MPF emite nota técnica em defesa de cotas para inclusão de pessoas trans em concursos públicos e universidades
Documento enfatiza a importância da medida para reduzir a desigualdade e assegurar o direito de acesso à educação e ao mercado de trabalho
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), emitiu nota técnica em que defende a adoção de cotas para pessoas transgênero em universidades e concursos públicos. Segundo o órgão, a medida é necessária para diminuir as desigualdades e dificuldades enfrentadas por essa população na busca pelos direitos de acesso à educação e ao mercado de trabalho, garantidos na Constituição Federal.
No mês em que se celebra o Dia Nacional da Visibilidade Trans (29 de janeiro), a nota técnica elaborada pelo Grupo de Trabalho (GT) “População LGBTQIA+: Proteção de Direitos” da PFDC foi enviada aos ministros dos Direitos Humanos e da Cidadania, da Educação e do Trabalho, bem como à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
Diante do anúncio recente do Governo Federal sobre a reserva de 2% de vagas para pessoas trans no próximo concurso de auditor-fiscal do trabalho, o MPF sustenta que a medida está de acordo com a Constituição Federal e com outros normativos nacionais e internacionais.
O documento pontua que a política de cotas é ferramenta legal e legítima para tornar viável a participação social e política de populações que foram historicamente invisibilizadas e discriminadas, com o objetivo de “incorporar à sociedade valores destes grupos, que de outro modo dificilmente seriam reconhecidos, dadas as condições de marginalidade e preconceito”.
Por isso, a PFDC defende ser necessária a ampliação desse tipo de política voltada a pessoas trans. "Quando se cogita a inclusão de pessoas transgênero, que estão entre as mais vulnerabilizadas no país, não se pode limitar essa inclusão ao espaço universitário: é preciso ir além e garantir o acesso a empregos que propiciem renda suficiente para inclusão social”, pontua o documento.
Para o MPF, o debate sobre a ampliação do sistema de cotas para pessoas trans é fundamental, uma vez que as ações afirmativas no campo da educação e do serviço público nas últimas décadas não levaram em conta a situação desse grupo. É o caso da Lei de Cotas (Lei nº 12.711/2012), que assegurou vagas em instituições de ensino superior federais do país a alunos de escolas públicas, de baixa renda, pessoas com deficiência, negros, pardos e indígenas. Isso, no entanto, segundo a nota técnica, não impede que novos grupos historicamente marginalizados passem a integrar essas políticas, no intuito de corrigir distorções.
Tanto que, a partir de 2019, algumas universidades federais passaram a adotar o sistema de cotas para pessoas transgênero no processo de ingresso na universidade. De 2021 para cá, determinados órgãos públicos também implantaram a política em concursos para servidores, como a Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, o Ministério Público do Trabalho, a Defensoria Pública de São Paulo e o Ministério do Trabalho e Emprego.
Discriminação - Na nota técnica, a PFDC lembra ainda que o preconceito e a violência sofrida pelas pessoas transgênero é fator determinante para o baixo índice de desenvolvimento humano dessa população no país. Dados do relatório produzido pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) constatou que o Brasil é o país no mundo que mais mata pessoas trans, ocupando o topo da lista por 14 anos consecutivos. Em 2022, foram assassinadas 131 pessoas trans e travestis no país, enquanto outras 20 tiraram a própria vida em virtude de discriminação e preconceito.
Uma pesquisa realizada pela Andifes também revelou que as pessoas trans correspondem a apenas 0,2% dos estudantes universitários e que somente 10% dessa população está empregada no mercado de trabalho formal. Muitas dessas pessoas são expulsas de casa pelos familiares e passam a viver de maneira precária. Tais fatores afetam diretamente o acesso à educação e à renda, fazendo com que a expectativa de vida do grupo seja de apenas 35 anos, muito abaixo da média da população geral, que é de quase 75 anos. “Ao longo do período de formação básica, a evasão escolar é muito comum, e o desrespeito às suas identidades e às condições financeiras dos indivíduos que pertencem a essa parcela da população interferem incisivamente na continuidade dos seus estudos", pontua a nota.
A PFDC recorda ainda que a promoção de políticas de inclusão e contra qualquer tipo de discriminação é compromisso firmado pelo Brasil, em âmbito internacional, como membro da Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, o sistema de cotas já foi declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186-DF. “Impõe-se, desse modo, o desenvolvimento de medidas para a inclusão de pessoas trans no ambiente formal de trabalho, de modo a se garantir empregabilidade e renda", conclui o documento
Cotas no MPU - O Ministério Público da União (MPU) instituiu o sistema de cotas para a inclusão de pessoas transgênero nos concursos públicos destinados à contratação de servidores e estagiários de nível superior e profissionalizante. A medida integra a categoria das pessoas trans ao percentual mínimo de 10% das vagas que vinham sendo reservadas para minorias étnico-raciais e já passa a valer para os próximos concursos da instituição.
A mudança foi instituída pela Portaria PGR/MPU 209/2023. O texto prevê a edição de regulamentação complementar por parte da Secretaria-Geral do MPU, com o objetivo de definir os critérios para aplicação das medidas nos próximos certames.
Confira a íntegra da Nota Técnica PFDC n. 1/2024
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