TJRJ articula iniciativas de proteção de crianças em extrema vulnerabilidade social

Algumas ações começaram a ser implantadas em novembro de 2015 e há projetos que beneficiam diretamente filhos de mulheres presas ou moradoras de rua

Gilberto Costa Agência CNJ de Notícias
Publicada em 06 de janeiro de 2022 às 15:32
TJRJ articula iniciativas de proteção de crianças em extrema vulnerabilidade social

Na unidade materno infantil anexa à Penitenciária Talavera Bruce, do Complexo Penitenciário de Gericinó, é desenvolvida ação para reduzir os impactos da separação precoce da mãe e do filho. Foto: TJRJ

A Comissão de Valorização da Primeira Infância e Planejamento Estratégico, liderada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), assiste a crianças em extrema vulnerabilidade social na cidade do Rio e também, em parte, no município de Nova Iguaçu, na baixada fluminense. Algumas ações começaram a ser implantadas em novembro de 2015 e há projetos que beneficiam diretamente filhos de mulheres presas ou moradoras de rua.

O trabalho da Comissão estabelece cooperação interna na Justiça e parcerias institucionais para amparar meninos e meninas, algumas ainda no ventre materno, a fim de assegurar direitos e adotar medidas protetivas até os seus doze anos de idade. Essas pessoas, tantas vezes sem atenção do Estado, podem entrar no ciclo da exclusão desde o nascimento porque estão sujeitas ao não convívio com os pais, à ausência de cuidados familiares, à falta de registro civil e à eliminação de direitos que essas condições implicam para toda vida.

No TJRJ, o trabalho liga o juizado da infância com os sistemas de jurisdição criminal e de execução penal. Além do tribunal, o trabalho mobiliza o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Poder Executivo local – as secretarias estaduais de Administração Penitenciária e de Saúde, o Departamento Geral de Ações Socioeducativas e as secretarias municipais de Assistência Social e de Saúde.

A iniciativa, reconhecida pela primeiro edição do prêmio Prioridade Absoluta, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na categoria “Tribunal” e no eixo “Protetivo”, exige grande articulação interna e também externa – “uma costura entre instituições”, como lembra a juíza Raquel Santos Pereira Chrispino. Ela é uma das responsáveis pelo trabalho da Comissão de Valorização da Primeira Infância e Planejamento Estratégico do TJRJ. “É um projeto muito delicado. É um tecido muito difícil de costurar, precisa ter muita paciência. Está sendo costurado devagarinho. O tribunal é fundamental, mas não vai fazer tudo sozinho. Ele vai conversar com a rede. Exige uma intersetorialidade estrutural, porque não se pode fazer dentro do tribunal só, tem que fazer do tribunal para fora.”

Se, no plano institucional, a Comissão faz a costura junto às pessoas que atende, o esforço é de coser pontos miúdos, entrelaçar fios soltos e tentar restaurar o tecido familiar e comunitário para garantir o desenvolvimento de uma criança. A costura se dá em situações extremamente delicadas, como em casos de crianças cuja mãe está privada de liberdade. No registro da iniciativa no prêmio do CNJ, a comissão havia assistido 27 mulheres do sistema prisional – mães de 57 filhos de até 12 anos – e cinco adolescentes aprendidas – mães de cinco filhos.

Marco legal

O trabalho da Comissão de Valorização da Primeira Infância e Planejamento Estratégico atende à Lei 13.257/2016, que dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância. Conforme a legislação, o Poder Público deve “apoiar a participação das famílias em redes de proteção e cuidado da criança em seus contextos sociofamiliar e comunitário visando, entre outros objetivos, à formação e ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, com prioridade aos contextos que apresentem riscos ao desenvolvimento da criança.”

Esse marco legal mudou o Código Processual Penal (Decreto-Lei nº 3.689/1941) e determina que o juiz deve perguntar na audiência de custódia a acusados sobre “a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa”.

“É claro que o legislador não queria que o juiz fizesse essa pergunta e deixasse na gaveta. Existe uma criança no território e precisa ser localizada. O juiz tem que perguntar e tem que fazer alguma coisa com essa informação”, sublinha Raquel Chrispino. “Existe uma criança nesse contexto, ou porque está na barriga da mãe que entrou [na prisão provisória] grávida, ou porque ganhou o bebê dentro do sistema, ou porque ficou do lado de fora quando os pais foram presos. É necessário regularizar a guarda dessa criança.”

No caso das crianças que nascem no sistema prisional, preocupa a comissão premiada pelo CNJ os possíveis impactos familiares, emocionais e até neurológicos no bebê, causados pela separação precoce da mãe e do filho. Esses riscos podem ser diminuídos com a articulação entre Justiça e sistemas prisional e de atendimento à saúde, como ocorre na unidade materno infantil anexa à Penitenciária Talavera Bruce, do Complexo Penitenciário de Gericinó (Bangu VIII).

Situação de rua

Além do acolhimento das crianças filhas de pessoas privadas de liberdade, a Comissão de Valorização da Primeira Infância e Planejamento Estratégico faz a interface entre a Justiça e os sistemas de Saúde e de Assistência Social para atendimento de mães e bebês em situação de rua e em condição de vulnerabilidade. A articulação se dá para proteger as crianças, assistir sua saúde após o nascimento, garantir direitos de vínculos dos recém-nascidos com a mãe e, quando necessário, localizar parentes que possam recebê-los e assim recuperar laços familiares em benefício dos bebês.

De acordo com a juíza Raquel Chirispino, o trabalho é evitar um drama que ocorre no Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras quando uma mulher moradora de rua interna no hospital para ganhar o bebê. A criança, cuja mãe não teve assistência médica pré-natal, nasce com a saúde frágil e precisa permanecer hospitalizada após a genitora receber alta. “Não existe equipamento de acolhimento coletivo de mãe e bebê. Na hora que acolhe só o bebê, há o risco de romper o vínculo com a mãe.”

O hospital é obrigado a informar à Justiça sobre o nascimento da criança e as condições de vida da mãe para que se determine o destino da criança após a alta. Além da saúde frágil do bebê, o quadro da mãe – que pode voltar a morar nas ruas, perdeu seus documentos e eventualmente sofre com alguma dependência química -, pode levar a decisão judicial no sentido de que o filho não seja entregue à mãe, siga para uma instituição, ou seja confiada provisoriamente à uma família substituta.

O drama relatado pela juíza ocorre quando as mães afastadas querem ficar com seus filhos, procuram a defensoria pública, conseguem recuperar a guarda dois ou três anos depois do nascimento – idade que a criança já tem vínculo com a família substituta. “Nessas decisões, choram criança, mãe biológica, família substituta e o juiz”, conta Raquel.

Segundo ela, o problema poderia ser evitado se, em até duas semanas, as equipes de assistência social pudessem localizar a família da mãe e verificar se há condições de ser acolhida com o bebê pelos parentes. “É preciso de tempo para acessar a família da mãe. Esse nascimento mexe muito com a mãe e a maioria tende a querer sair da rua e criar o filho.”

Pikler e paternidade

A comissão do TJRJ ainda atua para capacitar equipes das varas da Infância e Juventude e equipes técnicas de instituições de acolhimento na abordagem Pikler. Criado pela pediatra húngara Emmi Pikler, o método reconhece e valoriza o vínculo entre a mãe (ou cuidadora) e o bebê, respeita a individualidade da criança e promove a autonomia através da liberdade de movimentos no brincar livre, ao tempo e espaço de cada um, necessários ao desenvolvimento sadio.

A adoção da abordagem tem o propósito de evitar ou, ao menos, minimizar os efeitos produzidos da separação de crianças de suas mães, bem como investir em uma mudança de mentalidade nos cuidados dirigidos a essas crianças.

Outro eixo é a valorização da paternidade. A intenção é conscientizar sobre a importância da presença do pai e da convivência familiar para a primeira infância. O trabalho se faz por meio de atendimento psicológico e realização de oficinas permanentes para famílias e crianças que estão em processo de reconhecimento da paternidade.

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