Os generais e os cabos do jipe de 8 de janeiro
Seus depoimentos têm o valor dos relatos que podem levar aos que de fato cometeram os crimes mais graves
Atos terroristas de bolsonaristas contra as sedes dos Três Poderes, em Brasília (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Até o primo do cabo do jipe amigo de Eduardo Bolsonaro sabe que os 81 militares ouvidos essa semana pela Polícia Federal não são o que parecem ser.
Se fizessem um filme sobre a invasão de Brasília naquele 8 de janeiro, os artistas que representassem os militares apareceriam em figurações.
Não há sinais de protagonismo nem entre os três generais ouvidos: Gustavo Henrique Dutra de Menezes, ex-comandante militar do Planalto, Carlos José Russo Assumpção Penteado, segundo de Augusto Heleno no GSI, e Carlos Feitosa Rodrigues, ex-chefe da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial do mesmo gabinete.
Poucos, fora do meio militar, dos políticos e do jornalismo que cobre Brasília, ouviram falar deles antes.
É provável que ninguém ouça muita coisa a respeito dos três mais adiante. Eles e os outros que depuseram envolveram-se nos imbróglios e escaramuças antes e depois da invasão.
Podem ter cometido o delito da cumplicidade ou da omissão com terroristas acampados, mas não têm relevância na hierarquia da tentativa de golpe.
São entre os militares menos do que Anderson Torres é entre os civis. Podem ter feito parte da engrenagem, em tarefas subalternas, mas não são os cérebros da estrutura do golpe.
Seus depoimentos têm o valor dos relatos que podem levar aos que de fato cometeram os crimes mais graves.
Que ninguém se engane com a expectativa de punição dos militares ouvidos pela PF, os primeiros a passar pelo constrangimento de inquéritos que podem levá-los a processos na Justiça comum, dos homens sem farda.
Há, entre os 81 ouvidos, gente de todas as patentes, inclusive sargentos e soldados. Todos os que estão acima deles, mesmo que já de pijama, desapareceram das notícias sobre a tentativa de golpe.
Acontece com esses depoentes generais, coronéis, tenentes e cabos, alguns sem jipe, o que aconteceu com os manés recolhidos à Papuda.
Nenhum deles saberá dizer ao certo por que, depois de criadas as condições para o golpe imaginadas por Bolsonaro, os militares líderes não apareceram.
Quais dos interrogados seriam do alto comando do núcleo que vinha blefando com o golpe? Talvez nenhum.
Alguns deles, de dentro do GSI, podem ter sido testemunhas ou auxiliares dos planos dos golpistas-chefes.
Mas quantos deles seriam do grupo que, mesmo fora do núcleo duro golpista, levou adiante o ato terrorista do dia 8?
O que se espera é que contribuam também para a compreensão do encolhimento de chefes que, no momento decisivo, acabaram frustrando tudo o que havia sido planejado, incluindo a minuta do golpe.
Os depoimentos dos militares, amarrados a outros relatos, podem nos levar a quem importa da liderança do golpe.
Não para que aconteçam grandes descobertas, mas para que surjam as provas e as conexões que sustentarão suspeitas e indícios repetitivos e cansativos.
Sabemos quem liderou, quem estruturou e quem acionou o golpe muito antes de janeiro. Não são os generais e os outros militares ouvidos essa semana.
Mas eles, os oficiais que se submeteram a interrogatórios nunca vistos antes na PF, devem saber quem são quase todos os membros do QG golpista montado a partir de 2018. Muitos com certeza sabem.
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