PL das fake news: muito além das boas intenções
Professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado. Doutor em Direito pela USP
O Projeto de Lei (PL) nº 2630, de 2020, de iniciativa do Senador Alessandro Vieira, tem por objetivo instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Popularmente conhecida como PL das fake news, tendo em vista o objeto que busca coibir na comunicação social, o documento em análise está suscitando uma série de questionamentos, dadas as recentes manifestações governamentais demonstrando a intenção de regulamentar o uso de redes sociais e serviços de mensageria privada. Há grande sensibilidade em relação ao assunto, pois tangencia direitos fundamentais e, em última análise, refere-se ao cerne da democracia.
É inegável a relevância que o tema da publicação de notícias falsas com fins manipulativos assumiu nos últimos tempos no Brasil e em outros países, fenômeno potencializado com o desenvolvimento tecnológico cuja materialização pode ser notada com a criação de redes sociais e serviços de mensagens (como WhatsApp e Telegram, por exemplo). Nesse sentido, a utilização de algoritmos como meio de endereçamento mais preciso de informações a um público previamente determinado, de acordo com as preferências manifestadas no âmbito da internet, apresenta gigantesco potencial de disseminação de dados coligidos com objetivos não necessariamente nobres. É algo que exige, no mínimo, reflexão profunda da sociedade acerca do potencial efeito que tal panorama produz sobre a comunidade, o ambiente democrático e, de modo específico, em contexto eleitoral, como demonstrado recentemente em vários lugares do mundo.
O combate ao Mal, entretanto, é feito muitas vezes utilizando-se da máscara do Bem, algo que historicamente pode ser observado com fartura de exemplos. Dado o natural medo dos norte-americanos de novos ataques terroristas após o fatídico 11 de setembro de 2001, foi aprovado, com base na noção de defesa de segurança nacional, o Patriot Act, instrumento legal que, tempos depois, foi equivocadamente usado para desrespeitar direitos humanos de pessoas detidas por forças militares dos Estados Unidos. Do mesmo modo, a sociedade brasileira, a despeito da justa preocupação em combater a publicação de notícias falsas, deve ficar atenta quanto a aspectos fundamentais que devem ser abordados na regulação do mencionado tema: qual é o conceito de fake news? Qual a diferença, se existir, entre informação falsa e desinformação? Como ocorrerá o combate às informações suspeitas sem que sejam feridos alguns princípios constitucionais?
O esclarecimento das questões referidas é essencial para a construção de um arcabouço institucional condizente com o ambiente democrático. Sempre é bom lembrar que a democracia apresenta uma faceta instrumental/formal, baseada na aferição da vontade da maioria, e um aspecto substancial/material, que consiste no respeito aos direitos fundamentais, os quais são essenciais para a concretização da dignidade da pessoa humana. Assim, a liberdade de expressão, embora não seja absoluta, deve ter os respectivos limites cuidadosamente observados, sob pena de a nova legislação, como é passível de ocorrência com qualquer instrumento, ser usada para fins mais negativos que positivos. Note-se que a noção de eficácia horizontal dos direitos fundamentais faz com que tais normas sejam aplicáveis também na relação entre particulares (no caso, no vínculo mantido entre o usuário e as plataformas digitais) e não apenas na ligação existente entre Estado e a respectiva população (que consiste na eficácia vertical dos referidos direitos).
A regulação das redes sociais e dos serviços de mensagens, portanto, é algo que demanda profundo diálogo social e acurada análise técnica quanto aos termos da PL nº 2630, de 2020. Ainda que algumas passagens do diploma demonstrem preocupação legítima com o princípio da transparência, determinadas lacunas devem ser preenchidas (como ressaltado nas questões apontadas no texto) de forma a evitar brecha a ser usada por algum governante, de qualquer orientação política, que tenha por objetivo calar eventual crítica, feita nos limites constitucionalmente definidos, sob o pretexto de estar defendendo a democracia de supostas fake news. Como qualquer ciência, o ramo jurídico depende de precisão terminológica para que haja um bom funcionamento e, assim, quanto mais adequada for a elaboração da lei, mais perto a sociedade estará da pacificação.
Sobre a Universidade Presbiteriana Mackenzie
A Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) está na 71a posição entre as melhores instituições de ensino da América Latina, segundo a pesquisa Times Higher Education 2021, uma organização internacional de pesquisa educacional, que avalia o desempenho de instituições de ensino médio, superior e pós-graduação. Comemorando 70 anos, a UPM possui três campi no estado de São Paulo, em Higienópolis, Alphaville e Campinas. Os cursos oferecidos pelo Mackenzie contemplam Graduação, Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado, Pós-Graduação Especialização, Extensão, EaD, Cursos In Company e Centro de Línguas Estrangeiras.
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