Aos opositores, os rigores da lei

Os da esquerda sempre pagaram com suas vidas, pelos caminhos que trilharam. Quanto aos militares, na hora em que a conta chega, se tornam coléricos

Denise Assis
Publicada em 08 de maio de 2023 às 11:44
Aos opositores, os rigores da lei

Bolsonaro e militares (Foto: REUTERS/Adriano Machado | José Cruz/Agência Brasil)

Não se faz política com o fígado. A frase é atribuída a um dos políticos mais astutos que já passou pelo Congresso: Ulysses Guimarães. Tampouco se faz com “espadas” ou fuzis.  

O introito diz respeito a uma tendência que rola nos bastidores do governo - que eu já havia revelado no Giro das Onze, programa do qual eu participo às quartas-feiras -, e hoje eu vejo também descrito na “grande” mídia: parte do governo preferia não ver oficiais de alta patente (generais) depondo na CPMI, sobre a intentona de 8 de janeiro.  

Aqui eu sugiro aos militares que fiquem em posição de: descansar, e aos nobres integrantes do governo que esboçaram a opinião sobre o tema, que busquem um cafezinho na copa do palácio. O papo é longo.

 Quando se tem um poder constituído e uma Constituição a zelar, seguir e preservar, o que fazemos? Ou a respeitamos e tocamos com tranquilidade as nossas vidinhas, ou transgredimos e acertamos as contas com a Justiça. Aqueles que se colocam fora dos seus ditames e não ignoram as leis que regem o nosso país, supomos, sabem que estão sujeitos a sanções. Não é bem assim???

Se não, vejamos: Durante o ano de 2022 desenrolou-se no país uma campanha eleitoral acirrada. Nos bastidores, parte do generalato do Alto Comando e, daí para baixo, vários componentes de suas tropas, veladamente torciam por aquele candidato que: se insurgiu contra o STF; bradou contra as urnas eletrônicas e o processo eleitoral sem apresentar provas; aceitou joias de milhões de dólares de presente e, tendo-as confiscadas pela Receita Federal – dentro do que manda as regras do fisco -, tentou reavê-las por meios altamente questionáveis, para dizer o mínio. Adulterou documentos públicos – comprovadamente os cartões de vacina, seu e de toda a família e, ao se ver derrotado, fugiu do país, não reconheceu a vitória do opositor, convulsionando ainda mais o cenário político e, (a suspeita é esta), conspirou para impedir o vencedor de tomar posse, manipulando o seu reduto, lá de Miami.

Enquanto o perdedor enviava zap tentando manter “o moral da tropa” em dia, no Brasil o seu candidato a vice, o general Braga Neto, pedia aos “seguidores” do “mito” que não se dispersassem, que em 72 horas algo de bom iria acontecer. A fala do general não comporta nenhuma outra interpretação que não seja: o golpe será dado, posto que o Messias já tinha descido à terra e levou a pior. Não voltaria aqui para ser crucificado outra vez. Então, o “algo”, não era a volta do Messias. A menos que fosse o outro: o anticristo.

Por sua vez, o general Augusto Heleno, chefe até a derrota do Gabinete Institucional da Presidência da República (GSI), manteve de prontidão, nas dependências do Planalto, os seus bem treinados pupilos, para no momento fatal cumprir os seus ditames. Registre-se: a tropa não era a do general substituto, que não teve tempo de verificar na folha de pagamento da sua repartição, quem eram os elementos recrutados para o gabinete a partir de 2019, ou seja, a data de posse do governo extinto pelos eleitores, nas urnas, democraticamente.  

 Para deixar bem claro: o eleitorado preferiu um novo projeto de governo, em que não cabia um GSI que comprava equipamentos sofisticados de espionagem, para bisbilhotar as suas vidas.

Descrito o cenário, é preciso destacar também que anunciada a vitória, o general responsável pelo Comando Geral do Exército, Marcos Gomes, teve dos primeiros dias de novembro até o final de dezembro, para tomar ciência de que havia elementos da ativa de suas tropas, fazendo banzé – primeiramente bloqueando estradas e, posteriormente, em portas de quartéis -, pedindo que ele descesse do seu gabinete e tomasse a frente de uma “intervenção militar” para “salvar” o país. Surdo ele não é. Mas ignorou e permitiu que as dependências do seu comando continuasse invadida por barracas com luz, água, chuveiro, acesso à internet, comida farta para churrascos diários, fogões industriais, geladeiras, água mineral à vontade e acesso a games. (Há quem diga que havia até mesmo academia para exercícios físicos).

 Ao deixar o comando e transferi-lo para o seu substituto, o general Júlio Arruda, que já entrou fazendo marola, antecipando a posse e manifestando desobediência ao presidente que assumia, Marcos Gomes deixou também ao novo comandante a escolha: retirar ou não o entulho autoritário das portas dos quartéis, coisa que Gomes não se dignou a fazer pelos meios de que dispunha. E havia meios. Foi leniente, conivente, no mínimo.

Júlio Arruda, ao assumir o comando, dobrou a aposta e manteve promovido o ajudante de ordens do antecessor (mesmo tendo recebido recado para anular a promoção para um batalhão estratégico, em Goiás). Tratava-se de uma unidade que não deveria estar nas mãos de um opositor declarado – hoje, se sabe, cúmplice dos desacertos do ex-chefe.

 Diante do exposto, qualquer rábula tiraria do bolso códigos e incisos em que esses senhores poderiam estar enquadrados. Limitando-nos ao compêndio de regras militares, outros tantos.  

O que precisa ficar claro é que esses homens tiveram uma vida para optar por sair da caserna e entrar para a política. Não o fizeram, mas quiseram ter lado – o do golpe – numa hora em que o Brasil estava a um desbarrancar para o precipício do fascismo. Isto, senhores, se faz por escolha. Por “ideologia”, por convicção. Os que optaram pelas fileiras da esquerda sempre pagaram com suas vidas, pelos caminhos que trilharam. Quanto aos militares, na hora em que a conta chega, se tornam coléricos, dão socos na mesa e apontam para os blindados, que chegaram a ser trazidos para a rua. E isto é um posicionamento claro. Ou não?  

 Então, em tendo CPMI, não seria nenhum excesso se os lenientes e coniventes, que mandaram seguir os acampamentos e retiraram do quartel os blindados para apontar contra nós, a sociedade civil indefesa, se explicassem. E isso não dói. Dor é choque elétrico, é pau de arara, é dedo nos olhos, é estupro. O resto é mera formalidade, para os que desrespeitam as regras do país. E foi isto que eles fizeram. Ou não conhecem as regras?

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar". É Integrante do Jornalistas pela Democracia.

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