O que é bom para os EUA deixou de ser bom para o Brasil
Os povos vão percebendo que não é atrativo um modelo que nega o multilateralismo e as instituições de cooperação internacional
A formação da civilização brasileira começou enviesada. Foi grande o contingente de africanos escravizados e de indígenas dizimados. Mas essas culturas foram abafadas. Prevaleceu o complexo de colonizado. Valorizaram-se as culturas europeias, a portuguesa, a inglesa e a francesa. Com o golpe dos positivistas que inaugurou a república, veio a inflexão em direção aos Estados Unidos. Em 1889, o I Congresso Pan-Americano lançou as bases do pan-americanismo para a cooperação entre os países do continente. Naturalmente, sob a hegemonia americana. Em 1906, sob a liderança de Joaquim Nabuco, nosso primeiro embaixador nos EUA, realizou-se a III Conferência Internacional Americana no Rio de Janeiro, quando se firmou a doutrina de aproximação com os EUA também defendida pelo Barão do Rio Branco. “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, a frase de Juracy Magalhães sintetiza uma política externa de cooperação com os EUA.
Esse alinhamento transcendeu a política externa. Avançou na cultura de nossa civilização. Por aqui o soft power americano foi avassalador. A música de Frank Sinatra, Elvis Presley, Chuck Berry, Jimi Hendrix, Bob Dylan e Michael Jackson. A literatura de Edgar Allan Poe, Emerson, Mark Twain, Faulkner e Hemingway. Os feitos esportivos de Jesse Owens, Michael Jordan, Serena Williams, Muhammad Ali e Michael Phelps. As ciências de Thomas Edison, Alan Turing e Chomsky. O direito e a filosofia de Ronald Dworkin e John Rawls. A economia de Galbraith, Friedman, Krugman e Stiglitz. O cinema de Spielberg, Scorsese, Wood Allen, Tarantino e Meryl Streep. A legislação dos direitos civis das décadas de 60 e 70, inclusive as ações afirmativas. A internet e a inteligência artificial. Muita coisa boa, como se vê.
Mas o outro lado da moeda impressiona negativamente. Assim como a deterioração de parte daqueles elementos virtuosos. O american way of life passou a influir negativamente em nossa civilização. Tornou-se sinônimo de um individualismo sem consciência coletiva, incapaz de solidariedade social. Paradigma de consumismo sem consciência ambiental. De desperdício e frustração para a maioria privada de acesso aos bens de luxo. Os endinheirados comprando a segunda residência na Flórida. Muitos deles com o dízimo subtraído dos pobres recém-convertidos ao neopentecostalismo da teologia da prosperidade. A importação dessas religiões evangélicas americanas enriquecendo bispos e pastores. E, ao mesmo tempo, abafando a espontaneidade, sincretismo e alegria do jeito de ser brasileiro que herdamos dos antepassados vindos da África. Os do andar de cima sempre emulando os padrões, gostos e aspirações dos americanos. Como se fosse possível aqui replicá-los. O resultado tem sido um país com muita gente alinhada aos defeitos do grande irmão. Muitas vezes até mesmo diante de agressões como o apoio dos EUA ao regime militar de 1964. Ou, como agora, no episódio em que o ex-presidente, seus filhos e aliados do tipo do governador de São Paulo revelaram-se patriotas da pátria alheia em face do tarifaço e da agressão ao poder judiciário brasileiro.
Diante da conduta autoritária de Donald Trump, o mundo percebeu quão frágil era a democracia americana. Essa fragilidade já se havia desvelado com a eleição de Trump em 2024 mesmo depois de ter instigado a tentativa de golpe do 06 de janeiro no assalto ao Capitólio. O que diriam os brasileiros se o nosso presidente demitisse membros do ministério público e uma diretora do Banco Central? E se enviassse tropas federais a cidades governadas por oposicionistas? E se sequestrasse e deportasse imigrantes, interviesse em um canal de tv ou retirasse o financiamento de universidades? E se impusesse tarifas protecionistas contra os demais países com impacto direto em nossa inflação? E se bombardeasse embarcações de outros países em águas internacionais? E se ameaçasse tomar o território de vizinhos? Ou se apoiasse os crimes de guerra de Netanyahu e o assassinato de 67 mil palestinos em Gaza? O que diriam os brasileiros se o nosso sistema de saúde negasse assistência a quem não pode pagar por uma ambulância, um exame ou uma cirurgia? Ou se tivesse um ministro da saúde e um presidente que negam a utilidade das vacinas?
O país mais rico do planeta vai assim perdendo o seu antigo soft power. Os povos vão percebendo que não é atrativo um modelo que nega o multilateralismo e as instituições de cooperação internacional como a ONU. E que não é confiável um país com atitudes supremacistas que se julga legitimado a sempre impor a lei do mais forte. Um país cujos interesses não coincidem com os de nações como a nossa. Seus valores não são os nossos. Ou ao menos não deveriam ser. O que hoje é bom para os EUA deixou de ser bom para o Brasil.
Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade Oxford
Maurício Rands
Advogado, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade Oxford
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