Plataforma de empregabilidade para refugiados completa um ano

Apesar de bom grau de instrução, é grande a dificuldade de trabalho

Letycia Bond - Repórter da Agência Brasil*/Foto: Divulgação/MemoRef
Publicada em 19 de abril de 2020 às 10:19
Plataforma de empregabilidade para refugiados completa um ano

O paquistanês Ahmed Malik Ejaz partiu de seu país natal em 1996, para dar continuidade aos estudos. Cerca de duas décadas depois, conhecia os mauritanos Lassana Bakhayokho, Soumare Bouna e Camara Fily, que também atravessaram mares, deixando para trás um continente. Da nova relação, teve início a formação de vínculos profissionais e de afeto. 

Os caminhos de Ejaz e dos três refugiados mauritanos se cruzaram na Associação Religiosa Beneficente Islâmica do Brasil, mais conhecida como Mesquita do Brás, na capital São Paulo. Na época, o empresário buscava profissionais para trabalhar na construção de outro templo islâmico, a Associação Beneficente Islâmica Tabiun, na zona sudoeste da capital. Bastou uma tarefa para que o trio demonstrasse competência e responsabilidade, o que fez com que Ejaz decidisse incorporá-los ao quadro de sua fábrica de câmaras frias, painéis térmicos e contêineres, a Cashier Cold, localizada em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo.

Como a Cashier Cold, outras 23 companhias aderiram à plataforma Empresas com Refugiados, que tem como finalidade difundir práticas que favoreçam a inserção de refugiados pelo Brasil no mercado de trabalho e completa um ano de existência nesta semana. A iniciativa foi desenvolvida pela Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e pela Rede Brasil do Pacto Global, com o apoio da ONU Mulheres.

No total, as políticas divulgadas pela Acnur beneficiaram 5.500 refugiados, que conseguiram uma colocação profissional ou que participaram de cursos de capacitação. As empresas também podem ganhar destaque por promover atividades de fomento e realizar campanhas sobre a condição de refúgio, como forma de orientar empregados e parceiros comerciais sobre o tema.

"A plataforma foi lançada para que a gente pudesse levar mais informação sobre a população refugiada no Brasil, o perfil dessa população e sua capacidade de trabalho e, com isso, possibilitar que mais empresas pudessem reconhecer as qualificações dessa população e efetuar apoios, contratações", afirma o oficial de Meios de Vida da Acnur, Paulo Sérgio Almeida. "Por isso, relacionamos experiências bem-sucedidas e criamos esses cases de sucesso, que formaram uma espécie de vitrine para que outras empresas conhecessem."

O representante da Acnur destaca que é importante os empresários compreenderem que os refugiados são pessoas que têm o desejo de colaborar para o país e que têm, em sua maioria, alto grau de formação. Um estudo divulgado em 2019, pela agência da ONU, mostrou que 34,4% dos refugiados são portadores de diploma universitário ou mesmo já cursaram uma pós-graduação. Apesar disso, um dos principais obstáculos enfrentados por eles, ainda hoje, é a demora na revalidação dos diplomas, procedimento feito pelas universidades federais públicas, aspecto também reforçado por Almeida à Agência Brasil.

Conforme relata a diretora jurídica da Cashier Cold, Tatiane Renda, o comprometimento de Bakhayokho, Bouna e Fily até hoje rende elogios por parte dos colegas de trabalho. Ela considera que parte da população tem uma percepção preconceituosa em relação a refugiados por não conhecer outras culturas e que a solução para resolver o problema é ampliar o contato com realidades e pessoas de diferentes origens. 

Sentindo que poderia ajudar os três novos colegas, Tatiane elaborou um plano de estudos para que eles fossem alfabetizados e convidou sua irmã, Telmara Renda Hayata, para dar a eles aulas de língua portuguesa. Dizendo-se "transformada", a advogada comenta ainda, de forma despretensiosa, quase sem querer, que acabou sensibilizando outro cliente seu para a causa. O empresário da GCABE-Altwin, fabricante de produtos elétricos, contratou um amigo dos colegas, que estava desempregado e que havia sido acolhido por eles em casa. Atualmente, Seydi Tadre e Fily trabalham como operadores de produção na GCABE, em São Bernardo do Campo, e Bakhayokho e Bouna, como auxiliares de produção na Cashier Cold. 

Outra medida feita para acolher os mauritanos foi estruturar um local onde pudessem se recolher nos momentos de oração. Eles também receberam autorização para encerrar o expediente mais cedo às sextas-feiras, para poder frequentar a mesquita e, portanto, manter suas tradições. "Eles não imaginavam que seriam tão bem recepcionados", diz Tatiane. 

Além de expandir a rede de solidariedade entre adultos de seu convívio, Tatiane relata que tem mobilizado crianças de sua família. "O ambiente da fábrica se transforma. Sinto que todo mundo precisava passar por isso. É uma sintonia muito agradável. Amadureci muito", conta. 

Como participar

As empresas que desejem aderir à plataforma devem preencher um formulário, detalhando as ações que pratica e declarando que estão em consonância com o propósito do programa. O cadastro é submetido a análise do Comitê Gestor da Plataforma, composto pela Acnur e o Pacto Global da ONU. Exige-se que a prática tenha sido desenvolvida nos 12 meses que antecederam a inscrição na plataforma e que seja de uma empresa (privada, pública ou sociedade de economia mista), de uma fundação/instituto empresarial ou de uma associação empresarial. As demais informações podem ser consultadas no site do projeto.

* Com informações da Acnur.

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