A derrota da barbárie
A barbárie nos deixava em paz. Se para isso fossem necessários exemplos, bastaria um. Num instante de fortes emoções, a faixa presidencial foi posta no empossado por uma comissão de brasileiros
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante cerimônia de posse, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O governo que se deixou substituir pelo presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva levanta questões sobre o passado recente. Fica no ar a pergunta: como foi possível? Como escolhemos e toleramos a seleção de despropósitos que se sucedeu, ministro após ministro, nas etapas superadas, a duras penas, por um regime abaixo de qualquer expectativa? As dívidas que nos legaram, além da irresponsabilidade, possuem parentesco com traços de sadismo, uma vez que puniram sobretudo os despossuídos. O pesadelo se fecha e os ratos fogem do navio (cadê o Heleno? E o Braga Neto? E os defensores do caos? O Mourão? O Carluxo?). Já vão tarde! Diante dos nossos olhos, surge a qualidade do novo ministério. Finalmente, se descortina o futuro, com o que dispõe de potencial, incluindo o afeto por nossos contemporâneos.
Avançando a toda a velocidade para um desastre, o expresso desgovernado manteve poucos passageiros. Lideranças, no Congresso, desembarcaram nas estações anteriores. A situação evoca o filme de Andrei Konchalovski O expresso para o inferno, de 1985, com Jon Voight, Eric Roberts e Rebeca de Mornay - os dois homens fugitivos de uma penitenciária no Alasca e a mulher, empregada da ferrovia. O condutor morrera de um enfarte, o que significa que o cargueiro segue para o desastre. Em determinado instante, num de seus diálogos, diante dos outros se atracando, a mulher confessa sua estupefação. “Vocês parecem animais”, diz ela. E Voight responde: “Pior. Homens”.
Homens, piores do que animais, uma vez que deixaram um rastro de destruição, no meio ambiente, nas populações indígenas, na falta de cuidado com os necessitados, na segurança financeira do país. Nos últimos meses, se preocuparam apenas com as eleições, jogando recursos para comprar votos, o que lograram obter, como em geral acontece, apenas em parte. Por sorte, e porque dispusemos contra eles de um candidato de primeira ordem, os planos deram com os burros n’água. A civilização venceu a barbárie. É motivo para uma estupenda comemoração. Na Praça dos Três Poderes a festa correu solta com uma multidão nunca vista. Em toda parte, havia um clamor de alívio, com gente exultante. Brasília voltava a viver!
Os retratos finais da obra bolsonarista, antes do embarque de Bolsonaro no avião da FAB, deixou um cenário de miséria diante dos quartéis para manifestantes inconformados. Em torno, a civilização dava mostras de coragem para realizar o necessário: colocar a nação de pé. A barbárie nos deixava em paz. Se para isso fossem necessários exemplos, bastaria um. Num instante de fortes emoções, a faixa presidencial foi posta no empossado por uma comissão de brasileiros: o cacique Raoni, Ivan Baron, um deficiente físico, Francisco, um menino negro, Aline Sousa, catadora, Wesley Rocha, metalúrgico, Murilo Jesus, professor, Jucimara Santos, cozinheira, Flávio Pereira, artesão. Querem mais? Para nós, é suficiente um ano novo belo e promissor.
Ronaldo Lima Lins
Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ
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