denúncia contra o Brasil por violação de direitos humanos, em que a União poderá ser condenada a indenizar Adélio.

A narrativa oficial sobre o caso de Juiz de Fora, feita a partir do processo judicial, tem inconsistências graves e muitas perguntas sem resposta.

A primeira inconsistência: ao contrário do que diz o processo, Adélio não era um militante de esquerda e opositor de Bolsonaro quando fez o curso de tiro em São José, região metropolitana de Florianópolis, Santa Catarina, num clube a que a militante de extrema direita Júlia Zanatta (hoje deputada) era ligada.

Preso, Adélio não está em condições de falar livremente sobre o caso. Maria das Graças, a irmã dele, bem que tentou obter uma resposta, na visita presencial que realizou, em março deste ano.

Durante a conversa com o irmão, que foi gravada pela Penitenciária, como é a rotina, ela perguntou se Adélio tinha mesmo tentado matar Bolsonaro. "Por que você pergunta isso aqui? Você está querendo me complicar?", respondeu Adélio, de maneira ríspida, conforme a gravação. Foi uma visita de cerca de três horas, eles divididos por um vidro blindado, e se falando por telefone.

Mais tarde, na mesma visita, Adélio deixou rolar algumas lágrimas quando ouviu da irmã que não desistiria dele. Mas, depois disso, nunca mais a irmã pode falar com Adélio. A Penitenciária, em duas oportunidades, apresentou um termo com a assinatura de Adélio, em que recusa a visita. Estranho comportamento principalmente para quem, dois anos antes, reclamou para o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura que queria receber visita da família.

Joaquim de Carvalho

Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: [email protected]

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