O único caminho
A sociedade brasileira jamais aceitará retrocessos, justamente porque sabe que a Constituição de 1988 é o único e o melhor caminho em direção à ordem, ao progresso e à paz social
Artigo publicado originalmente em O Globo, em 5 de outubro de 2021
Brasília, 5 de outubro de 1988. Os relógios marcavam 15h50 quando o plenário da Câmara dos Deputados reverberou o desejo de mudança que ecoava nas ruas do país. Nascia a Constituição Cidadã, fruto do trabalho intenso da Assembleia Nacional Constituinte, com a ampla colaboração de cidadãos, entidades representativas, agentes políticos e movimentos sociais.
Em seus 245 artigos, a Carta Maior inaugurou um novo capítulo da história brasileira, concretizando um pacto nacional pela liberdade e pela igualdade de oportunidades, num ambiente sedimentado por valores republicanos e democráticos. O texto constitucional incorporou um catálogo monumental de direitos humanos, modernizou o Estado e dinamizou a economia, direcionando o país rumo ao desenvolvimento sem se descuidar do combate ao patrimonialismo e à corrupção, da erradicação da miséria e da redução das desigualdades sociais.
Esse novo Brasil elegeu a Constituição de 1988 como a principal porta-voz da soberania popular e se comprometeu com as liberdades públicas de expressão, de crença, de empreendimento econômico e de manifestações artísticas e científicas, duramente conquistadas ao longo de nossa história.
Na data de hoje, celebramos 33 anos da promulgação da Constituição. Daquela tarde até hoje, não percorremos um caminho fácil. Dois impeachments, inúmeros escândalos de corrupção estrutural e severas crises econômicas e políticas, entre outras instabilidades, testaram nosso projeto de nação. Mais recentemente, as instituições vêm atravessando o mais severo teste de resiliência e de confiança desde a redemocratização, intensificado por uma pandemia mundial que tem ceifado vidas e desafiado a economia com desemprego e inflação.
Mesmo em face desses desafios, o percurso histórico tem legado ao país maturidade institucional. Somos uma das maiores democracias constitucionais do mundo e ostentamos instituições fortes, republicanas e em pleno funcionamento.
Esse quadro, ao mesmo tempo que nos tranquiliza, também nos impõe reflexões e responsabilidades. Tratando-se de higidez democrática, não há nada automático ou perpétuo. A democracia e a obediência às leis e à Constituição precisam ser reiteradamente cultivadas e reforçadas, com respeito às instituições, concretização dos direitos humanos, tolerância com as liberdades alheias e participação ordeira e pacífica na vida política do país. Ausentes essas deferências constitucionais, as democracias podem regredir.
Por isso mesmo, a democracia, mais do que uma ideia, é uma prática constante; mais do que um direito, é um dever compartilhado por todos os cidadãos e pelos poderes públicos. A manutenção da democracia constitucional exige permanente vigilância, a ser executada por muitos olhos, mãos e vozes. Movido por esse espírito, o Supremo Tribunal Federal tem cumprido seu dever de salvaguardar a Constituição, sempre pelo povo e para o povo brasileiro.
Como bem nos alertou Ulysses Guimarães, a Constituição não é perfeita. É possível discordar e divergir respeitosamente, inclusive reformá-la mediante rito próprio. Porém descumpri-la e afrontá-la, jamais!
A despeito de todas as diferenças de ideologia e de opinião, nós, cidadãos brasileiros, devemos ser uníssonos num ponto fundamental: o amor pelo Brasil e o compromisso com a nação que construiremos para nós e nossos filhos. A sociedade brasileira jamais aceitará retrocessos, justamente porque sabe que a Constituição de 1988 é o único e o melhor caminho em direção à ordem, ao progresso e à paz social.
(*) Luiz Fux é presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça
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