MPF recorre de liminar concedida a aluna loira que se declarou negra para ingressar na Universidade Federal de Uberlândia pelo sistema de cotas
Em redes sociais, ela se autodenomina “lora e branquela”, mas ajuizou MS contra decisão da UFU que determinou cancelamento da matrícula
O Ministério Público Federal (MPF) recorreu de decisão liminar que determinou a reintegração de Mariana Fernandes Pires à Universidade Federal de Uberlândia (UFU), viabilizando sua participação nas aulas, atividades avaliativas e demais atividades acadêmicas regulares.
A estudante havia sido desligada da universidade após a Comissão de Heteroidentificação da UFU ter concluído procedimento administrativo de análise da autodeclaração feita por Mariana Fernandes Pires por ocasião de seu ingresso na universidade. Aluna do curso de odontologia, Mariana, visivelmente de pele e cabelos claros, se autodeclarou negra, para ter direito à vaga destinada a pessoas que se enquadram na Modalidade 3 (PPI – Preto, Pardo e Índio) do sistema de cotas.
Após ter a matrícula cancelada, ela impetrou mandado de segurança e, induzindo o Juízo a erro, alegou ter ascendência negra, pedindo, por isso, a anulação da portaria e do procedimento administrativo que concluiu que ela não apresenta os critérios fenotípicos necessários à validação da condição de PPI. O Juízo da 2ª Vara Federal de Uberlândia concedeu parcialmente a liminar, suspendendo os efeitos da decisão administrativa da UFU.
Para o procurador da República Onésio Soares Amaral, autor do recurso, “a conduta da estudante chega a ser um escárnio para a sociedade, mas é especialmente cruel para com as pessoas negras. Além disso, tornou-se praxe, em todos os casos de investigação de fraudes contra a lei de cotas, o investigado alegar ascendência negra, quando visivelmente não possui o menor traço fenotípico”.
Autonomia universitária – O MPF defende que as comissões e órgãos de direção universitários têm autonomia para verificar a regularidade das autodeclarações e aplicar eventuais sanções aos que cometerem fraudes, cancelando a inscrição de candidato que se autodeclara falsamente preto ou pardo, conforme vem se firmando a jurisprudência dos tribunais superiores, inclusive do STF, que já reconheceu a legalidade das comissões de heteroidentificação nas universidades.
O próprio Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), órgão de segunda instância da Justiça Federal mineira, ao julgar recurso interposto por estudante da mesma universidade, reconheceu a legalidade da decisão que determinou a sua exclusão, eis que ela não tinha fenótipo que lhe garantisse a matrícula em vaga destinada à cota racial. “Ademais, a exclusão da matrícula da agravada não significa que esteja sendo impedida do direito de acesso à educação, visto que poderá participar de processo seletivo da UFU, concorrendo a vaga da ampla concorrência, aproveitar as disciplinas já cursadas e concluir o curso, no qual ingressou mediante autodeclaração racial, situação na qual, aparentemente, não se insere”, afirmou o desembargador Jirair Meguerian na decisão.
De acordo com o MPF, “Não sendo caso de afronta à lei ou de arbitrariedade da comissão de heteroidentificação, não há razão jurídica que legitime a invasão de competência que pertence exclusivamente à universidade”. “Na verdade, o que a estudante pretende é que o Judiciário substitua os órgãos universitários e a reconheça como algo que ela mesma não se reconhece, haja vista suas postagens em redes sociais em que se autodenomina ‘branquela e lora’. Como uma pessoa que se identifica, em sua vida social, como “branquela e lora” pode, diante de um processo de seleção pública autodeclarar-se negra, para obter vantagens de uma lei que foi editada justamente para corrigir situações históricas de desigualdade em razão da cor da pele. É revoltante”, lamenta o procurador da República. No recurso, o MPF pede que o TRF1 casse a liminar concedida pela Justiça Federal em Uberlândia e reconheça a legalidade da decisão tomada pela universidade.
Prejuízo aos reais destinatários - Em 13 de outubro de 2014, diante de várias denúncias de fraudes (pessoas brancas autodeclarando-se negras [pretas/pardas] a fim de se beneficiarem das ações socioafirmativas, o MPF em Uberlândia (MG) instaurou inquérito civil público para apurar possíveis irregularidades nos métodos de seleção para ingresso nos cursos universitários por meio do sistema de cotas.
O MPF entendia que tais fraudes estavam prejudicando os verdadeiros destinatários da política pública, tornando ineficazes tais mecanismos de inclusão, porque os beneficiários das cotas continuavam sendo os que delas não precisavam. Até então, a UFU não adotava qualquer atitude para prevenir/coibir tal prática.
Então, a primeira das várias medidas adotadas pelo MPF foi a expedição de recomendação à universidade, para que fossem criados mecanismos de controle de eventuais fraudes ao sistema de cotas e ações afirmativas.
O MPF também se reuniu por diversas vezes com os servidores da UFU responsáveis/participantes da Comissão de Verificação da Autodeclaração, para entender quais eram os procedimentos adotados pela Comissão para análise dos candidatos, bem como verificar se havia alguma ilegalidade nas condutas adotadas.
Em 2017, a UFU finalmente passou a adotar procedimentos de verificação das autodeclarações, para impedir casos de fraude na admissão de candidatos inscritos nas modalidades de ações afirmativas.
De acordo com o MPF, “o fato de o edital prever a autodeclaração por parte dos candidatos não impede a administração de aferir tais critérios, no decorrer ou após o certame, de maneira a fiscalizar o cumprimento da lei de cotas, como o escopo de garantir a isonomia do critério para todos os membros do concurso. Além disso, a fiscalização da veracidade das declarações constitui um poder-dever da Administração, indisponível, e coaduna-se com os princípios da legalidade e da moralidade administrativa”.
Clique aqui para ver a íntegra do agravo.
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