O cavalo no telhado e as ratazanas
A tragédia no Rio Grande do Sul mistura a força da solidariedade a todas as crueldades humanas, escreve o colunista Moisés Mendes
Cavalo sendo resgatado em Canoas (RS) (Foto: Reprodução/GloboNews)
Um homem pegou uma picareta e, para acabar com o barulho que o incomodava, destruiu o gerador de energia da bomba que puxava água para um bairro de Santa Cruz do Sul.
Um político bolsonarista criou um pix para arrecadar dinheiro para uma organização fascista, foi vaiado e no dia seguinte montou no seu jet ski para salvar crianças ilhadas.
Morreram cem pessoas com pestes da água no hospital. Era fake news. Corpos de crianças aparecem boiando nas águas. É fake news. Até jornalistas ajudam a disseminar fake news com histórias tristes ou edificantes.
Um cavalo subiu no telhado e passou a noite no telhado. Um morador de área nobre da capital queixou-se no facebook da perturbação dos helicópteros de resgate durante a noite. Fez um sucesso.
Vereadores da extrema direita gritam nas redes que o plano de Lula é destruir o Estado. Homens se infiltram em abrigos improvisados para estuprar meninas desprotegidas.
Bolsonaro, internado com erisipela, propaga mentiras sobre o governo Lula. Cúmplices de Bolsonaro replicam as mentiras. Tias e tios do zap continuam dizendo que só Deus pode salvar os gaúchos. Sobrinhos e sobrinhas espalham que só doações com notas fiscais chegam ao Rio Grande do Sul.
O senador Hamilton Mourão sumiu e reapareceu para dizer que os gaúchos precisam mesmo é de uma GLO, a Garantia da Lei e da Ordem. Tem gente organizada nas redes sociais para repetir a pregação de Mourão de que é preciso ordem e progresso.
Tem militante em postos de coleta de doações dizendo nos cantinhos que isso aqui é do deputado fulano. E a doação é embarcada num caminhão a serviço do deputado fulano.
Tem político que não aparece perto das áreas inundadas para não ser vaiado. Invasores de casas abandonadas escolhem residências de idosos e atacam à noite.
O prefeito de Porto Alegre pediu que a classe média fugisse para o Litoral. Os prefeitos do litoral temem que suas cidades entrem em colapso com a invasão dos flagelados da capital.
A extrema direita, o agro pop e os especuladores imobiliários aplaudem o governador e o prefeito. Nas aparições na TV, o governador se assemelha cada vez mais a essas figuras criadas pela inteligência artificial. O prefeito não se assemelha a inteligência alguma.
Os supermercados fazem doações de comida e remarcam os preços da comida. Postos dobram o preço da gasolina. O véio da Havan chora diante da loja destruída. Gente com camisetas de políticos fascistas aparece na TV com água pela cintura.
Liberais prontos para grandes oportunidades planejam novos negócios. Os jornais publicam na capa que grandes empresários sugerem ao governo que outros grandes empresários sejam contratados como grandes consultores do salvamento do Estado.
Famílias dormem dentro dos carros no acostamento das estradas. Especialistas da Tunísia dizem em longas entrevistas como reconstruir o Rio Grande do Sul. O mercado financeiro avisa em manchetes no Estadão que é preciso manter o arcabouço fiscal.
A Folha dissemina fake news e assegura que as suas fakes news são as fake news mais verdadeiras. O Globo pede mais bônus dos lucros da Petrobras para seus acionistas amigos.
Uma produtora de vídeos com verdades paralelas alerta que, que depois da tragédia, vem o comunismo. Uma influencer berra sem parar que a umbanda provocou a desgraça.
O governador e o prefeito continuam aparecendo ao lado de cuias de chimarrão durante as entrevistas coletivas. Ratazanas são expelidas pela explosão dos bueiros. O cavalo foi resgatado.
Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
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