Tribunais retomam audiências de custódia regulares com protocolos de saúde

A retomada da realização presencial das audiências envolve mudanças nos procedimentos, como a adequação de salas, a instalação de divisórias entre as pessoas presentes e o distanciamento seguro

Iuri Tôrres Agência CNJ de Notícias Com informações da assessoria de comunicação do TJRR
Publicada em 08 de outubro de 2020 às 13:32
Tribunais retomam audiências de custódia regulares com protocolos de saúde

Sala de audiência de custódia no Tribunal de Justiça de Roraima. Foto: Orib Ziedson/TJRR

Tribunais de todo o país estão retomando a realização de audiências de custódia de forma presencial, seguindo protocolos de segurança sanitária enquanto mantêm o importante direito de apresentação do preso ao juiz em até 24 horas após a detenção. Com o início da pandemia no Brasil em março, diversos tribunais optaram por suspender as audiências seguindo a Recomendação CNJ 62/2020, mas as atividades estão sendo retomadas no modo presencial gradualmente devido à relevância para a própria finalidade do instituto, como a identificação de eventuais casos de tortura e maus-tratos.

Tribunais de Justiça de Amapá, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio de Janeiro e Roraima estão entre os que já retomaram a realização das audiências de custódia de forma presencial, totalmente ou parcialmente – seguindo protocolos locais e normativas das próprias cortes voltadas à prevenção à contaminação por Covid-19. Outros sete tribunais também já estão elaborando planos para o retorno dessa atividade.

A retomada da realização presencial das audiências envolve mudanças nos procedimentos, como a adequação de salas, a instalação de divisórias entre as pessoas presentes e o distanciamento seguro, além de medidas sanitárias como aferição de temperatura, uso obrigatório de máscaras e a limpeza dos ambientes.

Ainda em março, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Recomendação n. 62, orientando tribunais e magistrados para adoção de medidas preventivas à propagação do novo coronavírus no sistema de justiça penal e socioeducativo. O texto considera que a manutenção da saúde das pessoas privadas de liberdade, especialmente devido à situação de confinamento e superlotação nos presídios brasileiros, é essencial para a garantia da saúde coletiva e da segurança pública.

Em seu art.7, a Recomendação CNJ n. 62 orienta sobre a realização de audiências presenciais “em espaços ampliados ou abertos, tais como salas destinadas aos plenários do júri e auditórios, permitindo maior distância respiratória entre as pessoas presentes”. O texto também assinala a “substituição temporária de magistrados e agentes públicos que pertençam ao grupo de risco”, além do uso excepcional de algemas e redução do tempo de permanência nas carceragens dos fóruns.

Funcionamento

Em Roraima, por exemplo, as audiências de custódia foram retomadas na capital, Boa Vista. Para esse retorno, diversas medidas foram adotadas, como a instalação de divisórias de acrílico transparente nas salas, de modo a garantir um distanciamento social ainda mais seguro. Além disso, a temperatura dos participantes é aferida antes do início de cada audiência e kits com máscaras e álcool gel são distribuídos. A cada intervalo do procedimento, há também higienização dos ambientes.

A titular da 1ª Vara do Tribunal do Júri e da Justiça Militar do TJRR, juíza Lana Leitão, destaca que as audiências funcionam para a implementação completa da garantia de direitos assegurados na Constituição Federal. “O retorno das audiências de custódia é uma medida necessária, mas a prevenção vem em primeiro lugar. E o TJRR adota critérios fundamentais para esta retomada”, observou, ao assinalar que a audiência de custódia é essencial para qualquer pessoa que foi presa.

“Ela garante que sejam analisadas desde as condições da prisão até a possibilidade ou não do benefício de liberdade, que seria concedido num procedimento normal, mas que demoraria mais tempo, lotando ainda mais as unidades prisionais”, explicou.

Em Marabá, no Pará, foi criada a chamada “sala limpa”, onde são realizadas as audiências presenciais, como explica o juiz titular da Vara de Execuções Penais da comarca, Caio Berardo. Segundo o magistrado, o ambiente foi preparado para esta finalidade, e por isso passa por desinfecção com mais frequência. O TJPA emitiu portaria regulamentando o retorno das atividades presenciais e reiterando a vedação de videoconferência para as audiências de custódia.

O Judiciário do Rio de Janeiro também se adaptou para retornar o atendimento presencial das pessoas custodiadas. Antes da pandemia, eram cinco as salas para realização das audiências – elas foram reformadas e transformadas em três, garantindo o distanciamento necessário entre os presentes. Também estão sendo distribuídos equipamentos de proteção individual, além do estabelecimento de um novo protocolo de limpeza após cada sessão.

Como explica a juíza de direito da 29ª Vara Criminal da Comarca da Capital Simone Rolim, os departamentos médico e de engenharia do tribunal trabalharam juntos para estabelecer os protocolos. Outra medida é a testagem rápida para Covid-19 de quem ingressa no sistema prisional.

“A preocupação com a saúde das pessoas privadas de liberdade é constante na atuação de todos os envolvidos nas audiências de custódia, na medida em que os custodiados se encontram em espaços de confinamento, imunodeprimidos e onde a propagação do vírus pode se se dar em grande escala, produzindo impacto significativo na segurança e na saúde pública, que extrapolam os muros dos estabelecimentos prisionais”, diz Rolim.

Arquitetura

A arquitetura judiciária tem papel importante na prevenção à Covid-19, além de outras funções importantes na prestação jurisdicional. O CNJ, em projeto realizado com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD Brasil) e apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio do Depen, está construindo parâmetros nacionais de arquitetura judiciária na audiência de custódia, com previsão de colaboração de projetos para estes espaços em diferentes estados. As ações em audiência de custódia também contam com suporte técnico do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC Brasil).

Como explica a consultora em arquitetura prisional e socioeducativa Suzann Cordeiro, é necessário o planejamento cuidadoso dos espaços para realização de audiências de custódia. “De acordo com orientações da Organização Mundial da Saúde, além de higiene das mãos e a distância entre pessoas, deve-se atentar para o posicionamento das mesmas em relação à direção da circulação de ar, de maneira a não soprar de uma pessoa para a outra”, exemplifica. “Outra preocupação deve ser o posicionamento dos participantes próximo às aberturas para o exterior, de modo a respirarem mais ar renovado do que o ar interno, saturado”.

Prevenção

Com a suspensão das audiências de custódia como forma de prevenção à propagação do novo coronavírus, o CNJ trabalha em alternativas para o acompanhamento da situação de novas prisões, garantindo a saúde dos profissionais de justiça criminal e das pessoas sob custódia. Uma das medidas é o lançamento de um formulário online para preenchimento pelo Judiciário após a análise dos Autos de Prisão em Flagrante (APF). Já foram registrados mais de 70 mil APFs na plataforma.

Como explica o coordenador de ações de audiência de custódia do programa entre CNJ, PNUD Brasil e UNODC, Rafael Barreto Souza, a audiência de custódia é a garantia de um direito fundamental de toda pessoa presa em flagrante ser levada à presença do juiz para análise da legalidade da prisão e também de indícios de tortura e maus-tratos.

Em levantamento realizado em junho deste ano, o CNJ identificou que, desde o início da pandemia e com a suspensão das audiências de custódia, houve um decréscimo de 83% no percentual de relatos de tortura e maus-tratos no ato da prisão, em comparação com o dado pré-pandemia. Em março de 2020 foram registradas 11,9 mil audiências de custódia, com 1.033 casos de tortura apontados (8,67% do total). Já entre abril e maio de 2020 foram realizadas 10,5 mil audiências de custódia, com indicação de tortura e maus-tratos em apenas 150 casos (1,42% do total). Ao se comparar dados de abril 2019 com abril de 2020, a queda de relatos foi de 66%.

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