Um dia para refletir sobre o papel e a evolução da Justiça no Brasil
Para o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins – que estará presente à abertura do encontro –, a memória é um alicerce sobre o qual se podem construir valores e identidade institucional
A memória preserva e organiza os eventos históricos, mas também estimula reflexões que permitem fundamentar ações para o presente e o futuro. Em 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu 10 de maio como o Dia da Memória do Poder Judiciário, data voltada para a reflexão sobre a evolução da Justiça brasileira e a celebração de seu patrimônio cultural e documental.
Nesta terça-feira (18), o 1º Encontro Nacional de Memória do Poder Judiciário vai reunir autoridades e especialistas no assunto para debater a gestão da memória nos tribunais e promover uma troca de experiências nas áreas de história, arquivologia, biblioteconomia e museologia. Promovido pelo CNJ, o evento será transmitido pelo YouTube e dará certificado aos participantes que se inscreverem até a véspera.
Para o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins – que estará presente à abertura do encontro –, a memória é um alicerce sobre o qual se podem construir valores e identidade institucional. "Em um momento como o atual, quando as instituições judiciárias são tão pressionadas pela situação crítica que o país vive, é importante relembrar a base sólida de onde vem a nossa Justiça", afirmou.
Lembrando que o STJ tem papel vital na formação da jurisprudência e, portanto, na construção da memória do Judiciário, o ministro comentou que "muitos dos processos de maior destaque acabam sua trajetória nesta casa. Divulgar essas histórias é nossa obrigação".
Direito de conhecer
A data comemorativa foi criada pela Resolução 316/2020, assinada pelo ministro Dias Toffoli quando era presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ele, os membros do Judiciário são guardiões de uma história que moldou as instituições do país. "A preservação da memória institucional do Judiciário não é só um tributo ao passado, mas sim um compromisso com as futuras gerações, que têm o direito de conhecer sua história", declarou o magistrado.
Construção da sede do STJ (1989-1994), em imagem custodiada pelo Arquivo.Cidadão: valorização da memória institucional. | Foto: Arquivo STJ
O STJ, alinhado com as melhores práticas administrativas, fomenta a gestão da memória institucional e harmoniza suas ações com uma série de atividades e projetos de natureza social, cultural e educativa, constituídos em conformidade com seus propósitos de promoção da justiça e aproximação da sociedade.
"Nas últimas décadas, conheceu-se um movimento de valorização da memória institucional. A história de cada organização legitima suas ações e dá conhecimento dos impactos de suas atividades ao longo de seus anos de existência. A memória institucional torna-se, então, peça estratégica na sua administração e comunicação com a sociedade", destaca a secretária de Documentação do tribunal, Josiane Cury Nasser Loureiro.
Entusiasta da preservação da história do Poder Judiciário, o pesquisador Vladmir Passos de Freitas – professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e desembargador aposentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – destaca o significado da data: "O passado dá-nos boas lições sobre desafios, lutas e conquistas da Justiça, e arma-nos para evitar a repetição de erros e para alcançar novos êxitos".
Ele observa que, em momentos tensos como o atual, é importante lembrar conquistas como o desmantelamento do Esquadrão da Morte, em São Paulo, no fim do regime militar – em grande parte pela ação da Justiça paulista e do Ministério Público.
O professor lembra os avanços alcançados na preservação dessa história: "O STJ promoveu em 2020 vários congressos sobre a administração da Justiça, e a preservação da memória começou a ter destaque. O CNJ realizou encontros sobre o tema, que passou a ser uma causa".
Segundo Vladmir Passos, a criação do grupo Memojus Brasil – Memória da Justiça Brasileira e do seu canal no YouTube foram marcos importantes para o Dia da Memória. Trata-se de uma rede articulada, criada em 2019, em prol da memória do Judiciário, com participação de profissionais atuantes em arquivos, bibliotecas, centros culturais, centros de memória e museus de todos os segmentos da Justiça, além de instituições parceiras, como arquivos públicos, universidades e o Ministério Público.
Para o professor, a sociedade precisa conhecer passagens marcantes do Judiciário no Brasil, como a atuação e os desafios da Justiça durante o regime militar. "Também é importante valorizar histórias regionais, das comarcas. O Judiciário do Amazonas tem casos interessantíssimos, mas é preciso que alguém se habilite a pesquisar." Ele ressalta que o STJ se destaca pelos vários projetos de preservação e divulgação da memória, e tem uma equipe qualificada e dedicada voltada para essa finalidade.
Um lugar de memória
Criado em 1990, o Museu do STJ está localizado no mezanino do Edifício dos Plenários. Ali ficam o acervo do extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR) – antecessor do STJ – e várias peças de interesse da história da corte, como croquis do artista Vallandro Keating para o mural do Salão Nobre e a maquete do complexo de prédios do tribunal, baseada nas plantas do arquiteto Oscar Niemeyer.
O museu faz parte da Seção de Memória e Divisão Cultural (Semec), unidade da Coordenadoria de Memória e Cultura (Cult). A seção, que também cuida da galeria de arte do STJ e do Espaço Cultural, é responsável pela divulgação da documentação e de processos históricos da corte, além da difusão das pesquisas históricas, culturais e educativas, e pela guarda e conservação do acervo das exposições.
Para Jaime Cipriani, coordenador da Cult, o Dia da Memória do Poder Judiciário contribui para o fortalecimento das ações institucionais. "A memória é o principal ingrediente das construções identitárias, pois cria e fortalece a percepção do pertencimento. A partir disso, são fundamentais as ações de reconhecimento e solidariedade em uma comunidade, como a dos servidores e colaboradores do STJ", explica.
No Museu do STJ, estudantes conhecem móveis e outras peças que contam a história da corte e do extinto Tribunal Federal de Recursos. | Foto: Luiz Antônio / STJ
Formam o museu duas exposições permanentes – uma dedicada à história do STJ e outra dedicada à história do TFR. Além disso, há as exposições temporárias e os lançamentos de livros jurídicos, que ocorrem durante todo o ano no Espaço Cultural.
O chefe da Semec, Evanildo da Rocha Carvalho, afirma que os museus, ferramentas para as instituições gerirem ações e instrumentos de preservação, "são 'lugares de memória' por excelência, na expressão do historiador francês Pierre Nora. A memória institucional ajuda a legitimar cada órgão e se torna peça estratégica para a administração e para a comunicação com a sociedade".
Evanildo acrescenta que a corte sempre demonstrou grande preocupação em preservar e promover a sua memória. "Todas as atividades da unidade estão definidas no Manual de Organização do Tribunal", segundo ele.
O museu integra o roteiro dos grupos de estudantes e idosos que visitam o STJ por meio de seus projetos socioeducativos, como o Despertar Vocacional Jurídico. Nele podem ser encontradas peças como vestes talares, mobiliários e equipamentos do TRF, um habeas corpus escrito em papel higiênico e a caneta com a qual a ministra Eliana Calmon, primeira mulher nomeada para o STJ, assinou seu termo de posse.
A Semec é responsável ainda pelas exposições realizadas no tribunal e pela elaboração de publicações como a Coletânea de Julgados e Momentos Jurídicos dos Magistrados no TRF e no STJ e o livro Presidentes do STJ – Dados Biográficos. "O portal do STJ tem a seção História – acessível a partir do menu Institucional, na homepage –, que foi produzida pelo nosso setor", informa Evanildo.
Processos históricos
O MomentoArquivo, iniciativa da Coordenadoria de Gestão Documental (CGED), também atua na divulgação da memória institucional. Mensalmente, a publicação divulga julgados históricos do STJ, com uma linguagem descontraída. Para o coordenador da CGED, Júlio César de Andrade Souza, as decisões da corte, desde sua instalação, em 1989, refletem a história recente do Brasil.
"Entre os milhões de julgamentos, temos temas de grande impacto para a vida dos cidadãos e de repercussão nacional. A Justiça promove cidadania, que, por sua vez, fortalece a democracia. É importante nunca esquecer isso", assevera Júlio César.
Para ele, o Dia da Memória do Poder Judiciário é especialmente importante para consolidar a narrativa histórica da Justiça e fomentar essas iniciativas de resgate memorial. "Nos dois anos de existência do MomentoArquivo, trouxemos vários julgamentos de interesse social, sobre temas como união estável, direito de vizinhança, propriedade de marcas e danos morais", comenta.
Ele observa que a publicação é um espaço democrático, voltado para facilitar o acesso das pessoas ao Judiciário. "Temos acessos de diversos países, como Alemanha, Suíça, Moçambique e até do Cazaquistão. Ao mesmo tempo, temos acesso de pequenos municípios brasileiros, como Mirante da Serra (RO) e Porto Nacional (TO)."
Produzido pela Seção de Atendimento, Pesquisa e Difusão Documental da CGED, o MomentoArquivo integra o Arquivo.Cidadão, espaço permanente no portal do STJ criado para fomentar atividades de preservação, pesquisa e divulgação dos documentos históricos da corte.
"Durante a pandemia, além do acesso ao MomentoArquivo, foram realizadas mais de 100 mil visitas ao Arquivo Histórico Virtual do STJ para consulta a outros documentos e processos de guarda permanente. E para divulgar ainda mais o ambiente virtual onde esses registros históricos estão disponibilizados, a CGED pretende lançar um compilado com as 24 primeiras edições da publicação mensal", informa o coordenador.
Obras raras
A Biblioteca Ministro Oscar Saraiva tem um importante papel na divulgação dos julgados e da produção intelectual de membros e servidores da corte. Ela preserva coleções doadas por ministros e disponibiliza um amplo acervo físico e digital para a comunidade interna e o público em geral. Mesmo durante a pandemia, a biblioteca continuou atendendo a demanda de pesquisas de ministros e demais usuários.
Obras raras expostas na Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, que tem um laboratório especializado na restauração de publicações antigas. | Foto: José Alberto / STJ
Com mais de 130 mil documentos, a Biblioteca Digital Jurídica (BDJur) é um dos maiores acervos digitais jurídicos da América Latina. Atualmente, usuários do Brasil e do exterior acessam a plataforma para visualizar – e baixar – itens como atos administrativos, livros, artigos jurídicos, palestras, bibliografias, conteúdos doutrinários, obras de arte, textos da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e do TFR, além de documentos produzidos pelo próprio STJ.
Abrigada na Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, a Coleção de Obras Raras é um conjunto de livros antigos e edições especiais do mundo jurídico, preservados em uma sala especial, climatizada. A preservação dessas obras é de responsabilidade do Laboratório de Conservação e Restauração de Documentos (Lacor). "Só a biblioteca tem cerca de 210 mil volumes, entre livros e documentos; a CGED possui mais de 7 mil metros lineares de processos judiciais e 3,3 mil metros lineares de documentos administrativos", destaca o chefe do Lacor, Carlos Eduardo Lessa de Farias.
Entre os títulos da coleção estão Decisionum Senatus Regni Lusitaniae, uma obra clássica de Belchior Febo, publicada no Século 17, e um exemplar autografado da última edição de Princípios Elementares de Direito Internacional Privado, de Clóvis Bevilaqua, autor do projeto do Código Civil de 1916.
Um arauto do tribunal
Outra área de divulgação da memória do STJ é a Secretaria de Comunicação Social (SCO). A unidade produz textos jornalísticos e programas de TV e rádio sobre decisões, projetos e ações do tribunal, divulgados em diversas plataformas, como os portais na internet e na intranet e as redes sociais. Além de registrar, para conhecimento presente e futuro, os eventos mais importantes da corte e seus principais julgamentos, a SCO publica na internet, toda semana, reportagens sobre a evolução da jurisprudência em relação a temas específicos.
"Essas matérias mostram, em uma linguagem acessível, o que o tribunal tem decidido sobre temas que fazem parte do dia a dia da sociedade. Resgatam-se julgados de uma forma interligada, permitindo ao leitor ter uma noção sobre vários aspectos legais de um tema", comenta a secretária da SCO, Cristine Marques Genú.
Exposição realizada em 2019, para marcar os 30 anos do STJ, apresentou 30 pessoas cuja vida se entrelaçou com a história do tribunal. | Foto: Emerson Leal / STJ
Uma ação especial da secretaria voltada para a preservação da memória institucional foi a série de reportagens e a exposição 30 anos, 30 histórias , em comemoração aos 30 anos de instalação do STJ, realizadas entre 2018 e 2019. A série teve como objetivo relatar casos que marcaram as três décadas de prestação jurisdicional por meio de 30 personagens que, de alguma forma, tiveram suas vidas afetadas pelos julgamentos ou contribuíram, muitas vezes de forma anônima, para a construção dessa história.
"A série de reportagens deu origem a uma exposição multimídia, aberta em 2 de outubro de 2019 na sede do tribunal, e também a uma edição especial da revista digital Panorama STJ", lembra Cristine Genú.
Outras instituições
A Coordenadoria da Informação, Memória Institucional e Museus do Supremo Tribunal Federal (STF) realiza conservação preventiva e restauração do acervo histórico-cultural e documental da corte. Um exemplo das atividades do setor é o acondicionamento das togas doadas pelos ministros, preservadas no Museu do STF, que retrata o histórico da instituição.
Outra iniciativa é a restauração de mobiliário dos Séculos 19 e 20, como uma cabine telefônica de madeira e vidro, utilizada no antigo edifício do STF no Rio. O tribunal também está digitalizando todo o seu acervo judicial, composto por mais de 150 mil processos. Conheça mais sobre o Museu do STF clicando aqui.
No Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), é o Núcleo de Apoio à Preservação da Memória Institucional (NUAMI) a área responsável pela memória, que tem como diferencial o grande acervo ligado à construção de Brasília, como o inventário do presidente Juscelino Kubitschek e a documentação do caso Dois Candangos.
A equipe do NUAMI coordenou a divulgação de livros comemorativos dos 50 e 60 anos do TJDFT. Conheça mais sobre esse trabalho na página do Memorial do TJDFT.
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