Proibição de substituição da pena por causa de reincidência só ocorre em crimes idênticos

A tese foi estabelecida pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), superando entendimento anterior de que a reincidência em crimes da mesma espécie impediria, de forma absoluta, a substituição da pena privativa de liberdade

STJ
Publicada em 09 de setembro de 2021 às 10:22
Proibição de substituição da pena por causa de reincidência só ocorre em crimes idênticos

​​O impedimento absoluto à substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, por causa de reincidência do réu (artigo 44, parágrafo 3º, do Código Penal), só é aplicável no caso da reincidência no mesmo crime (constante do mesmo tipo penal). Nos demais casos de reincidência – como em crimes de mesma espécie, que violam o mesmo bem jurídico, mas constam de tipos diferentes –, cabe ao Judiciário avaliar se a substituição é ou não recomendável em virtude da condenação anterior.

A tese foi estabelecida pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), superando entendimento anterior de que a reincidência em crimes da mesma espécie impediria, de forma absoluta, a substituição da pena privativa de liberdade.

De acordo com o artigo 44, parágrafo 3º, do Código Penal, se o condenado for reincidente, o juízo poderá aplicar a substituição da pena, desde que, diante da condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não esteja relacionada à prática do mesmo crime.

Interpretação da expressão "mesmo crime"

O relator do recurso julgado pela Terceira Seção, ministro Ribeiro Dantas, apontou que o princípio da vedação à analogia em prejuízo do réu (in malam partem) recomenda que não seja ampliado o conceito de "mesmo crime". O magistrado lembrou que toda atividade interpretativa parte da linguagem adotada no texto normativo – o qual, embora tenha ocasional fluidez ou vagueza em seus textos, apresenta "limites semânticos intransponíveis".

"Existe, afinal, uma distinção de significado entre 'mesmo crime' e 'crimes de mesma espécie'; se o legislador, no particular dispositivo legal em comento, optou pela primeira expressão, sua escolha democrática deve ser respeitada", afirmou, concluindo que "mesmo crime" deve ser interpretado como "crime do mesmo tipo penal".

Segundo o relator, se o artigo 44, parágrafo 3º, do Código Penal vedasse a substituição da pena de reclusão nos casos de reincidência específica, seria realmente defensável a ideia de que o novo cometimento de crime da mesma espécie impediria o benefício legal. Entretanto – ponderou –, o legislador utilizou a expressão "mesmo crime", em vez de "reincidência específica", criando na lei uma delimitação linguística que não pode ser ignorada.

Texto dá margem a situações incoerentes

Ribeiro Dantas reconheceu que a interpretação adotada até agora pelo tribunal evitava situações incoerentes, como na hipótese de um réu condenado por dois crimes de furto simples (artigo 155, caput, do CP), que não teria direito à substituição de pena por causa da vedação absoluta prevista no artigo 44, parágrafo 3º, do código; porém, se o segundo crime fosse um furto qualificado (artigo 155, parágrafo 4º), ele poderia ser beneficiado com a substituição, desde que a pena não ultrapassasse quatro anos.

"Em outras palavras, o cometimento de um segundo crime mais grave poderia, em tese, ser mais favorável ao acusado, em possível violação ao princípio constitucional da isonomia", apontou. No entanto, o ministro afirmou que essa incongruência da lei "é matéria político-legislativa, a ser corrigida mediante os meios e processos da democracia", e não por uma interpretação judicial contrária ao réu – "algo incabível no processo penal". No Poder Judiciário, disse ele, "impõe-se respeitar os limites lexicais dos textos normativos e assim aplicá-los".

No caso analisado pela Terceira Seção, o magistrado apontou que o réu foi condenado pelo crime de receptação, e, mesmo sendo a pena menor do que quatro anos de reclusão, a substituição foi negada pelo tribunal de origem em razão de crime anterior de roubo.

Nessa hipótese, embora a substituição fosse possível diante da nova orientação do colegiado, Ribeiro Dantas destacou que o crime de roubo tem a violência ou a grave ameaça como elemento típico objetivo, o que leva à conclusão – como também entendeu a corte estadual – de que o benefício não seria socialmente recomendável.

Leia o acórdão no AREsp 1.716.664.

Informativo de Jurisprudência

A decisão da Terceira Seção foi destacada na edição 706 do Informativo de Jurisprudência – serviço por meio do qual o STJ divulga, periodicamente, teses selecionadas pela novidade no âmbito da corte e pela repercussão no meio jurídico.

Consulte aqui as outras edições do Informativo.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):AREsp 1716664

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