2ª Turma reconhece vínculo de emprego entre plataforma e ciclista entregador de alimentos

Para o colegiado, havia todos os requisitos característicos da relação de emprego

TST
Publicada em 09 de outubro de 2023 às 17:53
2ª Turma reconhece vínculo de emprego entre plataforma e ciclista entregador de alimentos

Ciclista entregador de alimentos

A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o vínculo de emprego entre um ciclista entregador de alimentos da Uber Eats em São José dos Pinhais (PR) e a Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Com a decisão, o processo retornará ao primeiro grau para julgar os pedidos do trabalhador. 

Prints

Na ação, o entregador disse que prestara serviços para a Uber entre maio e julho de 2021, sem registro na carteira de trabalho, até ser descredenciado. Para requerer o vínculo de emprego, apresentou prints dos registros diários de corridas, trajetos, horários e valores recebidos, obtidos a partir da plataforma digital da própria empresa.

Parceiro

O vínculo foi negado pelo juízo de primeiro grau e pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR), que consideraram que a relação era de parceria, e não de subordinação. Entre outros aspectos, o TRT considerou que, de acordo com uma testemunha, o entregador tinha liberdade para estabelecer o número de viagens e o horário de trabalho e podia aceitar ou não as entregas, sem nenhuma penalidade. 

Penalidade

Ao recorrer ao TST, o entregador argumentou que, quando desativava o aplicativo, era penalizado pela Uber, que diminuía a demanda de serviços. Segundo ele, é a plataforma que detém o poder sobre as entregas, pois dá ordens ao entregador e exige que o serviço seja realizado com perfeição, sob pena de descredenciamento, como ocorreu com ele. 

Responsabilidade

Para a relatora do recurso de revista, desembargadora convocada Margareth Rodrigues Costa, em relação às plataformas digitais, as atividades econômicas desenvolvidas por trás dessa interface “consomem trabalho, auferem lucros, exercem poderes diretivos e que, portanto, devem ser vinculadas também a responsabilidades trabalhistas”.

Gestão por algoritmos

Margareth Costa avalia que as empresas-plataformas dirigem e controlam a prestação de serviços por meio de algoritmos e inteligência artificial. Para ela, a gestão algorítmica visa induzir comportamentos dos prestadores de serviços, pois há pontuações durante todo o trabalho, e sensores de geolocalização geram informações sobre cada ato praticado.

“Gamificação”

Esse modelo de gestão do trabalho, de acordo com a magistrada, se orienta pelo processo de “gamificação”, que estimula ou desestimula os trabalhadores pela possibilidade de melhorar seus ganhos ou de receber punições indiretas. Trata-se, a seu ver, de um exercício “repaginado” de subordinação jurídica, por meio do algoritmo.

Poder diretivo

Entre outros aspectos, ela lembrou a prerrogativa de descadastramento do trabalhador caso desatenda as condições exigidas, a remuneração determinada pela empresa (e não negociada entre o entregador e o cliente) e a inserção do trabalho na dinâmica da atividade econômica desenvolvida pela empresa. 

Por outro lado, o entregador tinha de ficar conectado à plataforma, era avaliado e sofria bloqueios conforme as avaliações. A empresa, “de forma discricionária, decidia pela manutenção ou não do entregador na plataforma, o que evidencia o seu poder diretivo”. 

Releitura

A desembargadora ressaltou, em seu voto, que cabe ao Poder Judiciário a constante releitura das normas trabalhistas diante dos novos arranjos produtivos, “mas sempre em compasso com o horizonte constitucional da dignidade humana e do trabalho protegido por um sistema público de proteção social”. 

Acordo

Como foi protocolada uma petição de acordo no curso do julgamento, a relatora determinou o envio de ofício ao Ministério Público do Trabalho (MPT), por meio da Coordenadoria Nacional de Combate à Fraude nas Relações de Trabalho (Conafret).

A decisão foi unânime.

(Lourdes Tavares/CF)

Processo: RR-536-45.2021.5.09.0892

Nota - Uber:

"A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que representa entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados pelo próprio Tribunal.

A empresa considera que o acórdão não avaliou adequadamente o conjunto de provas produzido no processo e se baseou, sobretudo, em posições doutrinárias de fundo ideológico que já foram superadas, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal.

Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente confirmando o fato de não haver relação de emprego entre a Uber e os parceiros independentes que utilizam sua plataforma, apontando a ausência dos quatro requisitos legais e concomitantes para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 6.100 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho afastando o reconhecimento da relação de emprego com a plataforma.

O TST já determinou em diversos julgamentos unânimes que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. Em um dos mais recentes, a 5ª Turma considerou a "ampla flexibilidade" do profissional para "determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais em que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia" e que "tal autodeterminação é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo".

Também o STJ (Superior Tribunal de Justiça), desde 2019, vem decidindo que os profissionais "não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício".

Neste ano, o Supremo Tribunal Federal preferiu quatro decisões negando a existência de vínculo e revogando acórdãos regionais por desrespeito ao "entendimento do STF, firmado em diversos precedentes, que permite outros tipos de contratos distintos da estrutura tradicional da relação de emprego regida pela CLT"."

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