1. O Chico cresceu!
Davi Nogueira
Com as bênçãos do Francisco de Roma, nestes dias acalorados, foi concluída a última parte do processo licitatório de construção do Eixo Leste do Projeto de Integração do Rio São Francisco. Pela bagatela de R$ 705,2 milhões, o consórcio Bacia do São Francisco arrematou o lote derradeiro daquele braço. Já o Eixo Norte terá findada a licitação do lote remanescente ainda nesta semana. Com isso, as obras da chamada Transposição do Velho Chico ganham um novo ritmo de trabalho. Nos últimos três meses, o Ministério da Integração emitiu sete ordens de serviço. Hoje, mais de 5.800 trabalhadores possuem emprego e fazem movimentar a economia de toda aquela região pra lá de carente.
2. Coisa velha
Esse negócio de Transposição do Chico é coisa bem velhinha. D. Pedro II e sua turma já falavam nisso nos idos do século XIX. Getúlio Vargas também deu seus pitacos sobre essa “possível solução”, porém o primeiro projeto sério de que se tem notícia saiu no Governo Militar de João Figueiredo. Pelas mãos de seu tresloucado ministro do Interior, Mário Andreazza, surgiu um esboço factível de uma obra necessária, contudo perigosa. Afinal, a solução dos problemas da seca naquela região era algo a ser pensado com cuidado. A seca era um enorme negócio de confluência econômica e eleitoral usufruído por uma casta secular perpetuada no poder mediante o sofrimento alheio.
3. O tamanho da coisa
A transposição é uma obra superlativa. Serão beneficiadas mais de 12 milhões de pessoas ao longo de seus dois eixos: Norte e Leste. A captação de água é quase residual diante do gigantismo da vazão média do Chico. Apenas 1,4% do total de 1.850 m³/s são retirados do leito original e jogados nos canais artificiais para a irrigação dos quatro estados (Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte). Os canais se estendem por mais de 700 km e variam de tamanho e de profundidade. Em alguns lugares, a largura pode chegar a 25m por 5m de profundidade em complexa estrutura de concreto e aço. Os custos dessa brincadeirinha ultrapassam 8,5 bilhões de reais.
4. Por que ninguém fez antes?
É consenso ser essa uma obra necessária. Entretanto, por gerações, ninguém teve a coragem de colocá-la como prioridade e fazê-la. A seca era fator de lucro milionário e garantia a permanência de coronéis (dos mais fedorentos) na política local por séculos. O chamado DNOCS (Departamento Nacional de Obras de Combate à Seca) tornou-se uma máquina de eleger gente no Nordeste. O socorro às vítimas da seca era a festa para deputados, vereadores e prefeitos em cima de caminhões distribuindo água e cestas básicas a cidadãos carentes de tudo. Construir a Transposição representa o caminho real para a superação de tudo isso e muito mais.
5. Problemas, fé e superações
É claro que um empreendimento como esse não se faz sem a presença de muitos problemas e imputação de responsabilidades. Toda grande obra é assim. As questões ambientais a serem observadas são enormes e o mundo de hoje não aceita que não sejam contempladas. Lula, um nordestino arretado, cabra da gota, mostrou que política se faz com gestos e não com demagogia. Essa enorme distância entre o dizer e o fazer fez a diferença na percepção que a população tem dos políticos de hoje. O Velho Chico, por séculos em seu leito sereno, foi chamado por um nordestino barbudo a dar, mais uma vez, sua contribuição para a superação da dor e do sofrimento de rencas de brasileiros e brasileiras. Vendo que os olhos do barbudo inspiravam confiança... disse sim a ele e a ela! Que suas águas milenares ajudem a escrever uma nova história por aquelas bandas de gente tão carregada de fé.