A escolha de Campos Neto é sabotar Lula (e o país)
"Se Bolsonaro tivesse sido vencido em outubro, Campos Neto seria o executivo coerente com ideias do candidato vitorioso", escreve Paulo Moreira Leite
Banco Central, Roberto Campos Neto e Lula (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil | Geraldo Magela/Agência Senado | REUTERS/Ricardo Moraes)
A crítica de Lula a Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, não envolve qualquer debate sobre idéias econômicas no século XXI.
Os números da campanha eleitoral mostram que brasileiros e brasileiras foram capazes de elaborar uma visão clara das diferenças entre o espírito desenvolvimentista que animou a campanha de Lula e o monetarismo tosco de Paulo Guedes-Bolsonaro, responsável pela tragédia economica que o país atravessa.
Os números da campanha eleitoral mostram que brasileiros e brasileiras foram capazes de elaborar uma visão clara das diferenças entre o espírito desenvolvimentista que animou a campanha de Lula e o monetarismo tosco de Paulo Guedes-Bolsonaro, responsável pela tragédia economica que o país atravessa.
Nessa situação, é difícil negar que, do ponto de vista do desenvolvimento econômico e da defesa dos interesses do país, Lula tenha 100% de razão ao denunciar a natureza predatória da gestão de Campos Neto.
Para quem ainda não foi convencido, basta acompanhar artigos e entrevistas de outro economista, André Lara Rezende, um dos principais formuladores do Real, projeto econômico de Fernando Hernando Cardoso.
Exibindo uma rara coragem intelectual para encarar os fatos e reconhecer os resultados mesmo quando se mostram decepcionantes, o balanço da obra levou Lara Rezende refazer o caminho numa autocrítica lúcida e corajosa.
Integrado a uma diretoria do BNDES, hoje Lara Rezende contribui com idéias e sugestões para a equipe econômica de Lula.
Verdade que, no plano teórico, o debate econômico envolve um grau de erudição profundo demais para a maioria dos brasileiros, inclusive este jornalista.
No plano político, no entanto, a verdade é fácil de compreender. Graças à regras impostas ao país após o golpe de 2016, que importou as leis e costumes que o neo-liberalismo impôs às principais economias capitalistas do planeta, ocorreu uma mudança de fundo em nossas instituições financeiras.
Numa estratégia ardilosa, aprovou-se uma regra que retira do presidente da República o direito de escolher o presidente do Banco Central de sua preferência, de acordo com suas ideias e convicções, para assegurar a hegemonia da célebre mão invisível do mercado. A lei, aprovada após a queda de Dilma, definiu que os mandatos -- de presidente da república e presidente do BC -- não sejam coincidentes, permitindo, assim, que a força sagrada da soberania popular fosse neutralizada na definição de centro nevrálgico da economia de qualquer país, a taxa de juros.
Bolsonarista assumido, Campos Neto é afilhado direto de Paulo Guedes, neo-liberal da escola Pinochet. Sua função num posto estratégico da área economica do Estado brasileiro é sabotar o projeto Lula, referendado pelas urnas da campanha presidencial, em nome da cartilha neoliberal que lhe abriu as portas para o cargo que ocupa hoje.
Se Bolsonaro tivesse sido vencido em outubro, Campos Neto seria o executivo coerente com ideias do candidato vitorioso. Mas em 2022 o eleitorado mostrou que sua vontade política era outra -- e, neste caso, Campos Neto não tem lugar na equipe que Lula tenta montar para reconstruir o país.
Passado pouco mais de um mês da posse, deixou claro que tem apenas um serviço de destruição e sabotagem a executar, bloqueando todo e qualquer esforço do novo governo para construir uma política econômica que o povo considera mais adequada para o país.
Essa era a vontade do revanchismo reacionário que animou os golpistas que derrubaram Dilma há pouco mais de seis anos. Campos Neto mostra-se fiel a ela.
Alguma dúvida?
Paulo Moreira Leite
Paulo Moreira Leite é colunista do 247, ocupou postos executivos na VEJA e na Época, foi correspondente na França e nos EUA
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