Nos 102 anos de Leonel Brizola, o PTB se prepara para voltar a suas origens

Quando a ditadura, no início do processo de redemocratização do país, subtraiu a sigla PTB dos trabalhistas, as lágrimas escorreram no rosto de Brizola

Florestan Fernandes Jr
Publicada em 22 de janeiro de 2024 às 17:56
Nos 102 anos de Leonel Brizola, o PTB se prepara para voltar a suas origens

Leonel Brizola (Foto: Reprodução)

“Menino, você sabe que tirou a presidência da República das minhas mãos. Pois então, trate de ganhá-la.” Foi dessa maneira que Brizola iniciou a conversa com Lula, que sacramentaria o apoio dele ao líder petista no segundo-turno da eleição de 1989. Eu acompanhei como repórter esse e outros encontros entre esses dois marcantes políticos da história do Brasil. Como o do último comício da campanha de Lula no segundo-turno, na frente do estádio do Pacaembu. Foi emocionante ver Brizola e Mario Covas erguendo os braços de Lula no palanque, para o delírio da multidão.

Nunca fui brizolista, mas sempre tive uma forte simpatia pelo político gaúcho. O último encontro que tive com ele foi em junho de 2000, quatro anos antes de sua morte. Uma entrevista longa, de mais de uma hora, para o documentário que também virou livro: "Histórias do Poder". O cunhado de João Goulart tinha temperamento explosivo. Defendia suas posições políticas com vigor, às vezes até físico, como no dia do suicídio do presidente Getúlio Vargas.

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Leonel Brizola e Florestan Fernandes Jr.(Photo: Arquivo pessoal)Arquivo pessoal

"Quando cheguei em Porto Alegre, a multidão furiosa incendiou o Diário Associados, o consulado norte-americano e quebrou a Tribuna Gaúcha (jornal do partido Comunista). Eu estava indo pra casa com o deputado Vilson Vargas, quando passou um carro, dirigido por um militar, com um deputado do PSD. O deputado olhou pra mim e deu uma risadinha de canto de boca, de deboche, de satisfação íntima por aquela tragédia. Eu não tive dúvida. Manobrei o carro e fui atacar aquelas pessoas no outro cruzamento. Eles saíram já de revólver na mão. Eu tinha uma capa de chuva, joguei em cima de um deles e o meu companheiro, que estava em luta com o outro, deu um tiro, porque viu que o sujeito que lutava comigo tirou uma arma para me atingir. Bom, eu sei que dali a pouco era aquele mundo de sangue correndo, e eu não estava ferido. Acabamos ali. O deputado foi levado para o pronto-socorro, mas estava bem, o tiro tinha sido na perna." Esse relato mostra bem como era Leonel Brizola, um homem de paixões explosivas, que não levava desaforo pra casa. Aliás, essa característica levou a um afastamento longo entre ele e o cunhado, João Goulart, durante o período do exilio no Uruguai. Foi o que explicou Brizola: “O teimoso era eu. Jango até fez várias tentativas de reconciliação... e só houve reconciliação dez anos depois.” Mesmo assim, por um período bem curto, até a morte de Jango, em Buenos Aires, em 1976.

A desavença entre os dois se deu por conta da resistência armada montada por Brizola no Rio Grande do Sul contra o golpe em marcha no país, em 1964. Jango foi contra o enfrentamento com os militares. Tinha esperança de chegar a um entendimento, a um acordo com os generais, mesmo que tivesse que abrir mão de alguma coisa. Segundo Brizola, a última conversa entre os dois terminou com a seguinte frase de Jango: “Olha, eu verifico que terá que haver derramamento de sangue para eu permanecer no governo. Quero dizer que se é indispensável que haja derramamento de sangue, prefiro me retirar.” O resto dessa história todos conhecemos muito bem: a democracia ruiu, a repressão se instalou por vinte e um anos, na ditadura dos generais.

Acho que para comemorar os 102 anos do nascimento de Leonel Brizola, nada mais justo do que a restituição do PTB à sua origem, aos legítimos titulares: os trabalhistas, que elegeram pelo voto Getúlio Vargas à presidência em 1950; João Goulart à vice-presidência, em 1960 e Brizola ao governo do Rio de Janeiro, nos anos 90.

Quando a ditadura, no início do processo de redemocratização do país, subtraiu a sigla PTB dos trabalhistas, as lágrimas escorreram no rosto de Brizola. Mas ele não esmoreceu, criou o PDT e continuou sua luta por uma sociedade mais justa e democrática.

Um dos fiéis herdeiros da legenda, Vivaldo Barbosa, vem lutando para o resgate do PTB, desde que a sigla desapareceu, após a fusão ao Patriota e a criação do PRD (Partido da Renovação). Que Vivaldo tenha sucesso e que o PTB retome seus ideais na política nacional.

Florestan Fernandes Jr

Florestan Fernandes Júnior é jornalista, escritor e Diretor de Redação do Brasil 247

Comentários

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    Sergio 23/01/2024

    O "trabalhista" Vivaldo (andou pelo PSB, PPL) até dezembro de 2022 era segundo suplente de senador, eleito pelo Podemos, do Romário, que hoje está no PL. Quando Brizola, através do Diretório Nacional, decidiu pela saída do governo Lula, determinando que todos deixassem seus cargos, ele não obedeceu, traindo Brizola em vida, tendo traído até 2010 (era da PetroRio e depois assessor do presidente da Petrobrás), quando Brizola já tinha morrido.

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