A nova religião
Creiam no deus Mercado! Em si, ele escapa ao entendimento humano. Manifesta-se, contudo, na Bolsa de Valores, onde se decide a perdição ou a salvação de milhares de fiéis
Expande-se mundo afora uma religião secular que, ao contrário das outras, congrega fiéis sem que eles se deem conta de que são seus adeptos. Sua teologia utiliza também o medo como forma de submissão.
Arrependam-se de seus pecados! Nada de utopia, esperança, outro mundo possível – bradam os seus arautos. Basta entrar em um shopping center para conhecer o Paraíso. Ali não há mendigos, crianças de rua, lixo jogado nas calçadas. Tudo brilha! Os veneráveis objetos de consumo são acolitados por belas sacerdotisas em suas preciosas capelas.
Sejam devotos de quem lhes pode assegurar segurança. Nada de se voltarem a figuras do passado, como Jesus. Agora a fé deve prestar culto aos novos messias que, do alto de seus tronos, prometem um futuro melhor e cujas mãos têm o poder de antecipar o Apocalipse pela indiferença frente à pandemia ou pela aniquilação nuclear.
Creiam no deus Mercado! Em si, ele escapa ao entendimento humano. Manifesta-se, contudo, na Bolsa de Valores, onde se decide a perdição ou a salvação de milhares de fiéis; nos paraísos fiscais, sacrários indevassáveis reservados aos eleitos; nos derivativos, tão abençoados e voláteis como os anjos.
O deus Mercado é infalível. Com a sua mão invisível, regula a produção, a comercialização e o consumo. E combate o Leviatã chamado Estado.
Mas, e a desigualdade social que assola o planeta? Tal objeção herética procede de quem não acolhe os dogmas da nova religião. Deus é bom, mas os homens se deixam seduzir pelas artimanhas do diabo, clamam seus sacerdotes. São tomados pela preguiça, a ociosidade, o desalento.
Não trabalham o suficiente para se tornarem empreendedores. Devem, portanto, merecer o castigo da pobreza e do desamparo. Até da pandemia! Vejam aqueles que confiam nos dogmas do mercado! São felizes, prósperos, ricos!
É isso que se chama idolatria.
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