1ª Semana de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes inicia com palestra sobre os desafios da autoproteção
O auditório do TJRO ficou lotado para a primeira atividade da programação, a palestra “Desafios da autoproteção de crianças e adolescentes contra a violência sexual”, ministrada pela pedagoga Caroline Arcari.
“Enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, um compromisso de todos. Não se cale, denuncie. Disque 100”. Com este slogan, teve início na tarde de segunda-feira (13) a 1ª Semana de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, promovida pela Escola da Magistratura do Estado de Rondônia (Emeron) em parceria com o 2º Juizado da Infância e da Juventude (JIJ). O auditório do Tribunal de Justiça de Rondônia ficou lotado para a primeira atividade da programação, a palestra “Desafios da autoproteção de crianças e adolescentes contra a violência sexual”, ministrada pela pedagoga Caroline Arcari.
Formaram a mesa de abertura do evento os desembargadores Isaías Fonseca Moraes, representando o presidente do TJRO Walter Waltenberg, e José Jorge Ribeiro da Luz, Corregedor Geral de Justiça, além dos juízes Guilherme Baldan, vice-diretor da Emeron, e Sandra Merenda, do 2º JIJ. Na fala inicial, Guilherme destacou a necessidade de se abordar a temática, apesar de espinhosa, e lembrou que a programação da semana “possibilita ter o conhecimento e depois aplicar na prática”.
A seguir, Sandra afirmou que crimes sexuais sempre existiram, mas como geralmente acontecem em ambiente familiar a sociedade os invisibilizava. “Agora, a sociedade finalmente dá palpite para proteger suas crianças e adolescentes”, disse. Ela alertou que criança exposta à violência sexual apresenta baixo rendimento escolar, risco de gravidez, insubordinação e sujeição a medidas protetivas, “o que leva a uma degeneração da vida social daquela vítima de abuso”. A juíza então lembrou que há apenas dez anos era criado o artigo 217-A do Código Penal, que tipifica o estupro de vulnerável (pessoa com idade abaixo de 14 anos e que, devido à imaturidade e nível de desenvolvimento, não pode dar consentimento consciente): “Isso reflete a mudança da nossa sociedade”.
Sandra também destacou a semana como uma colaboração dos participantes no sentido de se escutar a vítima e dar credibilidade à sua voz. “Antes, essa vítima não era ouvida, era criticada e abafada, aqui mesmo na Amazônia temos várias realidades de violência sexual”, declarou, chamando atenção para o projeto Miracema, apoiado pelo TJRO e que trabalha a conscientização da população ribeirinha do baixo Madeira sobre proteção, cuidado e direitos de crianças e adolescentes, como a escuta protegida. “Sairemos todos mais fortalecidos e capacitados para esse empoderamento, esse auditório tem que se multiplicar e falar que abuso sexual de crianças e adolescentes não é natural, seja qual for a idade do praticante”, concluiu.
Em sua fala, o Corregedor Geral reforçou o caráter inovador do estado por debater esse tipo de assunto, tão necessário: “Precisamos discutir efetivamente, buscar a segurança de toda criança e adolescente, é essencial que cresçam com completa e plena educação, sem violência escolar ou social para termos um adulto com absoluta saúde e eficaz na sua vida”. Já o desembargador Isaías sinalizou as três frentes básicas para coordenar as políticas públicas do estado na temática: trabalhar a proteção da criança e do adolescente em si; fortalecer a rede de proteção contra essa violência; e encontrar formas de fazer com que a criança tenha consciência de que está sendo vítima de violência sexual, pois muitas vezes não compreende. “A informação chega mais rápido hoje e precisamos usar dessa velocidade para que a criança tenha noção do que é uma violência, para se proteger e pedir socorro, e o Estado dentro dessa rede tentar ajudá-la em todas as suas esferas”, finalizou.
Caroline iniciou a palestra atentando para a importância de se falar sobre o exercício da sexualidade em todas as suas dimensões: “Se não falamos sobre isso, é muito mais difícil falar sobre violência sexual”, pontuou. Ela colocou que o aumento observado nos últimos anos no número de denúncias não quer dizer que a violência em si tenha aumentado, mas que mesmo assim apenas um a cada dez casos é atualmente notificado. “E se os nós da rede de proteção não estiverem bem tecidos, a criança não consegue ficar, mas se estiverem, aí conseguimos pegar e embalá-la”, complementou.
Mestra em educação sexual, a pedagoga acredita que, ao perceber o que as crianças sentem, é possível entender por que se calam diante da violência e do chamado mundo “adultocêntrico”: “É preciso desconstruir o mito de que a violência sexual é uma situação pontual e que provoca dor, de pegar à força, que essa é uma criança que resiste, esperneia, e que aí acontece o estupro e é denunciado; a violência sexual não é somente se há conjunção carnal e esse mito resulta na subnotificação”. Segundo ela, o abusador quer por um período grande de tempo satisfazer seus desejos sexuais ou de poder e para alcançar isso é gentil, confundindo para a criança os limites do que é abuso, e faz dessa maneira para que ela não detecte os sinais. “Quanto mais confusos forem os toques, mais ele se protege e a criança é colocada em uma situação de dependência emocional, com o autor fazendo com que ela se sinta bem, especial, amada, aproximando-se com carinho e presentes. Todo o processo de seleção da vítima faz parte da satisfação do abusador, esse processo de sedução é progressivo e faz com que criança crie dependência”, alerta.
A pedagoga então destacou que a criança que chega aos serviços da rede de atendimento é completa, e não conforme um imaginário de pureza, sem nenhuma informação e assexuada: “É importante difundir que o corpo da criança reage ao ambiente e ao toque, ao prazer, ou seja, tem excitação, a angústia acontece muitas vezes porque a criança já sabia que era vítima de violência sexual, mas se não falamos desse corpo completo não conseguimos enfrentar a violência”. Para Caroline, como em geral no início a criança não sente dor ou nojo, mas se sente amada e tem prazer, uma das coisas que mais aparecem posteriormente é o sentimento de culpa. “Vivendo em uma sociedade machista como a nossa, a criança se acostuma com a culpabilização da vítima que é amplificada pela mídia, por isso não conta sobre o abuso”, diz.
“Da mesma forma, essa sociedade que também cobra dos meninos que resolvam seus problemas sozinhos, propagando uma masculinidade que termina por vulnerabilizá-los, aumenta a subnotificação em especial dos meninos vítimas de abuso por homens, pois é igualmente homofóbica e acaba por calá-los, são todas essas questões de gênero que criam a desigualdade”, complementa. Estimativas apontam que as vítimas chegam a 27% do total de meninos e 36% das meninas, sendo que, da infância até a adolescência, a proporção das vítimas do sexo feminino cresce de 74% para 92%.
Já em relação aos abusadores, dados apontam que apenas 10% são considerados pedófilos. “A grande maioria são abusadores ocasionais, não se enquadrando no conceito de pedofilia, que é uma condição clínica prevista no Código Internacional de Doenças e não um crime. O crime, que é o que está no Código Penal, é o de estupro de vulnerável, importunação sexual, satisfação da lascívia ou exploração sexual”, explica Caroline. Por fim, a palestrante colocou que, a partir da suspeita, já é possível fazer a denúncia: “O abusador se sente encorajado pela sociedade, pois mesmo demonstrando aquele comportamento atípico, que foge ao bom senso, ele segue avançando à medida que não há denúncia”.
A semana continua com um curso de dois dias sobre as metodologias de prevenção da violência sexual para crianças e adolescentes na perspectiva da autoproteção, voltado a magistrados e servidores que atuam com o tema, e oficinas para alunos de escolas da rede pública, que abordarão os direitos das crianças e adolescentes, autoproteção, como identificar sinais de risco e a rede de proteção.
Com informações da Emeron
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