"Nova Previdência": trabalhar mais, pagar mais e ganhar menos
A aposentadoria tem como base o valor das contribuições mais altas, numa média que despreza as mais baixas.
Afiando as armas para uma guerra política na qual contará com o monopólio da mídia para tentar aprovar uma reforma da Previdência prejudicial a maioria dos brasileiros e brasileiras, o governo Bolsonaro tenta rascunhar argumentos para enfrentar um debate desfavorável. Enfrentando a rejeição aberta da população, o Planalto e seus aliados tentam construir uma teoria fantasiosa e mesmo absurda -- a tese de que a "Nova Previdência", como batizaram os publicitários a serviço do Planalto, vai acabar com nosso prolongado atoleiro econômico e abrir uma fase de prosperidade no país.
Na prática, o projeto de Jair Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes pretende obrigar a maioria da população a trabalhar mais e contribuir mais para receber menos.
Não cabe estranhar, portanto, a notícia de que parlamentares querem cobrar até R$ 10 milhões em troca do apoio ao projeto do governo. O plano envolve sacrifícios enormes.
Numa medida que inspirou um editorial escandalizado do Estado de S. Paulo, a "Nova Previdência" prestou um favor de "contrabando" ao empresariado, na expressão do próprio jornal. Isso porque pretende facilitar a demissão de aposentados, eliminando a multa de 40% sobre o FGTS. Lembrando que esse corte nada tem a ver com o sistema de aposentadorias, mas irá dar um brilho extra na contabilidade das empresas, o Estadão diz assim: "não cabe, num projeto decente de reforma da Previdência, exceto como contrabando a como prestação de favor a empregadores. Falta saber se a todos ou a alguns".
Num país onde a imensa maioria já não consegue -- nas regras atuais -- cumprir as contribuições que permitem uma aposentadoria integral, as novas exigências só irão criar novas dificuldades, informa um levantamento feito pelo DIEESE a pedido do 247.
Quem hoje trabalha na informalidade, situação na qual sobrevive a metade da mão de obra do país -- em particular negros e mulheres -- já enfrenta dificuldades para comprovar os 15 anos de contribuição que permitem aposentar-se com 60% dos vencimentos. Com a elevação do prazo para 20 anos, a comprovação, que passa a envolver outros 60 meses de documentação, ficará obviamente mais difícil. Além da reforma trabalhista, que já passou a faca nos direitos previstos na CLT, pela primeira vez na história, a informalidade terá patrocínio do próprio governo, com a criação de carteira "verde-e-amarela".
Conhecendo outros dados é possível enxergar o que irá ocorrer daqui para a frente. Embora o teto das aposentadorias do INSS seja R$ 5.839,45, atingir esse patamar já é uma conquista dificílima, acessível a pouquíssimos, num quadro onde o pesadelo sempre presente da informalidade e os salários aviltados.
Uma maioria de 53% se aposenta por idade -- 60 anos para mulheres, 65 para homens -- e recebe uma média de R$ 1.366,92, um pouco mais do que o salário mínimo. Outros 30% se aposentam por tempo de contribuição, de 30 ou 35 anos. Como a informalidade está em todo lugar, a maioria encara entre 43 e 50 anos de trabalho, para levantar uma média de R$ 2.165,74.
Na prática, todos os aposentados pelo INSS-- sem exceção -- serão prejudicados. A criação da idade mínima representa uma nova barreira, em prejuízo de quem começa a trabalhar mais cedo e será obrigado a acumular mais anos de batente para alcançar o mesmo benefício.
Na hora de definir a remuneração, todos os aposentados serão prejudicados sem exceção. O cálculo que define aquilo que cada um tem direito a receber foi modificado para baixo.
Até hoje, funciona uma conta que beneficia o trabalhador. A aposentadoria tem como base o valor das contribuições mais altas, numa média que despreza as mais baixas. O resultado é que o valor final acaba sendo jogado para cima. Caso as mudanças do pacote Paulo Guedes-Jair Bolsonaro venham a ser aprovadas, todos as contribuições passarão a fazer parte do cálculo, inclusive aquelas em que a pessoa está no início da vida profissional, as mais baixas de sua vida -- exercício que, obviamente, tem a intenção de jogar a média final para baixo.
Num país onde vigoram três sistemas de aposentadoria -- do setor privado, do serviço público e dos militares -- o foco do debate se concentra no INSS, que atende 19 milhões de trabalhadores e trabalhadoras.
Alvo de uma campanha permanente do sindicalismo militar, onde altas patantes defendem a preservação de benefícios exclusivos junto a um governo no qual sua presença em postos chave não cessa de crescer, Bolsonaro-Paulo Guedes prometem novidades para daqui a 30 dias. Não se sabe o que pretendem negociar, junto a um setor que deve produzir um déficit previsto para R$ 49 bilhões até o final de 2019. Donos de um sistema próprio de aposentadoria, os servidores públicos foram chamados a pagar aliquotas mais altas -- e já demonstram sinais de um descontentamento que ajudou a derrubar tentativas anteriores de ajuste.
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