A crise pede cautela, racionalidade e, sobretudo, civilidade

Diante disto, gostaria de abordar duas perspectivas: a do lado real e a do lado monetário e financeiro da economia e, ao final, propor uma reflexão rápida

André Fernandes Lima
Publicada em 20 de março de 2020 às 10:52
A crise pede cautela, racionalidade e, sobretudo, civilidade

A crise pela qual estamos passando atualmente, com a propagação do coronavírus, tem ocasionado uma grande apreensão, talvez sem precedentes na história econômica mundial moderna, por parte não apenas daqueles que atuam no mercado financeiro, mas por toda a população. Isto porque a crise tem origem fora do contexto monetário e financeiro da economia e suas consequências vêm sendo -- e continuarão a ser -- sentidas por toda a população, independentemente de ter acesso ou não ao mercado financeiro, de ser investidor ou devedor, empregador ou empregado, sem distinção da classe social. Diante disto, gostaria de abordar duas perspectivas: a do lado real e a do lado monetário e financeiro da economia e, ao final, propor uma reflexão rápida.

Sob a perspectiva do lado real da economia, os efeitos da pandemia têm sido verificados por todo o mundo, com diminuição no nível de atividade econômica, com menor demanda por bens e serviços, consequência da necessidade de isolamento domiciliar. São constantes as notícias sobre cancelamento de eventos, fechamento de escolas, de espaços públicos e de comércio, cancelamento de viagens, entre outras. Consequências disto podem ser vistas já nas projeções econômicas. No caso brasileiro, a expectativa de crescimento do PIB (a soma dos bens e serviços produzidos no país ao longo do ano) em 2020 caiu, nas últimas quatro semanas, de acordo com o Relatório Focus publicado pelo Banco Central, de 2,23% para 1,68% em relação ao ano de 2019, uma queda de 25% na projeção. Ressalto que esses dados foram coletados na última sexta-feira, dia 13, quando o cenário ainda não se desenhava tão complexo e com perspectiva de duração tão longa como se tem percebido nos últimos dias. Com demanda desaquecida, a tendência é que a pressão sobre os preços também desaqueça; neste sentido, no mesmo Relatório Focus, a expectativa para a inflação no ano de 2020 também caiu nas últimas quatro semanas, de 3,22% para 3,10%. Vale lembrar que a meta estabelecida no Regime de metas para a inflação é de 4,0% (com intervalo de tolerância entre 2,5% e 5,5%), de forma que as expectativas indicam caminho para o limite inferior da meta.

A diminuição da atividade econômica e a menor pressão sobre os preços abre espaço para que os formuladores de políticas econômicas adotem medidas no sentido de estimular o crescimento da economia, com redução de impostos, postergação de sua cobrança, subsídios, fornecimento de linhas de crédito para empresas em situação de falta de capacidade de pagamento decorrentes deste cenário, redução nas taxas de juros e aumento da liquidez no mercado bancário. De encontro a isto tivemos -- citando apenas uma das medidas, para não me alongar demais -- na última quarta-feira (dia 18) a redução da taxa de juros básica da economia, a taxa Selic, para 3,75% a.a.

O lado financeiro da economia também tem sentido o impacto da pandemia. Bolsas de valores ao redor do mundo têm registrado frequentes quedas. No Brasil, o Ibovespa registra queda de mais de 40% no ano de 2020, por conta da perspectiva de deterioração nos resultados das empresas. Em relação ao dólar, a moeda americana já se apreciou 27% frente ao Real ao longo de 2020. As expectativas para o final do ano também têm subido, projetando depreciação da moeda brasileira. Isso porque os investidores, em virtude das incertezas sobre o futuro, tornam-se mais avessos a risco e, então, migram seus recursos para lugares considerados mais seguros e, em se tratando do fluxo de capitais em nível global, esses recursos acabam migrando para os Estados Unidos.

Agora, voltando ao título deste texto, e com isso fechando o raciocínio a que me propus desenvolver, é fato que o cenário é complexo e preocupante, seria insensato e desprovido de ligação com a realidade dizer que não. Entretanto, tão importante quanto preocuparmo-nos com nossa saúde e atendermos às recomendações das autoridades em permanecer em casa de forma a amenizar as possibilidades de contágio e propagação, é que tenhamos racionalidade nas nossas ações, seja em relação a sair de casa, a exigir que a pessoa que trabalha conosco continue vindo trabalhar, (como se ela não estivesse exposta aos mesmos riscos que todos os demais). E, sobretudo, termos em mente que a civilidade, o pensar no próximo, na coletividade, oferecendo ao próximo aquilo que gostaríamos fosse a nós oferecido, é a melhor -- e mais rápida -- maneira de enfrentarmos essa situação, amenizando seus impactos a todos. Vale refletir a esse respeito, afinal todos seremos beneficiados se agirmos com este simples objetivo em mente!

André Fernandes Lima é mestre e doutor em Administração de Empresas, pós-graduado em Economia Aplicada à Administração e Finanças e graduado em Ciências Econômicas. É professor das disciplinas de Finanças Corporativas e Mercados Financeiros na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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